domingo, 22 de setembro de 2019

O Aprendiz, Conta Comigo e Um Sonho de Liberdade [ do livro às telas ]

Capa da edição nacional pela Suma de Letras. Li a versão eletrônica.

Há muito tempo, meu irmão comentou, ao ver anúncio de filme na TV: "Esse Stephen King só escreve bobagem de monstros etc.". Foi mais ou menos isso que ele disse. Como ele nunca leu nada de King, não poderia fazer essa avaliação por meras adaptações cinematográficas. À época, eu também não lia nada dele, mas sabia que não há como julgar um escritor por adaptações roliudianas. Por exemplo: It e Sob a redoma são romances estupendos; entretanto, suas adaptações para cinema e televisão, respectivamente, são realizações dispensáveis - no mínimo. Na hora, ainda o lembrei da existência de filmes que o agradaram baseados em livros de Steve: Um Sonho de Liberdade (1994) e Conta Comigo (1986) - os dois que vieram rapidamente à mente). No momento me fugiu outro filme que gosto bastante e sem nenhum toque de sobrenatural: O Aprendiz (1998).

As três produções acima mencionadas surgiram da adaptação de contos da antologia Quatro Estações: Primavera Eterna - Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank, Outono da Inocência – O Corpo e Verão da Corrupção - O Aluno Inteligente. Já Inverno no Clube – O Método Respiratório é um conto que comentarei noutra postagem. Aqui, pretendi apenas abordar narrativas adaptadas ao cinema. Farei apenas breves apontamentos, destacando pontos que me chamaram a atenção. Não há como traçar paralelos entre obras escrita e cinematográfica sem soltar revelações do enredo. Assim, se você sequer assistiu aos filmes e tem spoilerfobia, não prossiga nesta leitura. Vamos lá?



Primavera Eterna - Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank. O banqueiro Andy Dufresne é condenado à prisão perpétua pelo assassinato de sua esposa e de seu amante, famoso jogador de tênis. Na temida prisão de Shawshank, no Maine, ele torna-se amigo de "Red", homicida irlandês conhecido por facilitar o acesso a bens de consumo de fora do xilindró. É o cara do mercado negro. Aos poucos, Dufresne vira peça importante junto ao último Diretor que comandou o presídio durante sua estada: Samuel Norton, ao auxiliá-lo no sistema de lavagem de dinheiro obtido por meio de propinas em obras e serviços prestados à população por Shawshank. A fuga espetacular é apenas um detalhe dentro da narrativa agradável de King.

Na mitologia do Oscar, afirmam que Um Sonho de Liberdade foi a produção mais injustiçada da história, pois mereceria boa parte dos prêmios das sete indicações a que concorreu. Entretanto, notem bem: também era o ano de Forrest Gump, Quatro Casamentos e Um Funeral e Pulp Fiction. Páreo duríssimo! No IMDb, o filme de Frank Darabont, regularmente e há anos a fio, está na posição de melhor obra de todos os tempos, ao lado de O Poderoso Chefão.

Penso que Redenção em Shawshank é um manual de como tentar ser feliz. Veja bem: você tem a liberdade de ir e vir ou de não ir a lugar algum se assim quiser. Você tem a opção de vadiar ou produzir. Nunca foi trancafiado por duas décadas numa prisão imunda com trabalhos forçados mesmo sendo inocente - e isso após todo mundo saber que você era corno. Além disso, não tem que ficar se preocupando todos os dias com quem vai enrabá-lo à força. E ainda reclama da vida? Andy Dufresne suportou tudo isso por anos e mesmo assim manteve a cabeça erguida: "Lembre-se de que a esperança é uma coisa boa, Red, talvez a melhor coisa, e as coisas boas nunca morrem.", escreve ao amigo.

Diferentemente do cinema, no romance, Red é irlandês; daí, sua alcunha. Além disso, a penitenciária passa pelas mãos de vários diretores. O hipócrita Norton é apenas um. No conto, o protagonista não foge com a grana dos investimentos escusos de Norton. Durante anos, ele teve ajuda de um amigo fora das grades que cuidou de seus próprios investimentos e fez a grana de Andy render. O Diretor, aliás, tem até um final bonzinho, apenas sendo afastado da gestão após uns quatro meses da fuga. Não conseguimos sentir muita simpatia por Red quando descobrimos que ele matou a esposa por grana do seguro, causando também a morte de uma vizinha e de seu bebê no acidente planejado de carro. E, por fim, não sabemos se Red encontrará seu amigo. A história conclui com ele furando a condicional para ir ao México, com este belíssimo derradeiro parágrafo: "Espero que o Pacífico seja tão azul quanto em meus sonhos".


Verão da Corrupção - O Aluno Inteligente não se passa no Maine, mas no sul do Estado da Califórnia, na fictícia Santo Donato. Também é fictício o campo de concentração nazista de Patin. O mote é simples: estudante americano exemplar, de classe média alta, descobre que morador da região é criminoso de guerra foragido, sob nome falso. Sádico, passa a chantagear o velho nazista, prometendo não lhe revelar a identidade em troca de histórias acerca do Holocausto. Para amarrar a trama, o ex oficial nazista Kurt Dussander diz que sua renda atual vem de dividendos de ações compradas pela consultoria de Andy Dufresne. O fato deste ter assassinado a esposa também é mencionado. Durante a narrativa deste conto, Dufresne ainda está encarcerado na "Primavera Eterna".

Como é natural, pegaram leve na adaptação. Geralmente, os estúdios optam por isso para atrair mais público, em razão da ausência de restrição por faixa etária, ou de sua redução. Hoje, com filmes baixados sem controle pela internet, é uma tremenda babaquice fazer isso. Mesmo assim, em alguns casos, insistem neste vício comercial onde o tiro sai pela culatra.

Acho que todos os eventos narrados por Dussander acerca do holocausto são dignos de atenção, prendendo o leitor. Os momentos que mais me despertaram interesse foram quanto à burocracia do genocídio. Essencialmente, todo oficial do Reich era um burocrata. Assim, Dussander se orgulha de sua economia com uniformes de prisioneiros, feitos em papel. Em sua gestão, cada vestimenta foi reaproveitada por até quarenta confinados. Já as mortes precisavam ser rápidas e a baixo custo. À época, o Führer considerou cartucho recurso nacional essencialíssimo. Isso é natural em nações à beira de conflitos ou em guerra declarada. Às vezes, por exemplo, o gás Zyklon-B era substituído por outro experimental. O resultado, várias vezes, pedia a intervenção armada, com desperdício de munição.
Meus homens chamavam o Pégaso de gás de falsete. Finalmente caíam e ficavam lá no chão, deitados na própria imundície, ficavam lá, sim, deitados no concreto, gritando em falsete com narizes sangrando. (…) Finalmente, mandava cinco homens com rifles porem fim à agonia.
Os métodos utilizados por judeus endinheirados para guardar bens e bobagens como tabaco (algo raro à época onde só se cultivava mais o básico à sobrevivência) também são interessantes: "Uma mulher (…) tinha um diamante (…). Engoliu-o antes de entrar em Patin. Quando saía nas fezes ela o engolia de novo. Continuou fazendo isso até que o diamante começou a cortá-la e ela começou a ter hemorragias.".

A natureza desumana (ou excessivamente humana?) de Todd começa a despontar quando seus primeiros sonhos eróticos envolvem estupros e experimentos sexuais diversos em campos de concentração, assim como no seu primeiro namoro com uma garota judia de uma família amiga; para Todd, uma vadia que merece nada mais do que a degradação em quaisquer formas possíveis. Em pouco tempo, Todd está transformando um pássaro ferido em pasta sob as rodas de sua bicicleta, indo e vindo sobre o pequeno cadáver. Mais à frente, começa a assassinar mendigos com facas de caça e a marteladas. Seu grande sonho, contudo, é, bem acomodado com vista à via expressa, munido com rifle ganho de seu pai, atirar no máximo de motoristas que vê na rodagem.

Denker/Dussander também começa a se divertir matando mendigos em sua cozinha. Tudo começou com pequenos animais, como cães e gatos. Inevitavelmente, chegou aos bêbados das ruas que fariam qualquer coisa por cinco ou dez dólares, inclusive transar com um “próspero veado velho com queda pela mendicância”. Pensando que vão à casa do nazista para comer e beber em trocar de meter no velhote, sempre acabavam com a faca de cozinha estocada entre a nuca e o pescoço. O porão transforma-se em cemitério e, de certa forma, é essa sanha por matança que complica a vida do nazista e seu pupilo. Dussander mata-se com overdose medicamentosa antes de levado a julgamento e execução em Tel Aviv. No cinema, foi sufocando-se após engolir instrumento ambulatorial. Todd enlouquece definitivamente, matando seu ex-conselheiro escolar e saindo para o que der e vier, com seu rifle em punhos, em direção à via expressa mencionada, após ver-se sem saída diante da aproximação das investigações policiais.

No livro também encontramos a célebre cena da marcha, disponibilizada no vídeo mais acima.


Em Outono da Inocência – O Corpo, quatro amigos viajam sozinhos pela mata para ver o cadáver de um garoto, atropelado pelo trem. Deste mote simples, temos a bela história de amizade imortalizada no Brasil pela Sessão da Tarde na Globo. A adaptação para o cinema fez bastante sucesso aqui, tornando-se clássico da televisão. Nós, crianças do início da década de '80, crescemos encharcando os miolos com o refugo pop norte americano quando já éramos crianças bem adiantadas na década seguinte. E, quer saber? Foi bom.

Enquanto O Corpo se passa na geografia fictícia do Maine, Conta Comigo manteve o nome da cidade Castle Rock, mas no Estado onde ela realmente existe: Oregon. Além disso, Chris Chambers ainda estava na faculdade quando foi morto com uma facada no pescoço. Gordon Lachance nos diz que seus dois outros amigos também morreram tragicamente. Teddy Duchamp, quando capotou o carro e Vern Tessio em meio a um incêndio, onde só foi reconhecido pela arcada dentária. O gordinho chamada de Bola de Sebo presente na história dentro da história (artifício bastante utilizado pelo autor), chama-se David "Lard-Ass" Hogan - num português claro: Rabo Grande. Além da história de Rabo Grande, também há outra meio sem graça, um drama familiar escrito pelo então jovem escritor Gordie quando estudava redação criativa.

Na prosa, a vida profissional de Gordie tem maior destaque. Fica claro que ele se tornou autor de best sellers odiado pela crítica erudita. Logo, alguém bem similar à figura do próprio King. Num determinado momento, o maduro Gordon nos diz que isso não importa, já que ele quer apenas escrever boas histórias para entreter. Isso me recordou Bill Denbrough em It: A Coisa, onde o personagem também discorre algumas vezes acerca da escrita e seu alcance, discutindo se a literatura não poderia se destinar, apenas, ao mero entretenimento.

Há dois elementos sutis de ligação entre O Corpo e Redenção em Shawshank: citações a Bruce Springsteen e, outrossim, o fato do assassino de Chambers ser ex-presidiário de Shawshank, solto há poucos dias antes do acontecido.

Eu poderia escrever mais sobre esses três contos e suas versões para os cinemas. Mas acho que está bom parar por aqui. Ficam as sugestões aos colegas: leiam o livro, assistam aos filmes. Há uns quatro anos falam que O Método Respiratório também será levado às telas. Não estou por dentro de como andou isso.

Por enquanto é isso. Abraços assombrados e até a próxima.

7 comentários:

  1. Gosto muito das suas postagens sobre o King porque já vi que é uma paixão em comum que temos mas como não li essas obras e por acabar perdendo um pouco da empolgação ao tomar uns spoilers, admito que não li o post por medo. Porém assisti ao filme Conta Comigo e é um dos meus preferidos da vida. Vai muito mais do que apenas encontrar um corpo, é sobre amizade. Não sei se o conto vai por esse lado também. E tu não curtiu as adaptações de It? Vejo tanto leitor por aí elogiando. Eu vi apenas a dos anos 90 e curti mas ainda não terminei o livro It. Um livro dele que li recentemente e virou um dos meus preferidos foi A Zona Morta. Que livro! O filme foi bem elogiado mas a série que teve foi massacrada hahaha
    Mas King é isso, a maioria de suas adaptações foram sofríveis, o que é triste mas algumas são bem boas. Assistiu Jogo Perigoso?
    Enfim, assim que eu ler as obras citadas ou ao menos o conto O Corpo que tu já me indicou, volto e leio esse post todoooo. Fico enrolando porque queria ler o livro físico já que não tenho o hábito de ler pelo pc porque não tenho kindle e aí acabo não lendo. Triste. Está para chegar o meu livro Revival e o Mr. Mercedes. Já leu?

    Abraço,
    Parágrafo Cult

    Ps: Você teve muitas experiências ruins com livros do autor, estou chocada. Ainda não tive nenhuma e espero não ter. Eu teria exigido um novo livro se tivesse vindo com várias páginas em branco como você com o seu exemplar de O Apanhador de Sonhos. O único problema com livros que tive foi há alguns anos com um exemplar com mais de 500 páginas que vinha até a página 250 e depois reiniciava até mais ou menos a mesma parte. Ou seja. Duas vezes a primeira metade do livro e nenhum final. Mas não era um livro do King haha

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    1. Olá, Larissa.

      Fico satisfeito com isso, especialmente por também gostar do que você escreve.

      Quando puder, retire este atraso. O Aprendiz é um bom filme. E Um Sonho de Liberdade é, realmente, um dos maiores filmes já realizados. A nota no IMDb, para ele, não é à toa. E, claro, leia esta que é uma obra ESSENCIAL de King: Quatro Estações. Não seriam bem contos. Seriam novelas, devido à extensão. Mas optamos por chamar mesmo de contos, apenas.

      A Zona Morta teve uma ótima adaptação para o cinema. Bem lembrado. Tenho um grande amor por Martin Sheen e Christopher Walken. Acerca da série, não sabia sequer existir. Sim, sou desatualizado de muitas coisas do mainstream. Meio que abri de mão acompanhar. Tanto que não vi essa nova adaptação de IT. Não entro num cinema há anos... Quando adolescente, vi o filme de 1990 em VHS. Salvo engano era um estojo com duas fitas. O filme, na época, não me agradou. E hoje, menos ainda. Mas... Tim Curry ficou muito bem de Pennywise.

      Não tive tantas experiências ruins com livros de King. Mas, sim, com o trabalho editorial. Acho que a maioria das editoras nunca tiveram respeito conosco. Quando tinham lucro, vendendo a rodo publicações, nos davam brochuras vagabundas a preços elevados. Hj, em meio à crise editorial, tentam reverter isso, caprichando um pouco mais. Francamente, não sei se leria, hoje, romances com It, Dança da Morte e Sob A Redoma, em letras pequenas. Diversas editoras, agora, mostram que é possível, a um custo razoável, dividir obras em tomos e socar tudo num box, com letras e margens generosas.

      Também não gosto de ler em PC. Mas ganhei um Kobo há anos de alguém muito especial em minha vida, e desde então o uso. Jamais pensei que gostaria tanto de leitura eletrônica, mas hoje vejo que tem muitas vantagens. Poder ajustar o tamanho da fonte é a maior delas. E a tecnologia eInk não cansa nossa visão. Sem contar a economia em grana e de espaço. Eu mesmo já tive que dar livros e gibis para aliviar no espaço. Sei que sentir o livro nos dá um prazer tátil. Isso a leitura eletrônica não dará. Mas, com tempo, nos acostumamos. Afinal, assim é o ser humano.

      Pensei até em comprar um Kobo melhor, maior, para passar menos páginas. Mas é que o que uso tem mesmo um valor sentimental grande para mim, de maneira que quero continuar usando o bendito até que um dia pife.

      Abraços, garota!

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  2. vc podia lançar um ebook sobre o King e outro sobre alan moore
    adoro "Um Sonho de Liberdade" - comprei até o poster pirata dele pelo ML
    Li vários contos de King quando era adolescente, naquela época circulavam em formato txt pela web
    hoje nem sei o que li, por isso é bom ter um blog e escrever sobre leituras

    abs!

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    1. "vc podia lançar um ebook sobre o King e outro sobre alan moore"

      Grande Scant, seguirei teu conselho e vou compendiar todo o blogue num ebook. Serve até de repositório.

      "hoje nem sei o que li, por isso é bom ter um blog e escrever sobre leituras"

      Rapaz, e é isso que me faz escrever sobre filmes, livros e HQs. Gosto quando releio. Organizar a informação é sempre muito complicado, especialmente após certa idade, onde acumulei tanta informação nos miolos que começam a se confundir.

      Também penso que manter fichário seria uma boa, para uso pessoal, de tudo o que foi lido. Ou uma espécie de diário. Nunca coloquei isso em prática.

      Abraços!!!

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    2. Na falta de opção melhor, o jeito pode ser imprimir o blog inteiro, fazer uma boa encadernação e guardar as memórias na estante

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  3. Imagino como seja corrida sua rotina às vezes, Fabiano, pois o conheço há anos e, certamente, sei um pouco de sua vida, compromissos, cuidados com seu companheiro etc..
    Bem dito: para fãs de King, acho este post bem vindo.
    Abraços e tudo de bom também. Sempre que possível, dê sua presença por aqui.

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