sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Onde Nascem Os Fortes


"Todo dia é dia do caçador."
Ramiro Curió

"Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes."
Vidas Secas, Graciliano Ramos

Concluí hoje a supersérie Onde Nascem Os Fortes, pelo serviço de streaming da Globo: aliás, serviço este que nos oferece uma péssima navegação entre episódios e retorno de onde paramos com falhas, além da idiotice de escolha por data de exibição. A produção é muito boa, roteiro competente, fotografia espetacular e boas atuações. Além de se passar integralmente em meu amado e odiado sertão, onde a vida luta cotidianamente para se fazer vencer. Não sei bem explicar minha relação com o semi-árido: mas é mais ou menos isso - admiro sua beleza dura, sua sequidão, suas paisagens desoladoras e ao mesmo tempo acolhedoras. As noites de sertão me fazem bem.

Não tem como ver Onde Nascem Os Fortes e não recordar Graciliano Ramos (citado acima) ou Guimarães Rosa: "O senhor tolere, isto é o sertão. (...) O sertão está em toda a parte. (...) O sertão é dentro da gente. (...) O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.".

Na trama, dois irmãos gêmeos (Maria e Nonato) vão a Sertão (cidade pernambucana fictícia) a passeio. Lá, Nonato desaparece e, após alguns episódios, tem seu cadáver encontrado. Até então, Maria já se convencera que ele foi executado a mando do poderoso empresário Pedro Gouveia e tenta fazer justiça com as próprias mãos, levando a óbito um policial. Como nos diz a entropia (enquanto estado de complexidade de um sistema): nada voltará a ser o que era. Cássia, mãe dos gêmeos, chega a Sertão (onde seu passado foi enterrado, numa história de sangue e redenção) para ajudar a filha e tentar encontra Nonato, antes da confirmação de sua morte. Ali, precisa se aliar ao juiz Ramiro, homem totalmente insano e inimigo de Pedro Gouveia. Nas subtramas, Maria apaixona-se por Hermano, filho de Pedro, mas também dá umas com Simplício, maluquinho revolucionário local. Além disso, a esposa de Pedro, Rosinete, também entra na onda e começar a dar geral para a peãozada, enquanto seu marido se apaixona por Cássia. Ramirinho, filho do magistrado, é uma drag queen conhecida por Shakira do Sertão e precisa sair do armário, mesmo que sob risco de morte. E por aí coisas triviais como dor, angústia, balaços, amor e sangue, muito sangue, vão ocorrendo. Há muitos personagens secundários interessantes, como o Delegado marginal Plínio e o messiânico Samir, por exemplo. Mas não me estenderei sobre eles.

A série é boa. Poderia, contudo, ser mais curta. Acho que daria para encolher o enredo. Mas belíssimas cenas que sempre saltam em cada episódio fazem valer a pena o tempo gasto em frente à TV. A maioria das gravações se deu em Cabaceiras, na Paraíba, região que conheço muito bem e por onde andei bastante entre meus 19 e 20 anos de idade. A trilha sonora também é de primeira e, em diversos momentos,  Shakira do Sertão entoa Mal Necessário, canção que há anos amo na voz de Ney Matogrosso. Outras canções antológicas como Vapor Barato, O Amor e O Poder, Jura Secreta, Canção Agalopada e Dia Branco também sempre estiveram presentes em minha vida desde que passei a, realmente, gostar de música. A abertura ao som de Todo Homem, da milionária família Veloso (sim, do Caetano), que há anos se dá bem com grana pública, ficou perfeita junto aquelas imagens áridas.

A produção também nos deu uma das cenas mais bonitas da teledramaturgia nacional: Ramirinho catando Mal Necessário em frente ao Fórum onde seu pai se encontrava, uma maneira certamente desnecessária e extravagante de dizer ao pápis que ele queima a rosca. Contudo, sob o pôr do sol sertanejo, a performance ficou extraordinária. Você pode conferi-lá neste link.

Enfim: não vou me estender muito. Gostaria apenas de recomendar o seriado enquanto ainda está disponível na Globo Play. É uma série dura, sobre a vida dura, onde o que diferencia homens é a força em suportar a aridez. Uma série onde a vida humana nada vale e pode acabar repentinamente numa vala comum; onde a justiça tarda e falha; onde, no meio de tudo isso, duas pessoas, mesmo assim, podem dar tempo ao tempo e se amar.

2 comentários:

  1. " drag queen conhecida por Shakira do Sertão" os nomes populares são os melhores

    abs!

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