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terça-feira, 5 de abril de 2022

Coda de ânus é pênis


© 1988, Giuseppe Tornatore, Cinema Paradiso

Um Oscar marcante em minha vida foi o de 1995. Concorrendo a melhor filme, tivemos: Forrest Gump, Quatro Casamentos e um Funeral, Pulp Fiction, Quiz Show e Um Sonho de Liberdade. Assisti a todos esses filme em VHS e realmente não sei qual o melhor. Além disso, ainda foi o ano de Ed Wood de Tim Burton, onde Martin Landau levou o careca para casa por sua interpretação magnífica de Bela Lugosi. E Tiros na Broadway - do sacrossanto e blindado maníaco sexual Woody Allen - concorreu a algumas estatuetas.

Quando eu era guri, não ligava pra trilha sonora de cinema. Possuía tio e padrinho que tinham estantes cheias de CDs com trilhas de cinema. Não estou exagerando. Eram estantes, mesmo. Meu padrinho possuía uma "sala de som", onde não víamos a cor da parede de tantos móveis embutidos lotados de vinil, CD, VHS, k7 e laserdisc. Eu achava aquilo um desperdício de dinheiro. Quem conseguia ouvir uma trilha sonora de cinema? Quando me tornei o que chamam de adulto, passei a amar. E falando em música, também em 1995, tivemos Thomas Newman concorrendo com dois trabalho contra Hans Zimmer, Alan Silvestri (Forrest Gump) e Elliot Goldenthal. Devem ter escolhido Hans Zimmer por mero sorteio. Realmente, a trilha de O Rei Leão (assisti a estreia no cinema, com minha prima Denise, no Cine Maciel, situado na rua de minha avó!) é encantadora. Mas, quando penso em Forrest Gump e "Libera Me" - e tantas outras de Entrevista Com O Vampiro - realmente não sei qual seria a melhor.

Isto era o cenário de uma premiação. Houve época (não tão distante) que (quase) tudo fazia sentido. Hoje, nenhuma premiação quer dizer mais nada e alguns grupos endinheirados já vêm exigindo cotas para o Nobel. Em Literatura, há algo parecido com cotas. Na Paz, também. Mas querem levar isso à Física, Química e Medicina.

Percebi que o Oscar havia chegado ao fundo do poço com Moonlight (2016). É só uma história sobre um garoto sexualmente frustrado que aguarda anos e anos para poder, finalmente, dar o anel ao macho de sua vida. E antes que alguém me acuse de homofobia, destaco que Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005) foi uma das melhores histórias sobre o amor levadas ao cinema. Moonlight é um lixo do recente cenário extremista de Hollywood.

Digo tudo isto porque tentei assistir a CODA - No Ritmo do Coração, vencedor do Oscar de Melhor Filme neste ano. Desisti de continuar aos 57:42 min e não pretendo retomar. A vida é curta, tenho muitos livros a ler (além de gatos, cachorro e galinhas a cuidar), quintal para limpar e, colegas, não posso desperdiçar meu tempo cada vez mais precioso. Solenemente, desisti de conhecer o que há de novo. Não procurarei mais as novidades da música, cinema ou TV. Se topar com algo meramente por acaso, ok. CODA é um filme fofo, comédia romântica cute dispensável e nada mais. Mas aborda exclusivamente capacitismo e, assim, emplacou. Acho pouco provável que, após quase cinquenta minutos, possa haver algo que valha a pena no filme. E não quero mais nem saber. Foram cinquenta minutos que eu poderia estar vendo algum filme "Z", enquanto fumo meu charuto na varanda (onde mantenho uma TV).

Não há novas formas de fazer cinema, música, quadrinhos etc. Me parece que todas as possíveis maneiras foram esgotadas em pouco tempo e, agora, todos estão perdidos. Não vale a pena encarar essas mudanças com ressentimento, tampouco ódio. Mas: meus olhos e ouvidos, minhas regras. Assim, apenas faço a opção de seguir adiante, sempre, mas olhando e ouvindo para trás, no aconchego do passado.

Abraços cinematográficos e até a próxima.





quarta-feira, 30 de março de 2022

Assim é a vida, Doug Funnie


Paty, você é minha Maionese
Paty é o picles da minha salada
Paty é o açúcar do meu chá
Você é o molho do meu cachorro quente
Paty, você é minha Maionese

Não recordo exatamente o ano em que conheci Doug, cultuada animação do canal Nickelodeon criada por Jim Jinkins. Acho que eu estava na sexta série. Mas talvez tenha sido na sétima. Logo, foi entre os anos de 1993/1994. Mas recordo bem quando, numa manhã, dois colegas conversavam sobre o desenho, que podia ser assistido antes de O Mundo de Beakman (ou seria logo após?). Entrei na conversa e, na mesma noite daquele dia revelador, conheci estes dois programas então marcantes na minha infância. Na época, eu tinha o privilégio de possuir uma TV 14" com controle remoto em meu quarto, apenas para meu uso exclusivo! Eu era, então, um jovem magnata. Então podia ver o início de noite da Tv Cultura livremente, sem atrapalhar novelas e telejornais da família.

Assim, assisti à vida de Douglas Funnie à exaustão, com episódios repetidos até o cansaço. Já "adulto", meio afastado daquele mundo dos desenhos animados, descobri que a Disney havia comprado a série. Descobri que isso ocorreu em 1996 (!). Pois é... as novidades tardavam a chegar antes da era da banda larga. E apenas este ano assisti a alguns episódios da fase Disney. Por acaso, o encontrei na grade da Disney+ com minha filha. Então sentamos uma tarde para assistir. Não gostei tanto. Não era o mesmo Doug. Mas a Disney, logo no primeiro episódio, deixou claro que o mundo muda, nada é como antes e que, possivelmente, aquele Doug não seria para mim.

No primeiro episódio, a vida do jovem careca e barrigudo (Charlie Brown?) está de pernas para o ar. Seus poucos fios de cabelos estão compridos e ele não decide que corte melhor combinaria com sua nova idade. A lanchonete preferida fechou. Sua escola foi arruinada e outra está sendo construída. O Prefeito agora é o novo Diretor do colégio. Sua banda preferida - Os Beets - anunciam o fim. No cinema, o superagente que ele admira se tornou um bobalhão (algo como de Roger Moore a Mr. Bean). Paty, Judy,  Skeeter e todos os seus amigos estão diferentes: amadurecidos. E Doug nos diz que queria apenas seu mundo de volta, como era antes. Para finalizar, sua mãe anuncia que está grávida!

Num momento do episódio, Doug delira relembrando a escola antiga: que a merenda era deliciosa e ele sempre queria repetir a "carne mágica" e que o antigo diretor Lamar Bone era bastante camarada. Skeeter interrompe seus devaneios e lhe recorda que a "carne mágica" era um grude intragável e que o Sr.º Bone era o maior carrasco. Logo, Doug se perde nas enganações da nostalgia de que "na minha época era melhor".

Se a palavra "emblemático" aplica-se bem a algo, é a este episódio de Disney's Doug. O mundo gira, o homem não é o mesmo homem nem o rio etc etc. Doug Funnie nos mostra isso de maneira didática, ao mesmo tempo em que a Disney nos diz: "não venha chorar aqui, seu velho reclamão".

Abraços funnies e até a próxima.

domingo, 27 de março de 2022

Um Maluco no Pedaço


Quem leva a sério o Oscar? Acho que apenas influenciador oba-oba de Youtube e a grande mídia, a qual também está no descrédito e no fundo do poço, junto a todo mainstream. E isso vale para tudo. Prêmios, instituições culturais etc., está tudo morto, pútrido, purulento. A fedentina se tornou insuportável de tal forma que, há anos e anos, não assisto a Oscar nem quero mais saber quem arrebatou o Nobel de Literatura. Está tudo igual na Academia Brasileira de Letras, laureando gente medíocre, enquanto bons escritores amargam o ostracismo e às vezes ganham um lugarzinho ao sol quando conseguem agradar às pessoas certas.

O tapão na cara de Chris Rock, durante a "cerimônia" de entrega da estatueta careca, é emblemático. Will Smith, o corno manso mais famoso do show business, até sorriu da piada sobre a careca de sua digníssima e honrada esposa, a ninfomaníaca Jada Pinkett Smith. O vídeo é bem claro. Mas, após sorrir, ele olha para a esposa que estampa uma cara de merda e, assim, sobe o palco para esbofetear Chris Rock. Aliás, olhando aquela plateia, quase todos possuem cara de merda, expressões insossas, superiores e de poucos amigos. São as pessoas mais esnobes do entretenimento, a elite socialista de Hollywood. Acho que o simples fato de respirar o ar naquele ambiente pode dar câncer, de tanta malignidade no espaço.

"Ai, mas a Cara-de-Cu sofre de uma doença, tadinha". Também padeço de alopecia, junto a 42 milhões de brasileiros. É só uma careca. Nada de mais. Há tratamentos, implantes etc. Não é o fim de uma vida. Aliás, passa longe disso. Adoro ser careca e vemos naquela senhora que ela fez disso um estilo! A coroa deu pra todo mundo e continua traindo o Will Cuckold. Basicamente é assim: "Coma minha esposa, mas não faça piada sobre sua careca, onde metade da Califórnia esfrega a piroca".

Quem está no show business e senta na primeira fila de um evento apresentado por Chris Rock sabe o que rolará. Recordo da cerimônia onde Steve Martin pegou no pé de Jack Nicholson a noite toda, sempre tirando uma de sua sexualidade, entre outras coisas. Quase toda entrega é assim. Se o cidadão não quer correr o risco da exposição, fique em casa. É como um amigo careca que possuo e nunca vai a show de humor, pois alega que o humorista encarna na careca dele! E, ainda assim, destaco que nenhuma indisposição deveria ser resolvida desta forma, como fez o Will Cornão.

De certa forma, a cena grotesca de agressão a um comediante por piada com a careca da velhinha talvez seja o ponto alto do show. Aquelas pessoas são assim e se merecem. Seria interessante que todos pudessem trocar tiros no local. Seria ao menos um programa interessante de ser ver.

Abraços pútridos e até a próxima.


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O Nome da Morte [ Cinema ]


"Óia, tio, um pau de fogo."

Júlio Santana foi um assassino de aluguel que matou 492 pessoas, vivendo tranquilamente seus dias atuais em seu sítio, tendo passado apenas um dia preso em toda sua existência. Seus serviços de pistoleiro foram contratados, dizem, até mesmo para execução de membros da extrema-esquerda que integravam grupos armados no anos de chumbo em nosso país. Sua vida foi debulhada pelo escritor Klester Cavalcanti e, em 2017, serviu de inspiração para o filme O Nome da Morte, dirigido por Henrique Goldman.

Não sei quem é Henrique Goldman. Mas o roteirista George Moura me agradou no passado com o seriado Onde Nascem Os Fortes, comentado por mim aqui no blogue.

Este filme está escondido na grade da Netflix e só o descobri por recomendação do Socializando. Considero-o um ótimo filme pelos seguintes motivos: é curto, simples e objetivo. Possui fotografia belíssima e boas atuações. Até o Marco Pigossi teve boa atuação como Júlio Santana, no desenrolar da trama. Nos primeiros minutos, não me convenceu como o "menino ingênuo do interior". Mas desenvolveu muito bem como pistoleiro. André Mattos, como sempre, está estupendo, vivendo Cícero, tio de Júlio, que o insere no mundo do crime.

O filme retrata os assombros de nosso imenso Brasil: miséria, vida humana sem valor algum (por isso, zele pela sua), polícia corrupta e clima geral de terra-de-ninguém. Quem habita grandes centros não sabe disso. Mas o Brasil é realmente imenso e a maior parte de seu território pertence a quem atira mais rápido.

Abraços plúmbeos e até a próxima.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

A Love Song for Bobby Long





Dona Lola à sombra de Stalin

Na primeira cena de A Sombra de Stalin, George Orwell inicia a escrita d'A Revolução dos Bichos: "O senhor Jones, dono da Granja do Solar, fechou o galinheiro para a noite...". E logo passamos a outro senhor Jones, de primeiro nome Gareth, jornalista galês que expôs ao mundo os horrores do Holomodor (morte pela forme) ucraniano. Outra figura histórica com destaque é Walter Duranty, correspondente do The New York Times em Moscou, "especialista" em política internacional e ganhador do Pulitzer (premiação que lhe conferia autoridade), que já na década de '30 produzia fake news para a grande mídia estabelecida, sendo irreprochável por sua autoridade de "jornalista sério". A troco de grana, boa vida e por pura ideologia, Duranty enganou o ocidente, durante anos, com notícias sobre as maravilhas do comunismo implantado na antiga URSS.

Gareth Jones foi à Ucrânia e viu a morte por forme de perto, se atrevendo a peitar as fake news do establishment midiático e, devido a isso, comendo o pão que o Diabo amassou. 

O Holomodor não foi apenas um desastre econômico após a coletivização forçada de terras: foi a busca pela mudança na tessitura social de um local, experimento de eugenia histórica e social, a busca por um novo mundo a partir da matança. Isso é o comunismo (ou socialismo, como queiram). Ideologia macabra que conquistou corações como o do próprio George Orwell - escritor ambíguo que chegou ao final vida acreditando no "socialismo democrático" (seja lá o que for isso), mas sabendo que nenhum sistema igualitário poderia dar certo, porque é antinatural e sempre nos levaria ao autoritarismo.

Em um determinado momento do filme, Gareth pergunta a uma ucraniana o que houve ali, ao que ela responde: "Homens vieram aqui e acharam que podiam substituir as leis naturais". Uma camponesa poderia não saber se expressar assim. Mas sentiria que a política é artificial e os ideais coletivistas, postos como foram, são antinaturais. Outra pessoa pobre e sem instrução que sabia disso é Dona Lola, a mãe-ideal de Éramos Seis, romance maravilhoso de Maria José Dupré.

Em Éramos Seis, Dona Lola possui três bons filhos e um vagabundo: Alfredo. Este sempre desejou ser rico, gastava horas delirando com o dia onde teria bastante grana para morar em mansões e andar de carrões (com direito a motorista). Mas nunca gostou de trabalhar e quando arranjava algum trabalho era para roubar o patrão e se lamentar da vida. Em pouco tempo, lhe caíram no colo ideias marxistas: luta de classes etc. Logo, Alfredo "descobriu" que era infeliz porque no mundo havia ricos. Ele não tinha um carrão porque algum ricaço lhe roubou. O justo seria que as pessoas com alguma graninha dividissem tudo com ele. Quando não estava vagabundeando ou roubando, Alfredo estava extorquindo a mãe doceira para comprar roupas caras e perfumes. Só andava na beca e cheiroso!

Em vários momentos, Alfredo aproveita para destilar seu refinado conhecimento sobre marxismo de boteco. Fala de livros, teorias e personalidades históricas, de maneira bem superficial. Em um desses momentos, sua mãe lhe contrapõe com a natureza humana, como transcrevo abaixo.

‒E suas ideias socialistas?

‒Bem. Estudei e entendo um pouco por causa do tal amigo que tenho. Todos somos socialistas, a senhora, eu, todo o mundo.

‒Não diga bobagens. Eu não sou.

‒Mamãe, a senhora pensa que socialismo é um bicho-de-sete-cabeças. Nada disso. É uma luta de classe entre o capitalista e o proletariado Marx chamava os capitalistas de aventureiros, devido à grande cobiça que os domina e o ideal de Marx era dividir os bens, os meios de produção e outras coisas entre os operários; não deixar tudo na mão dos capitalistas, quer dizer, não deixar eles terem tudo e o proletariado não ter nada. Chama-se uma revolução social. Não acha nobre a teoria?

‒Dividir a propriedade, o dinheiro, os bens com os outros? Isso é comunismo, eu já disse. Então esta nossa casa que custamos tanto a pagar, levamos anos economizando, passando apertado, sem roupas suficientes e agora tenho que repartir a metade com o genro de D. Genu, por exemplo, que não faz nada certo? Um dia trabalha, outro dia não? Vive de biscates? Não. Deus me livre!

Alfredo começou a rir e sentou-se de novo na cadeira:

‒A senhora é formidável.

‒Pois não é isso que está falando? Sua teoria não é essa? Repartir tudo com os que não têm? 

‒Não é bem assim. Seria muito longo explicar tudo à senhora, mas não é isso. A senhora não é capitalista; o ideal é impedir que o capitalista ajunte tudo nas mãos e obrigá-lo a repartir com o proletariado.

‒Está certo, mas apesar de não ser capitalista, eu tenho esta casa e você falou também em bens, não falou? Há muita gente que não tem uma casa como esta, logo, preciso repartir com aqueles que não têm. Está errado, filho.

Alfredo jogou fora o cigarrinho e ficou um instante pensativo. Perguntei.

‒Gosta de figos em calda?

Olhou para mim com um olhar estranho:

‒Não. É muito doce. Por quê?

‒E de café, você gosta?

‒Ora esta, mamãe. Tomo café o dia inteiro; o que tem isso?

‒E Isabel gosta de café?

‒Nunca a vi tomando café. Por quê?

‒E ela gosta de figos em calda?

‒Gosta, porque quando vem de Itapetininga, ela come tudo.

‒ Julinho fuma?

Ele começou a rir.

‒ Já estou adivinhando onde quer chegar. Não.

‒E você?

‒O dia inteiro. Até onde vai?

‒Não vou longe. Você é o mais alto dos irmãos; Carlos é de altura regular, Julinho é o mais baixo dos três. Você é louro, Julinho é moreno, Carlos não é moreno, nem louro. Os cabelos de Isabel são pretos, não são? Que engraçado! E você é louro. E no entanto vocês são irmãos, filhos dos mesmos pais, crescidos no mesmo lar.

Ele sorriu e ficou me olhando; comecei a forrar as formas de empadas com a massa:

‒Você gosta de café, Isabel não toma café. Carlos é estudioso e só está feliz com um livro nas mãos; você não gosta de estudar. Julinho gosta de ajuntar dinheiro, desde pequeno gostou de dinheiro. Você não pode ter dinheiro no bolso, quanto tem, quanto gasta. Joga pela janela fora.

Não é isso mesmo, Alfredo?

Ele sorriu mais:

‒Onde está o fim da história?

‒O fim da história é que todos somos diferentes, meu filho. No físico, no moral, no gosto, no caráter, nas particularidades, nas tendências, na essência, enfim. E como podemos viver igualmente, dividir igualmente o que possuímos e levar o mesmo padrão de vida, se somos tão diferentes como os dedos da mão?

‒Ora esta! D. Lola também tem suas teorias!

Um dos fundamentos do apelo massivo ao esquerdismo é a inveja. Há diversos elementos, claro. Há cérebros como Eric Hobsbawm, para quem o morticínio é o caminho adequado para refundar a existência e o próprio homem à imagem da ideologia. Há a gurizada de apartamento, adepta do lacre vazio. Há os políticos e burocratas que surfam na onda do inchaço estatal. Há os artistas bancados com grana pública e colados na mídia mainstream. Há vários. E os invejosos, como Alfredo. E pessoas como Dona Lola e a camponesa de A Sombra de Stálin, que falam de coisas cada vez mais distantes como "natureza humana" e "ordem natural". Do diálogo acima, a idosa calejada pela realidade se opõe ao antinatural do coletivismo. Suportamos o coletivo até poucos limites: o Estado moderno. Além disso, é insanidade.

É isso. Finalmente assisti a este filme e não pude deixar de associar aquela agricultora faminta à Dona Lola: qualquer ser humano razoavelmente são das ideias, com alguns neurônios sadios e que sentiu a vida ao seu redor (suou, sangrou, sentira dor, rezara ou meditou, temeu pelo povir e amou) percebe de cara a malignidade dessa engenharia social que, há séculos (antes mesmo do marxismo), poucas mentes e grandes fortunas quase dinásticas querem empurrar à nossa existência.

Veja o filme, leia o livro! Valem a pena.

Abraços famélicos e até a próxima.



segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Meia-noite no jardim do bem e do mal





Parceiro, a verdade, como a arte, está nos olhos de quem vê. 
Acredite no que quiser e eu acredito no que sei.

No início de 1981, o novo rico James Arthur Williams, negociante de arte residente em Savannah, foi preso por assassinar seu jovem funcionário e amante, o bad boy Danny Hansford (Billy Hanson, no cinema). Aparentemente, tudo indicara que foi realmente em legítima defesa. Mesmo assim, por ser rico e despertar a inveja dos que vendem o almoço para comprar a janta, enfrentou um dos mais longos julgamentos da história local, por quase oito anos e quatro júris. Após sua absolvição, sofreu um ataque cardíaco fulminante no mesmo cômodo onde  Danny Boy foi morto.

John Berendt residiu durante oito anos em Savannah e debulhou toda a história, lançando seu meio-romance de não-ficção (é mais ou menos isso o troço) Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal. Clint Eastwood, o maior cineasta vivo, adaptou a obra para a telona e, como sempre, fez um ótimo trabalho. É um dos melhores filmes que já vi. Tudo ali está impecável, especialmente Kevin Spacey, que “incorporou” (melhor palavra para sua atuação) Williams. John Berendt afirma que a interpretação de Spacey foi ruim. Outros, dizem o contrário. Isso me cheira a vaidades como quando Stephen King, por exemplo, até hoje afirma que O Iluminado de Stanley Kubrick é um péssimo filme. Se autores querem que adaptações ao cinema saiam como eles desejam, é fácil: busquem grana e dirijam os filmes. Podem ser até atores (como aliás o próprio King tentou ser, o que foi patético).

Jude Law (Billy Hanson) também chama nossa atenção em sua curta atuação, nos primórdios de sua carreira. 1997 foi um ano decisivo para ele, com participação em quatro bons filmes que lhe serviram de catapulta, especialmente Gattaca - A Experiência Genética.

No IMDb, a nota para o filme não é das melhores. Apenas 6,6 com quase 40 mil votantes. Ao menos, até o momento. Considerando que atualmente apenas filmes com super-heróis atingem boas avaliações ali, nada disso me surpreende.

Savannah é um personagem da trama. É a morada da antiga aristocracia decadente, pessoas de trejeitos finos e vazias, vadios que ocupam as noites, histórias de luxúria por todos sabidas e de todos “escondidas” e – o melhor – magia (ou superstição, como queiram), muita magia negra.

Esses dias revi Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal graças a um colega mineiro que assinou a HBO Max Multitelas e me deu acesso a uma delas. Assim que vi esta obra-prima na grade, aproveitei para assistir novamente. O filme envelheceu bem. A trilha sonora é linda, com revisitações a obra de Johnny Mercer, compositor cujo espírito está presente na narrativa.

Algo curioso de Eastwood foi chamar, para o filme, pessoas que conviveram com o verdadeiro James Williams e se envolveram com todo o turbulento ocorrido. Assim, por exemplo, o verdadeiro advogado de defesa Sonny Seiler interpretou o Juiz Samuel L. White e o travesti Chablis Deveau interpretou a si mesmo. Nesta mesma pegada, a musicista Emma Kelly e o cabeleireiro Jerry Spence também "deram corpo" a si mesmos. Recordo que, na obra escrita, John Berendt, ao narrar seu primeiro encontro com Joe Odom e mencionar que pretendia escrever sobre Savannah, o mesmo lhe diz que gostaria de interpretar a si mesmo, acaso a obra fosse adaptada para o cinema. Infelizmente, Joe Odom faleceu alguns anos antes da publicação do romance. Mas esse desejo diz muito sobre a escolha peculiar de Eastwood.

Falando sobre o livro, recordo também como é rico em detalhes históricos e culturais da pequena cidade boêmia. Logo no início da leitura, conhecemos alguns ilustres defuntos do cemitério Bonaventure, a exemplo do poeta Conrad Aiken, cujo túmulo possui a forma de banco de praça - para que as pessoas possam sentar, beber e apreciar a paisagem, ali, como ele apreciou em vida. No romance, como também é de se esperar, a vida de James Williams é destrinchada, especialmente como conseguiu sua fortuna a partir de investimentos imobiliários e, depois, indo anualmente ao Velho Mundo em busca de peças raras para revenda em lojas americanas conceituadas.

O molde em bronze da escultura Bird Girl realmente encontrava-se no Bonaventure. Mas, após o sucesso do romance e por constar em sua capa, foi removido para mais de um espaço fechado e seguro, evitando-se assim alguma eventual depredação.

De acordo com Berendt, o julgamento durou quase oito anos com Jim encarcerado durante dois anos, sendo os dois primeiros júris com resultado de culpado por homicídio doloso e o terceiro sendo considerando inconclusivo por desentendimento entre os jurados e retardo em chegarem a uma resolução. No quarto julgamento houve desaforamento para a cidade "reacionária e conservadora" de Augusta. E foi justamente ali onde os caipiras locais realmente julgaram Williams sem preconceitos, mas apenas diante do conjunto probatório, dando-lhe a liberdade. No último capítulo do romance, nos é dito que Jim "desceu para dar comida a gata e fazer um chá. Depois disso, mas antes de pegar, o jornal na varanda da frente, teve um colapso e morreu". A autópsia revelou que ele padecia de pneumonia, o que provocou boatos de que seria complicação decorrente da AIDS - no entanto, nunca houve indícios de que ele estaria doente. "Encontraram-no estirado no tapete, atrás da escrivaninha, exatamente no mesmo lugar onde deveria ter caído oito anos atrás, se Danny Hasnford tivesse detonado a pistola e os tiros tivessem atingido o alvo". A macumbeira Minerva atribuíra o fato à vingança póstuma de Danny: "Foi o rapaz que fez isso".

Resumidamente: revi este ótimo filme e achei bacana recomendá-lo. A primeira vez que o assisti foi no Cine Belas-Artes do SBT, há bons anos. Pesquisando, encontrei até a data exata da exibição: 08 de setembro de 2001. Depois, loquei em DVD. É, creio, um dos trabalhos mais bonitos de Clint Eastwood, ao lado de Os Imperdoáveis (1992), Um Mundo Perfeito (1993) e As Pontes de Madison (1995).

Infelizmente, devem ter exagerado nos cortes durante a edição do filme. No próprio pôster, vemos o personagem de John Cusack navegando em um bote por águas pantanosas. Não há nada assim na película. É que, no romance, próximo ao final, Minerva precisa ir com ele, à meia noite, ao túmulo de Danny/Billy. À noite, o acesso terrestre ao Bonaventure é cerrado e vigiado. Então precisam navegar pelo rio Savannah. Devem ter gravado este momento e, depois, cortado.

James Williams foi um grande homem. Um self-made man na melhor tradição norte-americana, que veio da periferia e, com talento e força de vontade, chegou à maturidade colecionando objetos da antiga aristocracia sulista - preguiçosa e inapta para os novos tempos. Acompanhar um pouco de sua vida vale a pena. E ele adorava festas, grandes e requintadas festas.

Abraços e boas festas, para todos nós.

sábado, 18 de dezembro de 2021

Os Muitos Santos de Newark

Finalmente assisti a Os Muitos Santos de Newark, filme prequela para Família Soprano, uma das melhores séries vistas por mim. Falei sobre esta produção em postagem anterior, onde aliás compartilhei minha coleção de DVDs do show. Mas, vamos lá, o que achei do filme? Bacana. Essencialmente, estamos diante de um grande episódio da série, com fatos antigos das famílias gângsteres de New Jersey.

O trailer (acima) da película dirigida por Alan Taylor nos enganou. Pensamos que seriam duas horas focadas no passado de Tony Soprano. Mas não. O personagem nuclear é Dickie Moltisanti, padrinho de Tony que, a título de recordação, nunca fora mostrado nas seis temporadas da série. Um personagem significativo no seriado foi Christopher Moltisanti, filho do Dickie, assassinado por Tony próximo ao encerramento do seriado. Tony, em Os Muitos Santos..., é apenas um satélite orbitando o antigo chefe mafioso. Mas um satélite relevante, claro, com bastante exposição. Tony, então, não foi reflexo de seu genitor bandido; mas, sim, um sucessor do falecido padrinho. E assim compreendemos melhor porque, durante anos e anos, tolerou as pentelhices de Christopher: ele devia isso ao padrinho.

O ritmo da produção está nos trilhos: cadenciado entre bate papos simplórios sobre o cotidiano da cosa nostra, vazios existenciais, dramas internos e acessos gratuitos de violência. Gângsteres são apenas trombadinhas bem vestidos e com bastante poder de fogo, com verniz de polidez em público, falso apego à fé cristã e, na verdade, destituídos de qualquer escrúpulo até mesmo com os membros da famiglia. Matam os seus por um olhar torto ou algum sorriso fora de hora.

Parece que algumas pessoas não estão gostando da prequela. Para estas, seria algo enfadonho, monótono etc. Creio serem pessoas que desconhecem o seriado no esplendor de suas seis magníficas temporadas.

Numa escala de zero a cinco estrelas, daria o máximo a este filme. Recomendo (mas apenas para quem viu o seriado).

Abraços "ma che!" e até a próxima.

domingo, 8 de agosto de 2021

Monsieur Verdoux [ Cinema ]

 

Selo Suzane von Richthofen de empatia.

Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo.

Ludwig Wittgenstein

Quando guri, vi uma das cenas mais engraçadas do cinema. Chaplin encontra um pedaço de madeira preso no bueiro e o movimenta com a bengala. Depois, o movimenta novamente. Então, outra vez. Vai fazendo isso e as pessoas começam a aglomerar. Não sei se faz parte de um filme ou se é apenas esquete curta. Simples e engraçado, sem uma palavra sequer. E, no cinema falado, Chaplin foi igualmente gigante, como percebemos em Monsieur Verdoux (1947, humor negro, 2h 13m).

Já de início, sabemos que Henri Verdoux fora bancário durante trinta e anos e de repente, na pré-crise de '29, foi despedido, ficando a ver navios, com filho pequeno para sustentar e mulher cadeirante para cuidar. O que fazer? Tornar-se um Barba Azul, claro, ludibriando mulheres ricas, matando-as e aplicando o butim em investimentos financeiros na bolsa. O filme não mostra os assassinatos; apenas os indica. E daí a genialidade de Chaplin (escritor, diretor e ator da produção). Assim, num dado momento, as empregadas da residência se queixam porque o incinerador está ligado há três dias, sujando com fuligem roupas nos varais. Não precisa ser dito: Verdoux está torrando pedaços da mais recente vítima. A passagem da noite para o dia, pela sacada, nos indica outro assassinato: ele matou outra esposa, possivelmente asfixiada. E assim vai seguindo até quando todos os seus investimentos tornam-se poeira com o grande crash financeiro global.

Acima é como posso resumir este ótimo filme, disponível gratuitamente, com legendas, no YouTube, em ótima imagem. 

No final da história, o assassino tem um surto de desencanto pela vida e precisa se penalizar por seus crimes. Então se entrega à polícia e é condenado à guilhotina, não sem antes fazer um dos célebres discursos tipo O Grande Ditador. O que tive medo foi do teor das palavras, onde o bandido procura se igualar a todos os demais cidadãos de sua nação, empregados numa guerra contra o avanço do Reich. Pela ótica do assassino, o moleque que vai à guerra (bem como seus generais e políticos) são tão canalhas quanto ele, matador de velhas burras e indefesas. Ali, Chaplin prenunciava a era do relativismo mortal (sim, mortal), tão comum nos dias de hoje, onde a Netflix endossa a ideia de que Elize Matsunaga foi uma pobre vítima da TPM; ou como a rede Globo, pedindo cartinhas de amor ao travesti Suzy Oliveira, estuprador e assassino de um menino.

Abraços e curtam este filme, anexado a seguir.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Depois da Escuridão [ Cinema ]

 

Jovens aportadores aguardando o resgaste.

Foto de Pavel Danilyuk no Pexels

A melhor história sobre O Fim que já li foi A Estrada de Cormac McCarthy, o maior escritor vivo do planeta, penso. O filme também é ótimo. Na trama, não existe saída. A terra está podre. Nada floresce, não há caça nem peixe. As árvores estão caindo. Só o canibalismo restou como saída e nada mais. Para um cenário como aquele, não há nada a fazer a não ser um balaço na própria cabeça.

À toa em frente à TV, resolvi assistir a Depois da Escuridão (2019). O filme é simples e se passa totalmente no interior do casarão do rico e influente homem de negócios que se vê diante do colapso: o sol deu tilt, manchas inexplicáveis reduzindo o calor e tudo está morrendo por frio. Este cara possui uma grande propriedade à beira do lago e perto do mar, reunindo sua família problemática na mansão enquanto aguarda o auxílio político (ele tinha prestígio e financiava campanhas) para algum refúgio quente em cavernas. Mas a ajuda não virá. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Em momentos assim, é cada um por si e salve-se quem puder.

Gringos são expertos em sobrevivencialismo. O elevado padrão de vida facilita isso. Os caras têm búnqueres com comida para anos, propano e ferramentas para defesa. E, no enredo do filme, o mal seria passageiro: acreditam ser algo momentâneo. Com investimentos, o ricaço poderia se manter trancafiado com comida, água e calor durante anos. Se o bagulho não se resolvesse, o que fazer? Mas poderia tentar.

Nosso homem de família mal sabe cuidar da própria casa. Sua despensa (com pouca comida) está se infestando de ratos e ele prefere evitar o problema, com medo, enquanto bebe vinhos envelhecidos e ouve música clássica até quando a energia elétrica acaba de vez.

O filme é bobinho. Mas é bonito, com boa fotografia no espaço doméstico. É curtinho (1 h e 1/2). Vale a pena assisti-lo para matar o tempo. Em mim, ainda ficou a reflexão: as pessoas sempre acham que ficará tudo bem e que meter grana naquela ação do momento é melhor do que pensar na crise - não financeira, mas humana.

O elenco contra com a "milf" Kyra Sedgwick, por quem nutro certa tara (coroa magrela com cara de sapeca).

Abraços críticos e até a próxima.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

The Many Saints of Newark

No blogue anterior, havia postagem sobre Família Soprano. Neste, quando escrevi O mundo fake em Arquivo X, a mencionei dentro de meu Top 5 Seriados. Fico sempre em dúvida qual seria a melhor série de TV vista por mim. Família Soprano está sempre ali, disputando a pole position.

Conheci a disfuncional família mafiosa na HBO, quando assinava o canal. Acho que em 2002/2003. Depois, me mudei, não assinei mais nada e optei por ir comprando os boxes no ritmo em que saiam por aqui, os quais ainda guardo numa prateleira empoeirada cheia de DVDs que, creio, jamais serão revistos. Há poucos anos, recomendei o seriado à minha esposa, que o maratonou em semanas e afirmou ser a melhor, ao lado de Breaking Bad. E isso considerando que ela prefere programas de humor, como Two and a Half Men e The Big Bang Theory.

Sopranos foi impecável em tudo, desde a melhor vinheta de abertura realizada aos pôsteres de Annie Leibovitz (cópias descaradas dos trabalhos de Gregory Crewdson, suponho). Falando em fotografia, não sei como mantiveram o nível tão elevado, durante todos os episódios das seis temporadas. A recorrência a sonhos (abordagem meio junguiana, me parece), chegou a lembrar Twin Peaks e como nosso subconsciente, às vezes, atua de maneira quase sobrenatural. Em dois episódios, Tony descobre traições durante o sono ou delírio, processando (em suspensão) informações as quais não eram bem analisadas quando desperto.

Acima, quando mencionei disfuncional, não foi apenas quanto à sua família de sangue (esposa, filhos etc.), mas também em sua famiglia mafiosa, a Cosa Nostra de New Jersey e sua delicada relação com os bandidos de New York. E acredito piamente que David Chase criou seus personagens mantendo contatos com a máfia ainda então ativa nas cidades retratadas, assim como Mario Puzo quando escreveu O Poderoso Chefão convivendo, boa parte da vida, entre criminosos, ainda que enquanto outsider.

Em setembro, chegará à telona The Many Saints of Newark, com Michael Gandolfini interpretando o personagem que eternizou seu pai, James, falecido há quase dez anos. A semelhança física é grande e, no trailer, nos deparamos com todos os elementos essenciais à série: a raiva e a melancolia de Tony Soprano, sua mãe tóxica, a tentação pelo mau caminho e o apego à religiosidade.

Que venha esta "prequela", com bastante molho de tomate, cafezinhos tomados em frente ao Satriale's Pork Store, crises existenciais, chumbo e banhos de sangue intermináveis.



sexta-feira, 25 de junho de 2021

Simulação e pescaria

Simulacros e Simulação é um livro chato de Jean Baudrillard que se tornou modinha recentemente. Tomei conhecimento de sua existência quando vi Matrix pela primeira vez, quando Neo manuseia um livro falso (oco) de mesmo nome. Tentaram relacionar o filme com o ensaio, mas de maneira meio forçada. Nem o autor viu relação com essa forçada das "irmãs" Wachowski. Quando consegui o PDF da obra, achei uma bobagem. E o filme é excelente. As manas deveriam ficar felizes por isso e parar de bancar as intelectualoides, remetendo a obras filosóficas bobinhas seu ótimo filme.

Mas vamos lá. O simulacro não tenta se passar por real, porque essencialmente ele é verdadeiro, pois se baseia em signos impossíveis. Assim, por exemplo, a Disneylândia é um simulacro: cria mundo de fantasia o qual vemos de plano ser algo irreal. E por isso ele é verdadeiro. Simulação é recriação, por assim dizer, de uma cópia do real, de maneira a nos ludibriar ou com potencial para tal. E por isso ela é falsa, em tese.

E Calmaria é um filme sobre simulação.

Não dou valor a datas especiais porque especiais são todos os meus dias em paz e com saúde, ao lado de minha filha. Mas o Dia dos Namorados foi bom. Passei uns três dias emburrado com o mau humor da esposa e, justamente ao nascer do sol do dia dos "namoridos", fizemos as pazes com uma manhã cheia de amor. O bom de brigar com a esposa é fazer as pazes. E, final de noite, ainda fomos para uma churrascaria com casais amigos, onde enchi a cara, comi bem e cai na cama às três da madrugada para só acordar uma da tarde.

Na tarde do dia dos namorados, resolvi assistir ao Calmaria, filminho que eu vinha esnobando há certo tempo porque achava que seria bobagem romântica qualquer. Nunca vi uma enganação "para melhor" tão boa. Você vê o pôster (acima) e a sinopse: "O capitão de um barco de pesca vive em uma pequena ilha do Caribe e, de repente, sua vida toma um caminho inesperado. Sua ex-mulher retorna e pede para que ele leve seu atual e abusivo marido em um passeio de barco e se livre dele.". O que tirar daí? Nada de interessante, a princípio. Mas, a certa altura, as coisas ficam estranhas. O protagonista Baker Dill (Matthew McConaughey) começa a demonstrar comunicação paranormal com seu filho, à distância. Então ficamos: "Opa, o bagulho é sobrenatural". Mas também não. O filme vai além e estamos diante de outra boa obra sobre [spoiler] simulação.

Baker Dill é, na verdade, a recriação da consciência do pai de Patrick, gênio de tecnologia da informação com apenas treze anos de idade. Para preencher sua solidão e se afastar do padrasto violento, o garoto criou uma simulação: a pequena ilha de pescadores chamada Plymouth. A regra do jogo é: ninguém morre. Contudo, num dado momento, a inteligência artificial (ou consciência digital) representada por Baker começará a desejar matar o marido violento, e aí todo o sistema lutará contra isso, tentando convencê-lo a resistir. Plymouth é um jogo com foco em pescaria e todos ali estão felizes nesta condição: um paraíso binário. Se as regras forem quebradas, o sistema poderá colapsar.

Gostei bastante do filme. Não tem o potencial de Matrix ou 13º Andar, claro. Mas é agradável. E a existência de simulações é algo que mexe com nossa imaginação. Às vezes converso sobre isso com Thiago, amigo de faculdade, e realmente não parece impossível que esta realidade seja a simulação criada por alguma inteligência evoluída, até mesmo por seres humanos que dominaram, há eras, a computação quântica ou além. Podemos ser todos NPCs de um grande game ou até mesmo players, com nossas vidinha simuladas. Nada proibiria que cem anos jogados aqui fossem apenas algumas horas no mundo real. Groselhas à parte, é divertido pensar nisso.

Calmaria parece, de relance, apenas mais uma história de amor com pintadas de suspense. É realmente uma história de amor: entre pai e filho. Mas também sobre a perpetuação da memória e como o amor sobrevive à morte, em um mundo simulado habitado por consciências eletrônicas.

Abraços binários e até a próxima.

sábado, 19 de junho de 2021

Muito Além do Jornal Nacional

 

Mein Führer! I can walk!

Dr. Strangelove

Peter Sellers foi um ator que mexeu bastante comigo. Alguns atores conseguem isso conosco. Vejo filmes com Denzel Washington, por exemplo, como o mosquito vai em direção à luz. No caso de Sellers, ele imortalizou-se como Inspetor Clouseau em produções d'A Pantera Cor-de-Rosa. Para mim, acho que foi em Lolita, mesmo sendo curto seu papel. Nunca vi alguém parecer tão sinistro num papel como ele encarnando Clare Quilty, o responsável por levar Lolita à perdição (além do instinto natural da rebenta em ser quenga, claro). Se você não assistiu a Lolita de Stanley Kubrick, faça-o para ontem.

Com Kubrick, Sellers interpretou três personagens em Dr. Strangelove, a melhor peça de humor negro da História. Para mim, o personagem que dá título à película é ícone da Sétima Arte. O nazista naturalizado americano na Operação Clipe de Papel condensa minutos preciosos do cinema, azucrinado pela mão negra do nazismo, sempre em riste, com ânsia de sangue (chega a enforcar "seu dono") e saudando o Presidente ianque por "mein Führer".

Não recordo quando, mas foi há décadas que assisti a Muito Além do Jardim (1979), um dos último trabalhos de Sellers, antes de enfartar após não aguentar o tranco com a moçoila noiada com quem casou. Na trama, conhecemos o senhor Chance, analfabeto que passou a vida inteira trancado numa mansão, como jardineiro. Sua única atividade lúdica e intelectual: ver televisão. Um dia, seu patrão falece e ele sai sem destino às ruas, sendo atropelado e levado à casa do magnata interpretado por ninguém menos que Melvyn Douglas, já em estado de mumificação. Em pouco tempo, este poderoso homem se afeiçoa a Chance e lhe faz muitas perguntas sobre condição humana, geopolítica etc. Chance o responde com metáforas vazias relacionadas à jardinagem ou a programas de TV. Logo, é visto como Filósofo. Antes de falecer, o magnata apresenta Chance à cúpula política nacional. No final, o jardineiro analfabeto com belas frases de efeito terá, em suas mãos, o maior poderio bélico e econômico da História.

Muito Além do Jardim é belo e enigmático. Nunca li o romance que lhe deu origem. Mas, no cinema, chamam atenção alguns símbolos que remeteriam aos agentes da Nova Ordem Mundial conduzindo os negócios na nação. Melvyn Douglas seria alguém como o Soros de nossa atualidade, talvez. Recordo que Hillary Clinton seria a possível Presidente da República, quando Soros, numa reunião de poucos minutos entre ela e Obama, escolheu este para a disputa. As frases bonitas de Obama, com seu gingado de bom moço, atendiam melhor aos anseios das maiores fortunas globais. E assim permaneceu oito anos na Casa Branca, regulamentando os menores atos da vida individual, familiar e comunitária. Foi um trabalho competente, além de aumentar o tamanho do Governo federal em quase o dobro sem que isso representasse nada em termos de Defesa Nacional ou algo significativo.

O jardineiro Chance logo conquista os EUA. Todos se rendem aos seus encantos, polidez, fala macia e mansa e lugares-comuns. Da boca de Chance, só emana amor, seja lá o que isso signifique em termos de política destinada a milhões de habitantes tão distintos entre si. Chance é o Presidente que todos querem ter, especialmente os brasileiros.

Há anos vi Muito Além do Jardim e recordei deste filme por acaso, quando vejo eleitores "assombrados" diante das falas de nosso Presidente da República, que fala em "cagar" (isso quando não caga pela boca) e outras coisas absurdas. "Mas e a liturgia do cargo?". Isso não existe mais em lugar algum da Terra. Biden chama Putin de assassino, Macron destrói a Guiana Francesa enquanto quer ditar regra para nós, nossos Parlamentares gastam milhões com o circo da Covid 19 e, de acordo com o Supremo, não existe mais independência entre os Poderes. O mundo é um puteiro e só você ainda não percebeu.

O discurso fofo não cola. Desconfio de palavras acarinhadas e carinhosas. Esses dias, descobri que Luciano Huck proíbe pedreiros no mesmo pavimento que ele e sua família, durante reformas. Que Regina Casé ama o povo da favela mas tem problemas com pobretões próximos. E por aí vai. É como o PSOL que fala em defesa da CLT, mas só contata por meio de PJ. Como dizia vovó, falar é fácil.

Não quero o senhor Chance no Planalto. Prefiro Bolsonaro. É isso.

Abraços e fiquem com Sellers, abaixo.



quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Muito Velho para Morrer Jovem

 

Eu nas dunas do delta, já bastante velho para morrer jovem.

Conheci a obra de Nicolas Winding Refn por seus três últimos trabalhos: Drive, Only God Forgives e The Neon Demon. Se você nunca assistiu a nenhum desses filmes, recomendo que o faça logo. Quanto a Ed Brubaker, dispensa apresentações a leitores de quadrinhos. E é dessa dupla o diferente Too Old to Die Young, disponível na Amazon há pouco tempo. Não sabemos bem classificar a empreitada: série em uma temporada ou longo filme dividido em vários volumes? E talvez isso não importe tanto. É apenas uma bonita realização para quando você estiver com tempo de sobra e puder degustá-la.

Tomei conhecimento da produção tão logo disponível na plataforma. Contudo, procrastinei até o final do ano passado para vê-la. Não queria começar e interromper, e sabia que seria algo de lento consumo e digestão tardia. Não espere resoluções rápidas e passagem veloz entre os planos. Muito Velho para Morrer Jovem demora em tudo. Não há pressa. Isso certamente pode afugentar algumas pessoas. Sempre reclamo da enrolação em livros, quadrinhos, filmes e seriados. Coisas que poderiam ser mais rápidas e que rendem apenas para encher linguiça. Contudo, na obra em apreço, é diferente: a proposta é, sobretudo, fruição estética, aliada a boas tramas, todas desenvolvidas num faroeste contemporâneo, onde a imundície de Los Angeles é belamente retratada em fortes tons de cores primárias (marca de Refn, aliás).

O Estado da Califórnia é curioso. Se fosse país independente, teria uma das cinco maiores economias do planeta, sobretudo devido à produção tecnológica. Contudo, afunda-se na merda, literalmente. Literalmente porque o cocô nas ruas tornou-se grave questão sanitária, junto à mendicância extrema e guetos protegidos pelo Estado para consumo de drogas. O liberais fazem a cama onde a esquerda deita e rola. Se você for jovem e contratam-no para cuidar de um jardim, poderá ser preso, pois não está devidamente registrado na burocracia estatal e sindical, pois é necessário experiência ou bom apadrinhamento. Mas se você optar por cometer roubos até determinado valor econômico, a polícia não poderá prendê-lo em Los Angeles. Acaso queira viver numa cracolândia, todos os dias o Poder Público fornecerá seringas, cachimbos, água destilada, canudinhos e até mesmo hidratante labial. Mas não banheiro: tem que cagar na rua. A classe média trabalhadora não tem mais acesso à moradia. Acabaram-se as habitações e os entraves burocráticos impedem a expansão. Quem pode trabalhar remotamente, migra para outros Estados, especialmente para as localidades mais "caipiras", onde encontram segurança, "horríveis" valores tradicionais, ruas sem bosta, baixos impostos e menor interferência burocrática. O maior destino dos riquinhos progressistas californianos é... o Texas. Assim é a vida. Quando a merda esquerdista começa a feder, a gurizada corre logo para segurança conservadora.

Too Old to Die Young se baseia nesse mundo de luxo e sujeira californiano: policiais mal pagos e corruptos, máfias locais (as nativas e importadas, como cartéis mexicanos e Yakuza), tráfico de mulheres sobretudo para exploração sexual e patricinhas cheias do pó em festinhas milionárias. Ainda há espaço para a indústria lucrativa da pornografia ilegal e os ex-yuppies da era de ouro: hoje totalmente insanos e cheios da grana (e de heroína). E, claro: luzes fortes e neon para todo lado. O mais perto de um protagonista é o policial Martin Jones, vazio e soturno. É difícil dizer quem é ele ou o que se passa por aquela cabecinha. Como toda realização de Nicolas Refn, você precisa se dar à fruição estética, sem queixa pela demora. Até o movimento de câmera é demorado e os diálogos se dão com bastante espaçamento.

Gostei bastante de rever Jena Malone, a qual perdeu todo o encanto com o avanço da idade. Passa longe daquela garota que mexia com nosso imaginário. Aliás, até eu passo longe do que fui. Faz parte... E cansei do seriado, às vezes, não devido ao arrastado da trama, mas, sim, pelo excessivo apelo homossexual em diversos capítulos. A ambientação árida e o fundo western me recordaram - com ressalvas, obviamente - Onde os fracos não têm vez (filme e livro os quais indico sempre).

Quem acompanha este blogue, deve ter percebido que o ando atualizando pouco. Andei realmente envolvido com diversas atividades pessoais produtivas, cuidando de casa, viajando (finalmente pude navegar pelo Delta do Rio Parnaíba, entre  igarapés, lama, caranguejos e belíssimas ilhotas de dunas sempre em movimento), lendo bastante, jogando videogame e brincando com minha filha. E, em breve, retornarei ao trabalho. Penso que o ritmo aqui será mais arrastado este ano. Mas, ao menos, procurarei deixar algumas sugestões do que vale a pena compartilhar, como a produção ora indicada. Contudo, o ano será mesmo de mais dedicação à família, leitura, games, cinema e vida rural. E bem menos blogueirismo.

Abraços arenosos e até a próxima.

sábado, 7 de novembro de 2020

The Farm e a insanidade vegana

 

Ui, vamos parodiar a Santa Ceia. Ninguém fez isso antes!

E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.

Gênesis 1:26

Casal feliz dirige por terras áridas, para numa lanchonete e almoça suculentos hambúrgueres. Segue mais a viagem e se hospeda numa pousada sinistra. Após atacados durante o sono, despertam engaiolados. Em pouco tempo, percebem o sistema de tudo na fazenda onde eles serão os bichos para corte, leite e reprodução, juntamente com demais viajantes. E a isca foi no diner local, ao comerem carne. Seria uma espécie de vingança contra seus hábitos carnívoros: agora sentirão na pele o que é ser confinado para abate e alimentar canibais que passam o dia usando máscaras de animais.

A paisagem local lembrou bastante onde resido. Olhei até pela janela imaginando se aquele pessoal não viria bater aqui em casa. E filme on the road com desfecho trágico sempre fica melhor em paisagens desérticas.

Comecei a vê-lo porque queria alguma porqueira meio gore e, por coincidência, o serviço Prime mo indicou. Filme curtinho, valeria a pena tentar. Se ruim, não desperdiçaria bastante tempo. E não desperdiçou, pois a fotografia é bacana e a nojeira é meio o que eu aguardava. Mas a mensagem ali repassada... quanta idiotice.

Claramente, o objetivo é fazer você imaginar o que sofrem os pobres animaizinhos devorados por nós, onívoros. Os psicopatas canibais nada mais fazem do que justiçamento às pobres criaturas exploradas para nos fornecer leite, filhotes, couro e carne. Igual comemos leitão e vitela, o filme chega ao cúmulo de mostrar a execução de um bebê gerado e criado em cativeiro, o qual servirá de iguaria num grande banquete. E, como bons veganos, não perderam a oportunidade de escarnecer a fé cristã com a cena final, emulando a última ceia, onde duas mulheres são servidas qual porcos.

Repito: o filme vale a pena por ser curto e porque gosto muito de cinema lixo. Não perdia um Cine Trash da Band, quando guri. Contudo, é bem idiota em sua filosofia. Evidencia o viés mais insano do veganismo, que rejeita toda a natureza e a ordem natural das coisas e fala em asneiras quando iguala especismo a preconceito racial. Mal supõem eles que se os chimpanzés pudessem também nos colocariam em currais para engorda e abate. Já escapei de onça, jiboia e jacaré, onde moro. Ano passado, topei com uma jiboia toda enroladinha na árvore ao lado do quarto de minha filha. E ela não estava ali para zelar por nossas boas noites de sono. A natureza é assim. E isso é simples de entender e de se conviver. Neste exato momento, ouço a família de gambás residente sobre o forro de meu home office, cujos membros não pensariam duas vezes em arrancar meu couro se eu incomodá-los: são do tamanho de gatos!

Sempre pensei que a energia dos veganos seria melhor empreendida na luta por criação e abate limpos e humanizados, por assim dizer. Temple Grandin trabalha nisso há décadas, sem qualquer apoio de ativistas que perdem mais tempo com funerais em abatedouros, encenações histéricas em restaurantes e, agora, com filme mequetrefes que apenas evidenciam a insanidade extrema do culto. Eles podem não mudar o mundo (e torço para que não consigam), mas ajudariam bastante a melhorar a situação de criadouros e matadouros.

The Farm (Os Canibais, 2018) está, no momento, com nota 3.7 no IMDb. Alguns iluminados da turma do bem dirão que isso se deve à nossa ignorância, pois a produção traria uma crítica social foda e visão ácida sobre o consumo de carne. Por isso eles são iluminados: ninguém entende o que se passa por tais cabecinhas doentias, onde a vida de um saruê valeria o mesmo que a de nossas crianças.

Quando puderem, deem uma conferida nesta imundície de primeira linha.

Abraços onívoros e até a próxima.

sábado, 29 de agosto de 2020

O mundo fake em Arquivo X e a Arte Perdida do Suor na Testa

 

The Springfield Files

"E aí, Fake!"
- Neymar Jr.

Conheci Arquivo X na Rede Record por recomendação de meu velho amigo Alex Quintas, com qual, gratamente, mantenho ainda hoje contato e tento trazê-lo a este blogue como co-autor ou colaborador eventual, sem êxito. Salvo engano, isso foi no ano de 1996. As memórias às vezes nos enganam. Na verdade, nem tenho mais certeza se foi este amigo que a recomendou. Aliás, sobre falsas memórias, o episódio de Arquivo X que aqui recomendarei também possui íntima relação com o tema. Voltando ao assunto... e desde aquele ano, este se tornou um de meus seriados mais amados, juntamente com Monk, Breaking Bad, Família Soprano, Além da Imaginação (série original, não as demais), Twin Peaks e A Sete Palmos. No momento, não ando com saco para conhecer novas produções. Posso estar perdendo boas coisas, mas estou de boa assim.

Estes dias, comecei a rever alguns episódios a esmo no Prime da Amazon. Especialmente os das "novas temporadas" (10º de 2016, 11ª de 2018). Os vi tão logo lançados, graças aos abençoados sites de streaming pirata. Até possuo aqueles dispositivos que recebem centenas de canais, incluindo a Fox. Mas não tenho paciência, mais, para ficar aguardando um programa na hora certa. O problema dos sites é deixarem a desejar na resolução. Assim, foi bom rever as últimas duas seasons nitidamente. O Prime vem se mostrando um ótimo serviço.

Arquivo X sempre nos deu o insólito. Este foi o objetivo. Nas loucas peripécias da dupla do barulho Scully/Mulder, tivemos criaturas bizarras que iam de alienígenas a seres primitivos, fantasmas, vampiros e lobisomens. E, esparsos em algumas temporadas, tínhamos episódios de "alento", por assim dizer. Serviam como válvula de escape à tensão do seriado. Foram momentos de ótimo humor, onde o show parodiava a si mesmo. Às vezes, o objetivo era apenas sair da rotina. E, nessa esteira, tivemos pérolas como as relacionadas a seguir:

  • "War of the Coprophages" (3ª, 12º)
  • "Jose Chung's From Outer Space" (3.ª, 20°)
  • "The Post-Modern Prometheus" (5.ª, 5°)
  • "Bad Blood" (5ª, 12º)
  • "How the Ghosts Stole Christmas" (6ª, 6°)
  • "The Unnatural" (6ª, 19º)
  • "X-Cops" (7ª, 12°)
  • "Hollywood A.D." (7ª, 19º)
  • "Mulder and Scully Meet the Were-Monster" (10ª, 3º)

Além dos acima (os que me vêm à memória), achei bastante divertido "The Lost Art of Forehead Sweat" (11ª, 4º), onde não apenas satirizam a mitologia da caça aos homenzinhos verdes como, também, se debruçam sobre o fenômeno moderno das fake news em massa. Digo em massa porque, hoje, qualquer zé-ninguém pode ser autor de mentiras disseminadas a rodo. Antes do advento da banda larga, apenas grandes emissoras de rádio/TV e donos de jornais/revistas detiveram o monopólio da mentira, edificando fortunas sobre essas práticas. Na trama deste episódio, Reggie "Algumacoisa" aborda a dupla e afirma ter integrado os Arquivos X desde seu início. O que houve? Eles apenas não se recordam. Constantemente, a historia cultural americana estaria passando por reformulações. Daí viriam, por exemplo, nossas falsas lembranças. Nos deparamos, ainda, com o Doutor Eles, sempre à frente de experimentos nesse sentido e, atualmente, contumaz produtor de fake news. Num breve diálogo, Mulder afimar crer na existência da verdade. E, quanto a isso, concordo com ele. Creio na existência de verdades, diferentemente dos relativismos que tentam nos enfiar a fórceps, sem lubrificação, todos os dias. O Dr. Eles também concorda que a verdade exista, mas questiona: "E quem se importa?". E esta pergunta encerra tudo. No mundo onde vivo, observo a verdade lá fora, fatalmente exposta. E percebo que, realmente, ninguém se importa.

The Truth is out there. And maybe no-one cares.

Arquivo X mudou. As duas últimas temporadas retratam o novo mundo, totalmente repaginado e cheio de lacração sobre assuntos supérfluos erigidos a temas de suma relevância global. Minha amada série seguiu em frente e tentou retratar este Admirável Mundo Novo e, ainda assim, continuou excepcional e divertida. Além disso, no episódio ora indicado, ainda prestam homenagem a The Twilight Zone.

Algo que deve ser destacado, antes de finalizar este post, é que a maioria dos episódios bem humorados presente na série se devem ao talento do escritor Darin Morgan, desde sua primeira participação no final da segunda temporada como único roteirista em A Fraude ("Hamburg", T02, EP 20). Ele também já tinha participado do seriado como ator, sendo o humanoide verme conhecido por  Flukeman ("The Host", T02, EP 02) e também o vimos como o metamorfo em Coisa Insignificante ("Small Potatoes", T04, EP20), escrito por Vince Gilligan, veterano dentro do show e também conhecido por ter criado a maravilhosa Breaking Bad. Aparentemente, quem levou Darin ao Arquivo X foi seu irmão, Glen Morgan, também roteirista. Darin se afastou de Arquivo X para integrar a equipe de Millennium, onde também escreveu episódios marcados pelo bom humor.

Se nunca assistiram a Arquivo X, esta é uma boa oportunidade. Se a conhecem, confiram os episódios aqui sugeridos. Salvo engano, também está disponível na horrível Globoplay.

Abraços verdadeiros e até a próxima.

Imagem de meu acervo pessoal.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Um mundo sem erudição em Jogador N.° 1

Pôster Ready Player One by Harlan Elam


- E o que é real, o que é?
Animatrix, Uma história de detetive


Ernest Cline encontrou o mote perfeito para escrever um romance declarando seu amor aos anos '80, especialmente em relação aos videogames. Em seu livro Jogador N.° 1, o quase trilionário James Halliday, devastado pelo câncer, próximo do fim e sem herdeiros, elabora o concurso a se iniciar em seu post mortem. Usuários do OASIS, seu super videogame de profunda imersão em realidade virtual, deverão encontrar o misterioso easter egg plantando, pelo magnata, no sistema, após três fases de jogo. Em todas as fases, o conhecimento em cultura pop oitentista é imprescindível: música, séries, filmes, games e tudo quanto é porcaria. Surgem, então, os caça-ovos e oologistas culturais, empreitada onde diletante (noob?) não entra.

OASIS não é apenas acrônimo para Ontologically Anthropocentric Sensory Immersive Simulation. A realidade criada após imersão representa, deveras, um oásis em meio a imundície do anos de 2044, época da história: fome, doenças, crise energética, falta de habitação e violência extrema. Você pode sobreviver miseravelmente num cubículo se puder existir a maior parte do tempo no OASIS, onde trabalhará, estudará e terá a maior parte de sua interação social. Prático e agradável, em oposição à realidade.

O título original do livro é bem mais interessante do que o nacional. Ready Player One possui relação com a obra ao destacar aquele momento onde, nos arcades (fliperama com monitor), verificávamos esta mensagem antes do início do jogo. Além disso, é a mensagem escolhida por James Halliday para o momento pós login em seu magnífico sistema.

Ernest Cline é co-roteirista da adaptação ao cinema, realizada por Steven Spielberg. Este, aliás, nome constantemente citado na obra escrita, diante de sua relevância à telona nos anos '80 e seguintes. Não preciso, aqui, me perder citando seus filmes icônicos. O bacana nesta adaptação é não tentarem ser fiel à ideia primeva. A produção cinematográfica é simplória. Os três níveis percorridos pelo protagonista da trama - o jogador Wade Watt, avatar denominado Parzival, quando imerso  - são bem extensos, complexos e apegados a minúcias culturais para sua resolução. Não havia como levar tudo às telas.

Transitei bem tanto pelo filme quanto pelo romance, pois o refugo cultural americano da década perdida tem papel relevante em minha formação. Quanto a jogos eletrônicos, conquanto eu não seja gamer, convivi bastante com videogames da 2ª até a 4ª geração, como mencionei em postagem anterior. Além disso, por ser curioso em tecnologia, conhecia muito bem a pré-geração de games e dados sobre a produção de consoles e cartuchos durante anos a fio. Mesmo assim, em ambas mídias, fiquei meio perplexo como o futuro de Cline é pobre não apenas materialmente, num mundo colapsado economicamente. Ele também é pobre culturalmente. Não há resquício de erudição na Terra. O único conhecimento valorizado é acerca de toneladas de lixo popular.

A porcaria abunda na produção cultural popular. Isso é fato. Claro que, ao chafurdar no lodaçal, você encontra realizações que merecem, realmente, recordação constante. Assim, por exemplo, me deliciei com tantas menções aos filmes de John Hughes, os quais me faziam querer ser um jovem ianque na Shermer High School. No filme, há destaque especial a'O Iluminado de Stanley Kubrick, adaptação odiada por Stephen King. Achei este momento legal, embora não exista no livro. Neste, os filmes mais destacados são três que igualmente amo: Jogos de Guerra com Matthew Broderick, Blade Runner (obra prima cyberpunk de Ridley Scott) e Monty Python - Em Busca do Cálice Sagrado. O primeiro foi relevante em minha infância e o terceiro, o qual conheço desde adolescente, possui maior relevância emocional em minha vida após me ser reapresentado por alguém especial, quando na vida adulta. Os Cavaleiros que dizem "Ni", na trupe de Python, ganham contornos mágicos em nossas vidas quando fazem sorrir, a nosso lado, a pessoa amada.

O livro é divido em três partes. Ou melhor: três níveis de jogo. A cada nível, os caça-ovos precisam encontrar chaves (cobre, jade e cristal) para abrir três portões. Nessa empreitada, precisam disputar alguma partida de videogame vintage, associar conhecimentos culturais diversos e representar alguma personagem cinematográfica, do início ao final, ganhando ou perdendo pontos por fala, ação e até mesmo entonação de voz. O grande jogo de Halliday é, essencialmente, um RPG colossal.

Outro mérito do livro é destacar os jogos de tabuleiro, com ênfase em Dungeons & Dragons e constantes menções ao seu co-criador Gary Gygax. Logo após, mencionar a evolução do RPG para computadores pessoais jurássicos, onde você se divertia lendo o texto gradualmente lançado no ecrã, sem imagens, e respondendo às perguntas. Daí, o jogo seguiria o caminho "x" ou "y" a cada resposta ou conjunto de respostas. Quando criança, via pessoas mais velhas jogando RPG de mesa, com canetas, caderninhos para anotações e caralhada de dados. Achava fascinante, mas nunca joguei. Apenas admirava a beleza dos livros, dados e alguns cartões. Também cheguei a ver jogos vendidos como suprimento de informática, até mesmo em disquetes de 5 ¼”. Quando guri, tive acessos esporádicos a um PC monstruoso com esse floppy disk, mas eu era muito pequeno e não sabia como usar aquele troço e sequer recordo que máquina era aquela. Mas me encantava.

Ainda sobre Gary Gygax, em dado momento seu nome é posto ao lado de Bill Gates. E isso me recordou algo: a relação entre Ogden "Og" Morrow e James Halliday, no romance, tem muito a ver com a amizade entre Gates e Paul Allen, a qual mencionei brevemente em postagem anterior. "Og" possui muito de Paul Allen, especialmente o estilo de vida descolado, associando lucro a fascismo e tendo saído cedo da vida corporativa para desfrutar seus bilhões num cotidiano de luxo e excessos, enquanto vomitava mantras batidos sobre os males do capitalismo.


Tributo aos anos 80' por Jim'll Paint It

Voltemos à pobreza cultural da obra. No filme, não encontramos nenhuma referência erudita. Mas no romance, há ao menos umazinha. E decisiva! No cinema, apenas no jogo Atari Adventure é onde se encontra o enigma final a ser solucionado. Sempre gostei deste joguinho e recordo de minha infância, conquanto nunca tenha encontrando o easter egg de seu criador, Warren Robinett. Em alguns documentários como A Era do Videogame ou A História do Videogame, sabemos que a Atari tornou-se arbitrária com seus designers e programadores, quando foi adquirida pela Warner e chefiada por Ray Kassar, ignorante no assunto. Quando programadores geniais a exemplo de David Crane exigiram melhores salários e reconhecimento, foi de Ray a célebre e estúpida colocação de que não haveria diferença entre o designer de sucessos comerciais e o "John Smith" que montava o cartucho na esteira de produção sabe-se-lá-onde. É como querer atribuir idênticos salários a um Médico Cirurgião e ao zelador da clínica. Não sejamos românticos, colegas. Trabalhos distintos pedem prestígios e retornos distintos. Logo após, vários caras saíram daquela bodega e montaram a hoje poderosa Activision. Robinett foi mais brincalhão: escondeu seu nome no jogo Adventure, atestando ter sido sua, e não da Warner, aquela criação. Já no romance, antes de Adventure, Wade/Parzival precisa jogar Tempest, também da Atari. Ele é pego de surpresa com o desafio, mas as pistas foram deixadas às claras pelo magnata defunto.

Na trama escrita, a arrogante garota geek Samantha Cook - vulgo Art3mis - afirma que Tempest, no terceiro nível, seria óbvio. O de cujus havia consignado em seus registros que "É preciso deixar um pouco mais difícil essa conquista, para que a vitória fácil demais não desmereça o preço". Tal citação é de Shakespeare em sua última peça: A Tempestade.

Enfim: não sou erudito. Mas sei que devemos manter contato com a erudição e não ceder integralmente à estética maleável, açucarada e gordurosa da cultura pop. Certamente, nesta, encontramos bons e relevantes feitos à nossa formação. O ponto está no equilíbrio entre ouvir os grunhidos roucos de Axel em Guns 'n Roses e as variações para cravo de Johann Sebastian Bach. Existência apenas de punhetação no mundo que hoje denominamos "geek" (palavrinha tão fedida quanto "nerd") é, creio, miserável.

Esta postagem foi elaborada mais para quem ao menos assistiu ao filme. Por isso não me estendi tanto quanto ao enredo e demais detalhes e referências. De qualquer forma, se você desconhece a história, assista-a: é bem divertida para quem está na casa dos quarenta anos e manteve contato com cultura pop em sua pobre formação em clássicos da Sessão da Tarde e fichas de fliperama. Quanto ao livro: boa leitura, dinâmica, esperta e faz valer o tempo dedicado. Certamente não é uma obra prima e, creio, sequer o autor nutriu tal afã.

Durante algumas passagens, você sentirá o texto meio artificial, como se o autor tentasse forçar a barra para encaixar o máximo de referências culturais por página. Mesmo assim, o resultado, como alhures dito, foi satisfatório. O oposto se deu em Armada, seu segundo romance o qual, creio, comentarei mais à frente neste blogue. Armada é bacana se lido descompromissadamente; porém, pobre ao tentar repetir a fórmula de Jogador, com tanta forçação de barra nas referências sci-fi que pode, às vezes, dar vontade de abandonar a leitura.

Fico por aqui. Abraços oitentistas e até a próxima.



Porque ler de graça é mais gostoso...