O que me levou a ver A Máquina Infernal na verdade foi quem: Guy Pearce, alguém que passei a admirar (artisticamente, claro, pois desconheço e não quero saber nada sobre sua vida privada) desde quando há anos e anos, locado em VHS por meu irmão, assisti a Amnésia (2000). E não me decepcionei. Que filme bom. Sem querer entregar demais da história, apenas destaco haver elementos de Vidas em Jogo (The Game, 1997, filmão meio esquecido de David Fincher) e Janela Secreta (2004). Quanto a este último, é que realmente acreditei que tudo não passasse de paranoia do protagonista, o famoso e recluso escritor Bruce Cogburn. E a trama nos joga um pouco para isso.
Mas vamos lá. Em resumo, na história, descobrimos que há mais de duas décadas houve um tiroteio "inspirado" pelo best-sellerA Máquina Infernal, único livro escrito por Bruce. Após isso, ele se isolou no deserto californiano, onde vive incógnito. A aridez da fotografia me chamou bastante atenção e achei que tivessem rodado o filme na Austrália, país de Guy Pearce. Aliás, falando em Austrália e neste ator, assistam também a The Rover (2014). Retomando: ocorre que um "fã" o descobre. Não apenas o número de sua caixa postal, como também a exata localização de sua casa e, o que era apenas uma aporrinhação, torna-se violento. Afinal, o que está havendo? Quem o persegue e por quê? Mas o grande plot twist da trama não está nas respostas a tais perguntas. Não diretamente. A coisa é mais interessante após revelação surpreendente de Bruce Cogburn que tudo mudará.
Totalmente por acaso, resolvi assistir ao filme A Luz no Fim do Mundo, cujo título original é Light of My Life. Fiquei positivamente surpreso: produção simples, limpa, econômica, elenco diminuto, bem conduzida e com mote interessante. No caso, trata-se de filme pós-apocalíptico dirigido, escrito e protagonizado por Casey Afleck e sua cara de bunda. Essencialmente, na trama, acompanharemos um pai conduzindo sua filha num possível futuro onde a maior parte da população mulherística foi extinta por uma doença apelidada de "peste feminina". Como é de se esperar, num mundo onde quase todas as mulheres estão mortas, tudo funciona normalmente e não há falta de comida, água e até mesmo energia elétrica. Mas os caras estão piradões querendo xoxota e aí está a luta de Casey Afleck - apenas chamado de "pai" durante todo o filme - em proteger sua filha Rag, a qual anda disfarçada como se fosse garoto para evitar estupros, embora contando com apenas onze anos de idade.
O filme é lento, mas isso não é ruim. Há uma cadência no seu desenrolar, conseguindo nos manter presos à tela. Por vários momentos, flashbacks da vida passada do "Pai" nos são revelados, inclusive quando sua falecida senhora descobre estar contaminada pela "praga".
Durante quase duas horas, temos apenas uma cena de violência, totalmente seca, sem trilha sonora ou efeitos mirabolantes, entre porradas, sufocamentos e grunhidos. Dez minutos dessas duas horas são tomados, logo no início, por uma conversa boba entre "Pai" e Rag, com o primeiro inventando uma história para ela dormir, o que causa estranheza ao público e meio que serve de teste: "olha só, este será o ritmo do filme, tá mesmo a fim?".
Acredito que a obra poderia ter mais meia hora de acréscimo com algumas pegadas que seriam bacanas. Como ficaram os homens, sem bucetas para comer? Certamente, o mercado travequeiro deve ser o mais próspero naquela possível realidade. E o remanescente feminino? É dito por duas vezes que mulheres são guardadas pelo Poder Público em centros específicos, certamente se pensando em meios de reprodução. Mas bem que poderiam mostrar um pouco disso. Só que a proposta do filme é mesmo essa: simplicidade. Então ficou "ok" mesmo assim.
John Krasinski olhou para o passado e percebeu que bons filmes são simples. Pegou o clichê "humanos contra criaturas grotescas", investiu poucos trocados, editou tudo em apenas uma hora e meia e o resultado foi o filmão Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018), com sequência em 2020. Assim que assisti ao primeiro, adorei. Pensei: filmão, retornei aos anos '80. Mas apenas hoje assisti à continuação. E esse atraso tem motivação bem simples: há vários anos não fico mais na fissura de assistir ou ler algo. Vai tudo no seu ritmo e quando possível. Só vi a sequência porque minha cunhada passou a senha da Globo Play há alguns anos e, por acaso, vi a TV ligada hoje com a thumb do filme. Então pensei: é agora.
Para quem desconhece a história, o mote é banal. Num certo dia, criaturas caíram do espaço e destruíram este mundo. São cegas (certamente, têm origem onde a visão é inútil, creio). Mas possuem audição atômica, captando a queda de agulhas a quilômetros. Saem trucidando tudo que se mexe. São rápidas, grandes e fortes. As carapaças suportam fogo e balas. O ponto fraco é quando desprotegem a cabeça para apurar a audição, onde podem ser feridas de forma letal. A família Abbott anda descalça para não fazer barulho. No máximo, sussurram para se comunicar. Já no início do primeiro filme, o filho mais jovem é feito em pedaços. No final, na luta pela sobrevivência, o patriarca falece (cena abaixo). Ele é daquele tipo paizão protetor da tradicional família "fascista", o tipo mais odiado pela militância sexual tresloucada. O segundo filme inicia com breves minutos sobre o mundo imediatamente antes da invasão: a família Abbott está de boa curtindo um jogo de crianças, comendo cachorro quente e tomando refrigerante. Veem rochas fumegantes caindo na Terra e pronto... O Molusco chegou a Brasília? Não, foram monstros espaciais! Em alguns minutos, tudo foi para o inferno e deu PT (perda total). Então, rapidamente, o filme continua de onde parou: o remanescente familiar em fuga, onde encontrará ajuda num antigo amigo da família: Emmett (Cillian Murphy, o Tommy Shelby de Peaky Blinders). E começará aí nova jornada, com a revelação para sobrevivência: os alienígenas não conseguem nadar.
Não há explicação sobre a origem das criaturas. Mas tenho esta teoria: caíram aqui por acaso em algum evento cósmico que os arremessou em nossa atmosfera. Um asteroide, por exemplo. Talvez estivessem num planeta que se extinguiu e, como são formidavelmente resistentes, estavam espalhados montados em rochas pelo espaço sideral. Por mero acaso, aportaram aqui.
Esse tipo de filme será sempre atual, pois usa fórmulas simples. Basta acertar na mão. E, como falei, Krasinski acertou em tudo, sabendo contar a história direito! Aliás, esses dois filmes são atualíssimos para a realidade brasileira: uma nação silenciosa, onde quem falar se dará mal, nas mãos de criaturas tenebrosas.
Não recordo o nome da primeira mulher que me levou para cama. Eu era um moleque sebento e ela uma coroa divorciada com tetas enormes. Acredito que sua tara eram novinhos. Não recordo porque tanto faz. Foi apenas mais uma dentre tantas mulheres em minha vida. Mas nunca esqueci quando conheci Edgar Allan Poe. Foi na coleção Para Gostar de Ler, empreitada da editora Ática reunindo vários contos e crônicas de autores nacionais e estrangeiros. No caso, foi no Volume 11 - Contos Universais (v. capa abaixo). Ali, conheci O Retrato Oval e O Coração Delator, ambos do gênio do mistério. E foi paixão à primeira lida. Lembro que reli O Coração Delator dezenas de vezes e, depois, catei uma antologia de Poe na biblioteca perto de minha casa, lida de cabo a rabo.
Ainda adolescente, já tinha lido muito do escrito pelo exímio autor americano. Não recordo qual foi a editora responsável pelos livros, mas integravam uma coleção em capa dura com tecido, volumosos e enormes (livros maiores que os convencionais), salvo engano em três volumes. Devem se encontrar ainda hoje na biblioteca José Condé, na cidade onde cresci, totalmente mofados. Depois, tomei conhecimento que existiam filmes baseados em suas obras. Cheguei a ver, ainda jovem, Histórias Extraordinárias (1968), filme que não me agradou, mas chamou atenção pela beleza de Brigitte Bardot com cabelos negros. Também vi alguns filmes mais vagabundos por aí, mas ainda bem que mal os recordo. E, claro, como esquecer quando levaram o próprio Poe para o cinema, enquanto protagonista, em O Corvo (The Raven, 2012), filme mediano com um Poe, francamente, nada a ver. E eis que nos chega, agora, O Pálido Olho Azul pela Netflix, com um jovem escritor ali retratado que, deveras, convence.
O filme é baseado na obra homônima de Louis Bayard e dirigido/adaptado por Scott Cooper, o qual já trabalhou com Christian Bale em dois filmes que passaram desapercebidos pela maioria, mas que me agradaram: Tudo por Justiça (2013) e Hostis (2017). E O Pálido Olho Azul tem muito em comum com as produções anteriores: a geografia cruel, quase inacessível. São elementos como luz e clima refletindo as [e nas] ações humanas.
Harry Melling convence como seria o jovem Poe, enquanto ainda cadete na prestigiada academia militar de West Point. Fisicamente, o ator se parece bastante com o escritor, além da expressão taciturna, melancólica e assombrada. Seria um jovem E. A. P. em fase embrionária, aprendendo sobre o mundo para, posteriormente, retratá-lo em sombras. E também quedou bem no papel pela grande sacada da história: não colocá-lo como protagonista. Este seria o detetive Augustus Landor (Christian Bale).
A trama se passa em 1830. Um cadete da West Point é encontrado morto em circunstâncias bizarras e, para solucionar o caso, chamam Landor, detetive calejado não apenas por sua vasta experiência, mas também pelas agruras da vida. Para ajudá-lo na empreitada, o aluno Edgar Allan Poe. Aparentemente, tudo levará a crer se tratar de um caso envolvendo ocultismo e rituais mágicos. Mas o desenrolar mostrará que estamos errados em tais suposições e que fomos levados a assim pensar pelas circunstâncias expostas. E isso tem muito das obras de Poe, como em O Escaravelho de Ouro - onde a resposta estava o tempo todo num pedaço vagabundo de pergaminho que envolvia o artefato caríssimo, e não neste em si. Aliás, o próprio título "O Pálido Olho Azul" é, creio, referência direta ao conto O Coração Delator. Também há um esboço do que viria ser o poema O Corvo, através do nome Lenore (em português, Lenora ou Eleonora, conforme a tradução, embora a que eu mais goste seja de Fernando Pessoa, o qual não cita nomes).
Não falarei mais tanto sobre a trama, pois pode estragar a experiência de quem ainda não viu. Mas, realmente, é um filme bacana que vale a pena ser visto, especialmente pelos fãs de Edgar Allan Poe. No entanto, claro, não chega a ser um filmão e deixou acontecimentos mal amarrados, que não se encaixam tão bem.
Gostei bastante de rever Gillian Anderson como a véia maluca e macumbeira. Dana Scully traz sempre boas recordações.
Estou convencido que não vale a pena assinar Netflix. Quase não vejo nada ali e quando assisto fica a sensação de perda de tempo. A grana seria melhor investida em tabaco, sorvete (de pistache) e balas 7 Belo. Não vou afirmar que as produções originais são ruins. É que, realmente, não são para mim, apenas isso. Então mantenho a assinatura por minha família e, assim, de relance, vou conferindo algumas porcarias para saber como anda o mundo do entretenimento. Ou melhor: tentando. Foi o que houve, hoje, com O Troll da Montanha, produção norueguesa que retirou trinta e três minutos de minha vida. As pessoas estavam assistindo e tentei. Mas desisti. Me pergunto se, se eu fosse criança, gostaria daquilo. Ao menos há bons efeitos especiais. Pode ser que exista uma revelação espetacular por trás do monstro? Sim. Mas não paguei - com meu tempo - para conferir.
Mas enfim: por que falo sobre um filme do qual só vi meia hora? É que recordei de Border, filme igualmente nórdico (Sueco) sobre trolls. Não entendo muito sobre países nórdicos, a não ser que em breve estarão islamizados e, considerando que a veadagem por lá é institucional, os filhos de Ismael terão muito trabalho pela frente. E também sei que eles gostam de trolls assim como curtimos sacis, curupiras e mulas-sem-cabeça. E Border é sobre o folclore dessas criaturas, mas com uma pegada sombria. Faz três anos que assisti aquela obra de arte e ainda me arrepio com a recordação de alguns momentos.
Então esta postagem é sobre isso: não caia na trollagem da Netflix, assista a Border!
Esses dias também tentei assistir à série Wandinha - mais para acompanhar minha filha - e, embora não tenha gostado, ao menos me rendeu um vídeo para o Youtube (abaixo) sobre os cartuns que deram origem à mítica da família mais esquisita da cultura pop. Sim, isso é auto-jabá: veja meu canal, me dê views!
Em Império do Sol, Christian Bale - o Batman - era apenas um guri de sotaque britânico carregadíssimo (obviamente), mas que atuava muito bem. Na trama, ele é Jim Graham, filho de rico industrial inglês em Xangai, cuja vida é regada com luxos. No entanto, parte da China está sendo invadida pelo Japão durante a Segunda Grande Guerra, como extensão de um conflito que se arrasta há décadas. Quando não há mais reservas à diplomacia para manter alguns bairros "neutros", a família se separa e, então, acompanharemos a luta deste garoto de onze anos de idade pela sobrevivência num campo de concentração japonês, sob a tutela do malandro Basie (John Malkovich).
É importante dizer que James Graham Ballard realmente existiu e a obra é inspirada em seu romance semiautobiográfico.
Gosto de obras que retratam a crueldade do Japão, desde o período feudal até os kamikazes, pois sempre estranhei a maneira como o ocidente resolveu retratá-lo: arquipélago de pessoas pacíficas. De pacífico, ali, apenas o oceano. Além do aspecto histórico, o filme nos dá boas lições de vida. O próprio Jim é retratado como um bundão, menino rico criado a leite com pêra, totalmente alienado da vida real - seria tipo nossos atuais jovens, criados em apartamentos com Nescau gelado, que se registraram como eleitores este ano para votar na esquerda e em todo o projeto macabro por ela representado. Ao tentar reencontrar sua mãe na mansão, antes de ir para o campo de concentração, se depara com a antiga criadagem do lugar saqueando objetos de valor. Ao perguntar à sua babá sobre o paradeiro da família, leva um tabefe na cara. Sim, ele merecia. E aquele chinesa estava de saco cheio de aturar criança mimada.
O final é relativamente feliz. O guri aprende a dar sentido à existência à sua volta, reencontra os pais e sairá do oriente juntamente com o fim da guerra, não sem antes contemplar o brilho de mil sóis dos bombardeios sobre Hiroshima e Nagasaki.
Império do Sol. Título original: Empire of the Sun. Produção americana de 1987 com direção de Steven Spielberg e roteiro de Tom Stoppard e Menno Meyjes, com Christian Bale, John Malkovich, Miranda Richardson e Ben Stiller. Guerra/Drama ‧ 2h 34m
Roland Voight é um milionário que tem acesso a tudo o que deseja. Entediado, sem saber mais o que fazer da vida para torrar toda a grana acumulada, parte para o catimbó e vai bater tambor. No universo concebido por Clive Barker, isso quer dizer algo mais sofisticado. Logo, Voight procurará meios de acesso à cúpula da Ordem de Gash: o próprio Leviatã, em busca do prêmio à sua escolha. Mas, bobinho, pensou que negociaria de boa com demônios e tomou na tarraqueta. O presente foi o de sempre: dor. Para tentar remediar o mal negócio, seguirá novamente todos os passos anteriores, com sacrifícios de inocentes. E é aí que entram a noiada sebosa Riley e seu namorado picareta Trevor. Na jornada, os cenobitas aproveitam a bagunça para fazer o que mais gostam: remoer carne.
Anteriormente, postei no Youtube minhas suspeitas que o reboot cinematográfico de Hellraiser seria fraco. E foi. Não compreendo como "críticos especializados" acharam essa produção mixuruca um alento para o futuro da franquia. Mentira: finjo não entendê-los... Pois o filme é só mais do mesmo, com pequenas reformulações e sem Pinhead. Sim, pois aquela entidade esquisita não serve para Pinhead. Toda a maravilhosa concepção do sacerdote sadomasoquista, desenhada por anos e anos, foi jogada no lixo em prol da "diversidade" ou seja mais lá o quê. Repito que no romance primevo The Hellbound Heart não temos Pinhead. O mais próximo que poderia se aproximar dele é a sugestão de um cenobita com voz feminina e joias na face, que quase não tem destaque na trama. O próprio Clive se encarregou de reformular a ideia, dando à luz (ou às trevas) o verdadeiro Pinhead, o que melhor viria a calhar na cinematografia.
O "novo" Hellraiser é um filme com bons momentos grotescos para matar o tempo. E dentro do universo Hellraiser, obviamente. Há alguns elementos bacanas, explorados pelos roteiristas Ben Collins e Lucas Piotrowski. Eles optaram, por exemplo, pelo fim das roupas de couro. Os capetas vivem peladões e pequenos traços de trajes são representados por recortes e costuras com suas próprias peles. A caixinha finalmente encontrou uma explicação plausível para sua denominação como "Configuração do Lamento". No filme, ela passa por várias configurações e, no final, o "vencedor" pode escolher um caminho, uma configuração como prêmio. A viciada vagabunda não escolhe nenhuma, rejeitando qualquer agrado. Assim, "Pinhead" lhe diz que sua opção foi pelo lamento e a caixa retorna à configuração padrão: um cubo.
Hellraiser 2022, logo, segue o padrão do que vem sendo feito há anos e anos: lixo. Filme podre com bons momentos de nojeira que, para mim, é bacana de se ver na madrugada, deitado na minha rede baforando um charuto e bebendo porcarias.
Felizmente, não gastei nenhum real para assistir. Por ser filme de streaming, os caras upam imediatamente em trocentos serviços gratuitos, com boa resolução. Do próprio celular, transmito para a TV quando possível. Se não, espelho a imagem e assisto de boa, confortavelmente. Como boa empresa engajada com movimentos coletivistas, a Hulu não deve se incomodar com isso. Não importa o meio escolhido, Doug Bradley chora no banho de qualquer maneira.
Banditismo por uma questão de classe! - Nação Zumbi
O comerciante Benjamin Abrahão Botto imortalizou-se na História devido às fotografias e filmagens com o bando de Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, Rei do Cangaço. Para quem esqueceu as aulas de História, cangaço foi um movimento de vanguarda: quando ainda não se falava em facção criminosa (CV, PCC etc.), o banditismo já encontrava-se hierarquicamente organizado no semiárido nordestino. Curiosamente, quando eu era criança, pintavam cangaceiros qual revolucionários. Lampião seria um Robin Hood disneyano em plena caatinga. Lego engano de professores acéfalos que nos doutrinavam a todo custo: foi apenas um marginal excêntrico, entusiasta de simbolismo sincrético, joalheria (colares, broches, pingentes e anéis), boa comida e perfumes caros.
O povo fodido sempre comeu o pão que o Diabo amassou. Não bastando o Estado corrupto e nossos governantes gângsteres, o sertanejo ainda tinha que suportar marginais com roupas espalhafatosas roubando, estuprando e pregando toda forma de terror. Nós, sertanejos, nos acostumamos tanto a tomar no cu que tomamos gosto e, hoje, damos quase 70% de nossos votos a Lula e à sua ideologia macabra. Na falta de Lampião, buscamos outro algoz. Freud talvez explicaria...
Voltemos ao filme. De certa forma, Benjamin Abrahão teve papel importante na derrocada do cangaço. Suas imagens mostravam cangaceiros armados com punhais e armamento ultrapassado. Não havia motivos para o Estado não dar fim a tudo aquilo, com estratégia e armamento de guerra. O que houve já sabemos: numa emboscada bem sucedida no sertão de Sergipe, a maior parte do bando foi trucidada e suas cabeças removidas para exposição itinerante.
E Baile Perfumado é um filme sobre Benjamin Abrahão e sua sanha para conseguir os célebres registros históricos dos cangaceiros, adentrando em mata braba, costurando acordos com coronéis sorrateiros e, quando possível, comendo esposas alheias. E, como também nos diz a História: acabou executado por 42 perfurações à faca.
Assisti a este belo filme há anos e anos, por força de exigência escolar. Gostei do fato de não terem enfeitado os bandidos como se boas pessoas fossem, conquanto recordo bem de professores dando auras místicas ao bando de maloqueiros que viviam entocados no mato igual a animais peçonhentos. Depois, já adulto, o revi. E revê-lo pela terceira oportunidade, após tantos anos, me fez perceber como se trata de produção resistente ao tempo e, mesmo com as limitações técnicas e orçamentárias de época, ainda vale mais a pena do que obras endinheiradas como Bacurau.
E o meu anjo da guarda quebrou-se de mãos postas no desejo insatisfeito de Deus.
- Manuel Bandeira
Esta postagem - cheia de spoilers, ressalto - de certa forma se deve à sugestão indireta do Scant S/A. Postei o vídeo acima no canal falando brevemente sobre a ocorrência de sistemas mágicos verdadeiros em gibis diversos, especialmente os de autores britânicos e, num comentário, ele me perguntou se já postei algo sobre o filme Vozes da Escuridão. E, deveras, tem tudo a ver, pois se trata de filme onde a magia vai além da mera invencionice. Como eu não tinha escrito nada a respeito, aproveitei esta sugestão.
Na trama, Sophia é a mãe que perdeu tragicamente seu filho: adolescentes inventaram de se meter com rituais e no meio da bagunça meteram sacrifício humano. Então ela aluga uma casa antiga e isolada, cuja arquitetura e construção atende aos seus planos: celebrar, ali, o exaustivo ritual de Abramelin para invocar seu anjo guardador e realizar um desejo - o qual pensamos ser o de vingança. Para isso, contrata o mago Solomon, que lhe dará "suporte técnico". E todo o filme é isso: os dois pirados trancafiados na casa, por meses, abrindo as porteiras do inferno para, assim, chegar à entidade benevolente.
Embora eu não seja experto no tema, pelo pouco que li, o roteiro retratou fielmente o ritual - obviamente dentro dos limites da linguagem cinematográfica para mero entretenimento. Durante o cansativo ritual, você não terá acesso apenas ao bem, mas também a entidades malévolas. Por isso, numa dada fase, são necessários selos para trancar os diabinhos antes que a situação fuja do controle. Isso, dizem, é o que houve na famosa casa Boleskine, onde Aleister Crowley iniciou o ritual mas o abandonou, vazando da residência e a deixando até hoje cheia de diabretes. A casa foi comprada por Jimmy Page - que além de ser o genial músico que fundou Led Zeppelin, também era macumbeiro. Ele não suportou nem dois dias no local, dizem.
Amiúdes: o ritual dá certo. A residência empesteia-se por demônios desocupados que passam dias atormentando Sophia e Solomon; e, além disso, iniciam-se tragédias (comuns no processo), com a estranhíssima morte deste último. Sophia precisa permanecer trancada em vários momentos do dia, pois as entidades podem agredi-la fisicamente. Mas um dia vacila e é pega. Ao conseguir fugir, encerra o ritual pedindo o perdão final e, assim, tem acesso ao anjo, gigante, de voz retumbante (por isso ele fala sussurrando, para não colocar a casa abaixo), belo em todo o seu esplendor. Então ela finalmente faz seu desejo: conseguir perdoa. Nada tinha a ver com vingança. Ela apenas quer retirar de seu peito o sentimento de retaliação.
Abaixo, deixo o trailer e, para quem quiser, a cena final reveladora, com a manifestação angelical. É sem dúvidas um bom filme para entreter, produzido com poucos recursos, mas bastante competente ao que se propôs. Numa média de zero a dez, eu lhe daria nota sete.
Abraços mágicos e até a próxima.
Vozes da Escuridão. Título original: A Dark Song. Produção independente irlandês-britânica de 2016, escrita e dirigida por Liam Gavin, com Steve Oram e Catherine Walker. Duração: 1h 40m.
Tony é um inglês bem inglês. Pouca gente é tão inglês quanto ele: ex-tenista premiado, graduado na University of Cambridge e casado com Margot, rica herdeira interpretada por ninguém menos que a Princesa de Mônaco Grace Kelly. O cara representa a nata do esnobismo britânico, mantendo a compostura até quando descobre ser corno. Pois é. A princesa o chifra com Mark, escritor americano que costuma ir a Londres apenas talaricar a beldade. Então o que este elegante chifrudo faz? Não pode haver barraco nem comoção pública. Ele chantageia um antigo colega de faculdade para o serviço e arquiteta tudo milimetricamente.
Sim, o plano era perfeito. Mas Tony não contava que a safadinha conseguisse meter uma tesourada nas costas de seu amigo e safar-se da morte. Mesmo assim, a mente brilhante de Tony - estrategista no esporte - pensa rapidamente noutra possibilidade: condenar Margot por assassinato premeditado e levá-la à forca. E isso quase deu certo, se não fosse pela perspicácia do inspetor Hubbard - ele parece um trouxa quase todo o filme, mas nos surpreende ao final, algo como o detetive Columbo do clássico seriado de TV.
Disque M para Matar é um filme impecável dirigido por Alfred Hitchcock com roteiro de Frederick Knot. Passa-se quase que integralmente dentro do apartamento do protagonista, com raras tomadas externas e apenas uns minutos dentro de outra locação. As atuações são soberbas e, francamente, não enxergo falha num filme como esse. Temos centenas de bons filmes esperando por nós. Hoje, com a banda larga, tudo é ainda mais simples. Não gastemos nosso tempo assistindo blockbuster com super-hominhos coloridos. A vida é curta demais para isso.
Curiosidade. Hitchcock sempre fazia breve aparição em seus filmes. Mas, como este se passa num local fechado, o vemos na fotografia de confraternização em Cambridge.
Abraços cinematográficos e até a próxima.
Dial M for Murder, 1954. Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Frederick Knott. Elenco: Ray Milland, Grace Kelly, Robert Cummings, John Williams. Colorido. 105 minutos.
É engraçado como as lembranças nos traem. Esses dias, um colega das antigas conversou comigo sobre Phil Collins. Nunca fui grande fã do cara, tampouco de sua banda Genesis. Aí afirmei que me marcaram bastante os trechos de Another Day in Paradise no filme Admiradora Secreta (Secret Admirer, 1985), clássico da Sessão da Tarde. Aquele pianinho mexia comigo, na época. Então ele me cortou: "Não tem essa música no filme, acho que nem existia na época". Então nada que o Google não solucione em alguns segundos. E, deveras, nada a ver. Aquele piano me lembra bastante Another Day in Paradise nos recônditos de minha alma, não sei o porquê, ainda mais quando é reprisado no final do filme. Mas se trata de uma composição do genial Jan Hammer, exímio tecladista checo. E, enquanto ouvia as composições de Jan Hammer, fiquei pensando em como chegamos ao fundo do poço, com tanto filme ruim, trilhas porcas e ausência total de encanto. Por acaso, achei o filme completo no Youtube, com dublagem clássica. Valeu a pena matar a saudade de um filme como aquele - da sensibilidade, do ótimo humor e de carinhas como C. Thomas Howell e da finada Kelly Preston, responsável por milhões de ereções adolescentes durantes anos a fio. RIP Preston, RIP cinema. Éramos tarados na Deborah. Mas amávamos a Toni. E, colegas, ainda hoje, para mim, Alguém Muito Especial (1987) é basicamente uma releitura mais dramática deste belo e simples filme. E, para complicar a coisa, Alguém Muito Especial é uma nova visão de John Hughes sobre A Garota de Rosa-Shocking (1986). Ah, o cinema teen oitentista... Abraços e até a próxima.
Moonfall traz o mote no título: a lua está caindo. Ou melhor: saindo de órbita, causando problemas à Terra devido à gravidade. O filme é legalzinho. Aquele tipo de sessão pipoca para relaxar, sem maiores ressonâncias emocionais. Tem aquela pegada de filme bobo, com piadinhas e clichês. Mas a ideia é bem interessante. É aquele tipo de história que, nas mãos de outra pessoa e executada com maestria, daria um filmão de ficção científica, tipo Lunar de 2009. Então senta que lá vem spoiler!
De início, vemos que algo inteligente atingiu nosso satélite e lhe perfurou a crosta. E a ideia é a seguinte: nossa lua não é um satélite natural. Trata-se de megaestrutura similar à Esfera de Dyson: no interior, anéis colossais o mantém em órbita precisa e obtém energia de uma anã branca capturada para esta aplicação - a de fornecer energia por bilhões de anos. Quem o criou foram nossos avós. Há milhões de anos, a raça humana existia noutras paragens. Vivíamos em paz e comunhão. Ocupávamos imensos planetas e, além deles, estruturas artificiais colossais. Aprendemos a capturar e extrair energia de sóis. E toda nossa vida era gerida por inteligências artificiais, com existência física em mecânica baseada em nanotecnologia. Um dia, essas inteligências se uniram e nos mataram. Antes do fim, construímos dezenas de "luas" e as enviamos para vários cantos do universo, em busca de condições ideais para criar planetas e semeá-los com nosso genoma. Mas a I.A. passou igualmente eras e eras em busca dessas esferas para destruí-las. E então nos achou.
Curiosamente, enquanto escrevia esta postagem, descobri que hoje teríamos uma superlua e bastou alguns minutos de espera para surgir no céu o espetáculo acima. Tirei as fotografias como pude (não sou bom fotógrafo), pensando nas sincronicidades da vida: falando de Moonfall e admirando esta belezura. Mas voltemos ao filme...
O protagonista é o ex astronauta que de herói nacional cai em desgraça devido à morte, no espaço, de um colega. Ele não teve culpa. No fundo, todos sabiam. E, aliás, havia até provas disso. Logo, ele está na miséria, devendo três meses de aluguel e se virando nos trinta. Seu filho o odeia e se torna porra-louca na vida e sua bela esposa logo lhe dá um pé na bunda e se casa com um ricaço. Então, no meio de tanta ficção fantasiosa mirabolante, essa é a grande real do filme: você, homem contemporâneo, não vale nada. Ele se torna um grande "ex" na vida: ex pai, ex marido, ex astronauta, ex herói. E, claro, todos os shapes de personagens estão lá compondo o elenco trivial: o "nerd" bobalhão que estava certo e que ajuda a todos no final, num rompante de bravura indômita; o herói derrotado que ressurge das cinzas, como falado; a "muié guerrêra", forte e determinada; as autoridades que por um triz não acabam com tudo; o filho rebelde que no final percebe como seu pai é foda etc.
Fica a sugestão de filme cheio de altas aventuras para o final de semana.
Abraços lunares e até a próxima.
Sinopse: Uma força misteriosa puxa a Lua para fora de sua órbita ao redor da Terra e a envia em rota de colisão com a vida tal como a conhecemos.
Direção: Roland Emmerich
Roteiristas: Roland Emmerich, Harald Kloser, Spenser Cohen
Artistas: Halle Berry, Patrick Wilson, John Bradley
Conquanto com o nome Minions no título, trata-se de um filme de nosso malvado favorito quando guri: sementinha do mal que já mostrava a que veio, soltando bombas de peido para esvaziar o cinema lotado, pregando o terror na sorveteria e fazendo o impossível para integrar, ainda imberbe e cabeludo, a trupe dos maiores vilões do planeta.
A trama: o ano é 1975 (sabemos disso devido a estreia de Tubarão). Gru participa de um concurso para substituir Wild Knuckles no sexteto supremo da vilania, supostamente falecido. Na verdade - e isso vemos logo no início - ele foi traído por seus comparsas ao roubar a pedra mística com poder de transformar o agora quinteto em super bestas imbatíveis. Rejeitado de ingresso no sexteto durante a entrevista, Gru rouba a joia do zodíaco, a perde logo após e se vê envolvido numa grande trama entre vilões e mocinhos.
Trata-se de um filme para pimpolhos. Mesmo assim o achei insosso. Faltou até açúcar. Faltou molho, temperos, tudo. Eu tinha nove anos de idade quando vi a estreia d'A Bela e A Fera, uma obra de arte soberba até para os dias de hoje. E, atualmente, minha filha com sete anos de idade teve que optar entre Minions 2 e Lightyear. Obviamente não a deixei assistir a este porque não a quero sendo estimulada por beijos e carícias gays - tampouco héteros. Os pervertidos que ocupam estúdios, hoje, teimam em meter sexualidade explícita em qualquer porcaria. Quando ela se entender por gente, fará suas escolhas de acordo com seus impulsos e desejos. Ainda é muito cedo para inundá-la com isso. E, claro, não pretendo financiar a turma woke com meu suado dinheirinho. Não podemos evitar tudo. Mas algo podemos, sim, boicotar.
O filme é em 3D, o que me irrita. É muito 3D e acho chato meter aqueles óculos por cima dos meus. Penso que o recurso deveria ser algo esporádico e em poucos momentos do filme. Quando eu tinha dez anos de idade, fui ao cinema com a molecada assistir a A Hora do Pesadelo VI - Pesadelo Final, com o novíssimo 3D. Na entrada, recebíamos óculos de papelão branco com celofane azul e vermelho. Antes do filme começar, fomos avisados que só deveríamos colocá-los quando a filha de Freddy Krueger também o fizesse. Foi uma ótima experiência, para a época. Mas bastou. Até minha filha reclama de passar o filme todo com os óculos.
Me chamou a atenção que, na sessão, havia apenas minha filha e mais duas de público infantil. Os demais eram todos marmanjos e moças que foram ali apenas para ver aquela abobrinha. Isso não deixa de ser assustador.
O tempo passa, o tempo voa e nem a poupança Bamerindus continuou numa boa. As coisas mudam e um filme como Os Caça-Fantasmas (1984/89) não serviria para os dias de hoje. Cada época tem o seu paladar. É como o sabor tutti-frutti, que vai mudando de acordo com região, clima e época. Então não podemos sentar para assistir algo novo da franquia esperando o que víamos quando guris. Mas o passado pode ser homenageado. E o novo pode agradar a várias idades com respeito à nossa inteligência. E assim foi com Os Caça-Fantasmas - Mais Além, filme divertido do ano passado.
Confesso que não queria ver a produção. Fiquei com medo de intoxicar meus sentidos, após aquela monstruosidade filmada em 2016. No entanto, vale a pena. E o melhor: o filme dá continuidade à franquia como se aquela abominação nunca tivesse existido. O filme das empoderadas foi satisfatoriamente extirpado da cronologia.
Na trama, Egon Spengler, o ex-gênio da trupe assombrada, tem seus últimos dias, vindo a falecer em confronto à malévola entidade Gozer (sim, a mesma do primeiro filme). Logo após, conhecemos seus descendentes: a filha com quem não mantinha contato e dois netos, herdeiros de sua fazenda na pacata cidade perdida no fim do mundo: Summerville. Como era de se esperar, eventos estranhos rondam a região e caberá à gurizada salvar o mundo, com direito à ajudinha (lá no final) da formação original, até mesmo com um Harold Ramis (o Dr. Egon) recriado digitalmente, já que é falecido desde 2014. E, no meio dos créditos, ainda temos Sigourney Weaver de brinde, dando choques no Dr. Bill "Venkman" Murray.
É um filme despretensioso, mas que lavou a alma da franquia após a lacração acéfala de 2016. Todos os elementos que tornaram Caça-Fantasmas o que são estão lá: o fantasma Papa-Metal que sucede "espiritualmente" o que, no desenho animado, chamamos de Geleia; pequenos Mr. Stay-Puft; os cães lazarentos do inferno que incorporam em pessoas indefesas e a própria Gozer, como já falado. Aliás, os novos tempos estão ali na pessoa de Gozer. Aproveitando sua imagem andrógina, uma das pirralhas adverte que a entidade não é "ela" nem "ele", pois está além de gêneros, ao que a outra responde: "Politicamente correto há 3000 anos antes de Cristo". E até Janine deu as caras, logo no comecinho.
As homenagens não são apenas aos filmes anteriores da franquia. O professor Grooberson, para ocupar os alunos perdedores, põe filmes de terror antigos, em VHS, na TV de tubo, para a estranheza dos guris que não aceitam bem aquelas produções datadas, como Cujo (1983) e Brinquedo Assassino (1988). É ele dizendo por nós: "Vejam, nós adorávamos essas porcarias".
O filme tem o mérito de ligar a pequena Summerville e o metal ali extraído com a edificação do prédio onde Gozer surge, em Nova Iorque, na obra de 1984. E, no final, o inesquecível automóvel Ecto-I nos é mostrado retornando à grande metrópole, certamente em busca de novíssimas aventuras.
E antes que você pergunte: claro, os créditos são embalados pela Ghostbusters de Ray Parker Jr.!
Terror em Silent Hill (2006) está disponível na grade da Netflix e o vi novamente. Mas agora com outros olhos: após jogar os três primeiros volumes da franquia. E, se na época do lançamento me pareceu apenas um bonzinho filme de terror, hoje me parece uma realização que honrou a fonte primeva. Mesmo com as devidas licenças estéticas e de enredo para se adequar à linguagem cinematográfica, os principais elementos do videogame estão lá, desde a trilha de Akira Yamaoka (também foi produtor executivo da película) a algumas pegadas de câmera fixa e semifixa. Certamente, o filme não chega aos pés da narrativa desenvolvida nos três primeiros jogos, mas vale a pena assisti-lo até mesmo para passar o tempo.
Quando joguei Silent Hill pela primeira vez (e isso se deu pelo segundo jogo, como falei aqui), me chamava a atenção o grito quase de dor e de angústia do protagonista James Sunderland, ao meter paulada nos monstros. O mesmo ocorreu com Harry Mason no primeiro jogo, que grita desesperadamente quando atira ou bate nos bichos sinistros que ocupam a cidade. Além da ambientação sombria e claustrofóbica, aliada à ótima narrativa, os jogos também possuem quebra-cabeças refinados, como o do piano em SH01, onde confrontamos o poema Aves Sem Canto com teclas machadas de sangue (vídeo abaixo).
Em 2012, houve a continuação Silent Hill: Revelação, bem mais fraca, mas ainda assim tentando honrar sua origem. Seria bacana se esses filmes, quando disponíveis no streaming, viessem em conjunto com sequências e prequelas.
Bill Gates avisou e vem aí a varíola. Sempre achei interessante essa tara de Gates com varíola. E agora ela está aí para seu deleite. Fujam para as coberturas de seus prédios (já que não dá para ir às colinas), estoquem água e comida enlatada, remédios e dois litros de uísque! A próxima pandemia bate à porta, ao gosto da elite globalista que não desperdiça uma oportunidade de refundar a Terra.
Essa contaminação me recordou o filme Ao Cair da Noite (It Comes At Night, 2017), que passou alguns meses na grade da Netflix e pode ser achado, hoje, na HBO. O mote é banal: pandemia tomou conta do mundo e as pessoas estão isoladas, com medo, sem acesso à água, comida, remédios, nada. Não há o que fazer, pelo que entendemos. Muitas explicações não são dadas. Quase nada é explicado, na verdade. Vemos a pandemia de algo que se parece com varíola e bulbos da peste negra pela visão de uma família isolada no mato, onde mantém rígidos esquemas de segurança - inclusive sanitária.
A primeira cena revela o vovô da casa sendo sacrificado e incinerado por seus genro e neto, pois está às últimas, infectado. Ele realmente era bastante amado pelos seus. Mas não havia o que fazer. Logo, topam com um sujeito tentando invadir a casa e o dominam. Ele afirma que estava apenas em busca de outro local para se instalar com mulher e filho, que o esperam num refúgio. E estava falando a verdade. Logo, ambas as famílias passam a conviver na mesma casa e têm dias felizes. Até que a doença chega à residência e todo mundo perder a humanidade.
É um filminho bom. Sem rame-rame ou enrolation, simples e bonito. Não muito longo (1h37m), com atuações decentes e roteiro competente. Atualmente está com nota 6,2 no no lodaçal do IMDb, o que é uma boa pontuação para algo produzido sem maiores pretensões que a de tapar buraco de grades. Se o acharem em alguma plataforma, deem uma conferida. Vale a pena.
Assim que lançaram Love, Death & Robots na plataforma Netflix, assisti no primeiro dia. Como rejeitar uma antologia de animações curtas, eu que gostava de acompanhar no Vitrine ou Metrópolis da TV Cultura matérias sobre o Anima Mundi, apenas para ver segundos dos trabalhos ali inscritos? Fora os DVDs que catava por aí, custando os olhos da cara - ainda hoje guardo a antologia original Memories de Katsuhiro Ôtomo e minha cópia pirata de Animatrix.
Se a primeira temporada de LD&R foi maravilhosa, a segunda foi broxante. Realmente fiquei meio bolado como a qualidade de algo poderia ter caído de forma tão abissal. Eis que surge o terceiro volume e, colegas, que maravilha. São nove episódios curtinhos com de tudo um pouco: o bom humor dos três robôs da primeira temporada fazendo um tour pela Terra pós apocalíptica, desta vez tirando sarro dos sobrevivencialistas e dos mega ricos em búnqueres; a poesia sci-fi d'O Mesmo Pulso da Máquina, onde Io, lua de Júpiter, nos é mostrada como uma grande máquina, numa trama que parece misturar um pouco de 2001: Um Odisséia do Espaço e Solaris; a beleza macabra na obra-prima digital Fazendeiro, onde fiquei pasmo com uma CGI daquele porte, quando em tempos atuais a Marvel divulga o trailer ridículo de Mulher-Hulk com recursos gráficos bisonhos; e narrativas inteligentíssimas em aventuras como Viagem Ruim (que ganhou direção de David Fincher - O Clube da Luta e outros).
É difícil dizer qual o melhor episódio, porque gostei de todos, inclusive dos bem-humorados. Mas me divido entre Viagem Ruim e Fazendeiro. No primeiro, marinheiros navegam águas distantes (creio que num novo mundo, numa possível colonização espacial humana ou no multiverso), quando topam com um crustáceo gigante (thanapod) perfeito em todos os aspectos da sobrevivência: resistente, ágil, habilidoso e inteligentíssimo. Torrin é o marinheiro herói e anti-herói da trama, belo exemplo de honradez, astúcia e força, capaz de tomar as decisões mais cruéis pelo bem maior, com risco à sua própria vida. Mas a beleza macabra de Fazendeiro mexeu profundamente comigo. Neste último episódio, uma sereia cujas escamas são de ouro e pedras preciosas se apaixona e é imolada nas mãos desta paixão - o único homem que não sucumbiu ao seu canto (pois é surdo). Fiquei imaginando um jogo de videogame com CGI tão bela e avançada quanto aquela (para jogar num PC da NASA, creio). Da paisagem natural eletronicamente construída à concepção dos personagens e à poesia de uma trama sem diálogos, tudo ali é uma obra de arte refinadíssima. Roteiro e direção por Alberto Mielgo. Ele também foi responsável pelo episódio A Testemunha da primeira temporada, de maneira que há semelhanças claras entre a protagonista daquele episódio e a sereia-cigana de Fazendeiro.
Em resumo: valeu a pena dar uma chance a este volume após a decepção com o anterior.
"Um caubói duro na queda e um garoto pra lá de corajoso juntam-se a Macho, o galo mais maluco do pedaço, para altas aventuras contra os bandidos mais sinistros." Se fosse na Sessão da Tarde, esta seria a chamada para Cry Macho, filme dirigido e protagonizado por Clint Eastwood, o último grande ator/cineasta ainda vivo de Hollywood. É um filme estranho, com mote fraco e desenvolvimento que não convence, baseado na obra homônima de N. Richard Nash, cujo roteiro foi adaptado por ele mesmo pouco antes de seu falecimento.
Na trama, Mike Milo é um premiado caubói com todo o peso da vida (e da idade) sobre as costas, com a missão de trazer, do México, o filho de seu ex patrão. Os motivos, saberemos lá pro final da história. Rafo, o garoto, deveria conviver com sua mãe, a belíssima Leta - rica, promíscua e viciada. Mas opta por viver nas ruas, entre rinhas de galos e pequenos furtos. Para consolidar o clichê, Milo conquistará o coração e a mente do jovem rebelde e ambos criarão um vínculo fraternal como se tivessem se conhecido desde sempre. A mãe de Rafo não quer deixá-lo ir e os capangas a seu serviço não facilitarão. Basicamente, é isso.
Vale por ver Clint Eastwood na tela, carregando o peso de nove décadas (mal consegue andar direito) e por nada mais. Num dado momento, chega a ser ridículo quando tentam nos convencer que aquele homem decrépito está domando cavalos selvagens, firme e forte. E também quando ele desperta desejos sacanas da mexicana Leta. Mas ok. Dá para aceitar porque Eastwood não é qualquer um, tendo estrelando filmes maravilhosos como a Trilogia dos Dólares e uma das obras-primas da sétima arte: Três Homens em Conflito! Para mim, é um dos maiores Diretores da história, como falei em Meia-noite no jardim do bem e do mal.
Este pode ser o último filme de Clint Eastwood. Não o vejo se arriscando mais numa empreitada similar. E, se for, ao menos manteve sua identidade até o final: o caubói não se entregou e não há espaço no mundo para floreios sobre "gente boa" e "gente má": todo mundo é filho da puta. Os mexicanos não são gente pobre do bem e os texanos disputam a canalhice pau a pau. Mike Milo, numa visão meio epistemológica da coisa, é apenas o agente que observa, a nosso serviço.
Cry Macho vale a pena? Se você estiver à toa e ele estiver disponível facilmente, sim. Percebi que a avaliação no iMDb está cada vez pior. Claro que aquilo não quer dizer muito, algumas vezes, considerando, por exemplo, que The Batman (2022) tem nota superior aos dois filmes de Tim Burton. E, não raro, o iMDb altera cálculos quando algum filme lacrador é "atacado" com críticas e notas negativas, a exemplo de Marighella. Mas isso é um indicativo que Eastwood poderia se aposentar de vez antes de bater as botas com o "estigma Renato Aragão": grandes homens que não sabem envelhecer sem largar o osso e passar vergonha.
O OASIS inteiro é um cemitério gigante, assombrado pelos ícones da cultura pop morta-viva de uma época remota.
O santuário de um velho louco para um monte de porcaria inútil. (p. 288)
Falei um pouco sobre o romance Jogador Número Um e sua adaptação para o cinema. Foi um bom livro de Ernest Cline e, não exagero, vivi e revivi tanto aquele universo cultural evidenciado no romance que não perdi quase nenhuma referência, mas apenas as relativas a jogos mais obscuros. Assim, arrisco que 90% do romance me desceu redondo. Foi gratificante lê-lo e divertido assistir ao filme de Steven Spielberg, com roteiro do próprio Cline em parceria com Zak Penn. Quem quiser conferir, acesse Um mundo sem erudição em Jogador N.° 1.
Na sequência (Jogador Número Dois), Wade Watts torna-se um dos homens mais poderosos do planeta, juntamente com sua trupe de intrépidos e impávidos geniozinhos do mundo virtual. A IOI - megacorporação malvada que só pensa em lucro - acabou definitivamente e Wade tornou o Oasis ainda mais relevante ao mundo após a descoberta de INO (Interface Neural OASIS), onde todos os sentidos humanos poderiam ser levados à realidade virtual, tornando-se, assim, uma quase extensão da realidade física. E mais: a tecnologia INO possibilita a captura de nossa consciência, ao criar clones de seres humanos, aptos a habitarem eternamente ambientes virtuais. Mas surge um novo vilão: a captura de consciência de James Halliday (sua versão digital, de certa forma), gênio da tecnologia que iniciou toda a corrida pelo easter egg que, encontrado por Wade no primeiro romance, lhe deu acesso a toda a fortuna do magnata e o acesso à condução do OASIS. Nesta sequência, a concepção de Wade e do finado Halliday como pessoas que nem para anti-heróis servem só cresceu. Assim, Wade está mais fraco do que nunca, emasculado e perdido, sem o norte da mulher forte em sua vida: a moralmente superior Samantha, sempre certeira em suas atitudes, sem falhas morais e independente da presença de homens tóxicos ao seu lado (tanto que abandonou o pobre trilionário Wade, logo após ele repartir a herança de Halliday com todos, inclusive com ela).
Para sua evolução, a fim de tornar-se alguém melhor e poder ser aceito novamente por Samantha, Wade explora experiências na INO-net, onde diversas consciências e vivências podem ser compartilhadas e vivenciadas como se fossem suas. Assim, ele é grato pela existência do O-gênero, pessoas que vivenciavam o sexo exclusivamente por meio de seus headsets INO "e que também não se limitavam a vivenciá-lo com um gênero ou orientação sexual específica", e chega a afirmar que: "Graças a anos navegando pela INO-net, agora eu sabia como era estar na pele de todo tipo de pessoa, fazer todo tipo de sexo. Eu transei com mulheres sendo outra mulher, e com homens e mulheres sendo homem. Reproduzi arquivos .ino de vários tipos diferentes de sexo hétero, gay e não binário, apenas por pura curiosidade, e cheguei à mesma conclusão que a maioria dos usuários INO: paixão era paixão e amor era amor, independentemente de quem eram os envolvidos (...)" (p. 107). Muito fofo isso, gente!
Se Wade é frouxo e este é o protagonista ideal na concepção de Ernest Cline, o destino de James Halliday, neste segundo livro, é pior: misógino e fascista, é assim que ele é descoberto na trama, para o desapontamento de todos. E nem John Hughes escapou da sanha revisionista de Cline. Embora o livro dedique à obra cinematográfica de Hughes dezenas de páginas, sua obra é apontada como errática em diversos momentos, por falta de representatividade, mesmo que o autor/diretor tenha escrito baseado em sua vida, nas experiências que viveu, entre as pessoas que compunham sua bolha. Sou escritor amador, como falei aqui; e todos os meus trabalhos se passam no mundo que conheço, entre as pessoas que conheço e conheci no agreste e semiárido; não há gaúchos em terras verdejantes no que escrevo. Nas palavras de Aech (garoto trans negro), a obra de Hughes é um "inferno branco", se perguntando: "Será que tem uma pessoa negra sequer nesta cidade?". Mas a sempre sensata Samantha lhe responde: "Este planeta tem um sério problema de diversidade, como todos os filmes dos anos 1980". Ela cita "este planeta" porque, no OASIS, Halliday criou diversos planetas exploráveis, em homenagem às suas paixões da juventude: filmes, música, jogos etc.
Para não ficar muito longo, paro por aqui sobre Jogador Número Dois. Mas ficou claro que a cultura pop contemporânea não comporta mais produções que não se curvem às pautas ideologicamente "corretas". E assim foi o Batman de Matt Reeves, que veio para tentar limpar de nossas memórias o Batman fascista do facista-mor hollywoodiano Christopher Nolan.
Gatos comem morcegos? (...) Morcegos comem gatos?
Alice no País das Maravilha
Eu queria ter visto The Batman no cinema para manter a tradição de quando, desde 1989, assisti à obra-prima de Tim Burton. Não assisto a mais nenhuma produção de súperes, exceto Batman, por amor ao personagem. O Cruzado Encapuzado representa uma ideia poderosa, mesmo quando na feira da fruta. Mas, pelo que vi neste último filme super duper, afundarão - em breve - o morcego numa cova rasa, sem honras. Mas vamos lá. Queria ter visto no cinema, mas os lunáticos do lockdown conseguiram quebrar os dois cinemas da pequena cidade onde resido. Devido às restrições, os multicines não conseguiram retornar sem antes quitar uma penca de dívidas e encargos acumulados. Sem saco para procurar alguma versão socializada, vi apenas hoje na HBO. E, colegas, que bosta.
Acredito que, em breve, Batman será mesmo o vilão dos próximos filmes, um entrave às revoluções sociais implementadas por gente boa como Coringa, Charada e toda a trupe. Aliás, o que eles andam fazendo no Arkham, vítimas do sistema manicomial burguês? Não é improvável os roteiros evoluírem para isso, considerando que, nesta grandiosa produção de duzentos milhões de doletas, ninguém presta. Nem Batman, aliás, que quase se vê levado ao lado obscuro da força! Na trama, o macho tóxico é a causa de todos os males sociais. Selina-Gato (uma jovem negra empoderada) chega a dizer isso explicitamente, quando menciona os "babacas brancos de Gotham". Mas ela não está sozinha nesta empreitada. O único policial honesto da cidade também é negro (Gordon) e ajudará a salvar a vida da futura Prefeita que limpará a cidade das mazelas sociais: a beldade negra e aguerrida Bella Reál, praticamente uma personalidade à altura de Kamala Harris! Ela, sim, possui as causas e os valores corretos, em meio a um lodaçal onde até mesmo os pais de Bruce têm segredos podres sepultados em sangue e corrupção.
Em 1989, antes da Era da Lacração (esta, definida por Eric Hobsbawm como: o justo e adequado comando da geopolítica, cultura e entretenimento via Twitter), Burton escolheu o brilhante Billy Dee Williams para dar vida a Harvey Dent. Mas, ali, ele não era a única maça saudável do pé: Bruce já secara as lágrimas pelo passado, o crime não tinha qualquer plausibilidade e Thomas Wayne ainda podia descansar em paz, como cidadão honrado que foi.
De qualquer forma, o filme possui grandes momentos, pois pequenos elementos mitológicos, a bem (ou mal) da força, se fazem presentes: engenhocas mortíferas para ceifar vida com dramaticidade, os gatinhos de Selina Kyle, o ar detetivesco na concepção até mesmo da capa do Morcego ou coisinhas menores, como quando Oswald Cobblepot está com pés e mãos atados e precisa andar como se fosse um pinguim. E também há explosões e perseguições!
Eu pensei que Matrix Resurrections (também visto no ótimo serviço da HBO Max) seria minha grande decepção deste ano, mas me surpreendi. Matt Reeves seguiu a lição de Ernest Cline e, assim, ficará bem na fita, livre dos ataques de tuiteiros - embora tenha sofrido uma pequena crítica por ter escolhido um asiático a ser espancado logo no início do filme.
Às vezes penso por que não fui para a vida acadêmica ou carreira militar. São bons lugares para bestar, ganhando bem. Tenho parentes professores nas "federais" tupiniquins e é só moleza. Alguns ainda estão em casa devido à pandemia eterna, gritando "Fora Bozo!" e com o holerite em dia. E, quando voltarem a lecionar, serão no máximo dois dias na semana, pois são poucas horas de sala de aula por semana e o restante é embromação. Já militares se aposentam cedo e ainda ganham um troco quando partem para inatividade, como forma de carinho do Estado. O trabalho é leve, basicamente administrativo e de treinamento para o caso de eventual estado de defesa etc. Nunca vi militar pegar no pesado. E nem devem, aliás. Se não há guerra, que curtam a vida lendo as ordens do dia sobre as ordens do dia para as ordens do dia, até o dia acabar. Já o serviço público onde me encontro há quase dezoito anos está indo para a pocilga e não tenho mais ritmo nem saco para estudar e pular fora. Aguardo apenas o naufrágio. Mas vamos lá...
Tenho uma casa que nem queria vender. Então um conhecido que estava na iminência de reformar como Capitão, morando há uns anos em vilas militares pelo Brasil, me disse querer comprar o imóvel, pois sairia da residência funcional e ficaria morando na cidade, pois criara vínculos na região (devido a parentes da esposa) e porque continuaria atuando no serviço militar, reformado, mas como prestador de serviço civil. Uma das inúmeras situações esquisitas encontradas em nosso serviço público.
A casa era ideal para ele: perto do serviço e com garagem imensa (ele possui vários veículos). Então ele me ligou certa vez e disse que, no dia seguinte, iria até mim fechar o negócio, aproveitando o tempo até lá para aguardar a confirmação de Deus. É um cidadão religioso, notório por isso. Qual meu espanto quando, no dia seguinte, ele me procura com o pastor de sua agremiação religiosa para ver o imóvel. A confirmação de Deus era o aval pastoral. Pensei que seria oração! E, no caso, o pastor tinha outras casas em mente, para seu fiel. Então o colega milico desistiu do negócio. Para mim, tanto faz. O imóvel nem estava à venda. Ele que me procurou dizendo ter interesse! Já deve ter se arrependido.
Tenho um colega de trabalho que é Batista. Ele entrega ao pastor dez por cento de sua renda líquida. Certa vez, num jantar, me confidenciou ser um homem mau, que possui bastante maldade dentro de si e narrou alguns de seus costumes passados. Então a religião lhe fez bem, ajudando-o a ser alguém melhor. E creio nisso. Não tenho religião. A última vez que demorei numa Igreja foi para o batismo de minha filha. Minha esposa gosta de igrejas católicas e vai com a família dela. Mas defendo todas as formas de religião, pois, em regra, por uma visão meramente utilitarista da coisa, faz bem: retira o sujeito das drogas, do alcoolismo e o ajuda a tentar ser alguém melhor. Isso além das obras sociais e das contribuições históricas à saúde, ciência, artes e educação (no caso do cristianismo, claro). Então é isso: religião é uma coisa boa, o problema é a mente fraca das pessoas. Dito isso, vamos a este duvidoso filme nacional: Deserto Particular.
Daniel (Antônio Saboia) é um policial curitibano que fez merda no serviço. Não fica claro, mas me parece que, durante a formação de oficiais novatos, ele levou um aluno ao coma. Enquanto sua cabeça está sob a guilhotina, aguardando julgamento e sanções administrativas (está suspenso e sem grana), seu pai encontra-se esclerosado, cagando nas calças e com o pé na cova. Sua irmã lhe diz que se encontrou como lésbica (choque!) e ele precisa ganhar a vida, temporariamente, como segurança em festas privadas. Seu único alento é a amizade virtual com Sara: moradora de Sobradinho, cidade baiana. Então, repentinamente, Sara deixa de responder às suas mensagens e ligações. E ele, com a cabeça fodida, vai de Curitiba até Sobradinho numa Chevrolet D-20 cabine dupla que eu, particularmente, adoro. E, chegando lá, descobre que Sara é Robson (Pedro Fasanaro), um pequeno gay da cara espinhenta com um desejo reprimido de ser mocinha. Para quem estava com a cabeça fodida de tanto problema, o sujeito quase surta de vez, pois deu uns amassos no jovenzinho, com direito a pegada na piroca para descobrir se é macho ou fêmea.
O filme consegue ser bonito. Sai do frio para a aridez nordestina. Acho, no entanto, que exploraram mal a paisagem em torno do Velho Chico. A barragem de sobradinho e seu entorno são lugares exuberantes e, na tela, pareceu tudo meio morto. Tanto Juazeiro quanto Petrolina (abordadas brevemente no filme) são cidades lindas e, para mim, pouco lugar é tão bom para tomar uma cerveja quanto suas orlas. Mas, no geral, a fotografia me encantou, especialmente pela ambientação noturna. A cena onde Daniel descobre que "ela é ele" se deu perto da eclusa, lugar que gosto bastante. E à noite! Se esteticamente a produção agrada, no enredo deixa aquele cheiro de afetação. A avó de Robson, evangélica ferrenha, une-se ao pastor para lhe curar do "males do homossexualismo", tão logo o encontra usando vestido. Ele é levado a um ex-travesti (Flávio Bauraqui), hoje irmão atuante no templo, que trocou a felicidade pela salvação, conforme suas palavras. Mais à frente, o pastor encontra fotografia de Robson como Sara, e ameaça expô-lo (exposed consagrado?), caso não se liberte das tentações do capiroto. Então ele decide ir para o Rio de Janeiro, não sem antes ter uma noite de sexo ardente, num banheiro de rodoviária, com o Daniel, mais manso após meditar a respeito de sua condição. Infelizmente, num filme com duas horas de duração, não há como desenvolver personagens assim, sem ser abruptamente. Mas até que, nos poucos minutos disponíveis e após diálogos bem escolhidos, as conversas entre Daniel e Robson servem bem para mostrar um pouco dessa "conversão" de Daniel. Ou melhor: dessa aceitação.
Infelizmente, o filme precisa "sambar na cara da sociedade patriarcal opressora machista e religiosamente reacionária". E mostrar o cristianismo como adversário da comunidade LGBTQYZ+H2O foi de mau gosto tremendo e, penso, um desfavor tanto aos cristãos quanto aos gays. Quando o "irmão" interpretado por Flávio Bauraqui se afirma infeliz por deixar de ser travesti, mas árduo na sua busca por salvação, a mensagem anticristã é ostensiva e parece declaração de guerra. E, assim que a vi, lembrei logo dos amigos gays, lésbicas e transexuais de minha esposa, com os quais mantemos relativo contato, todos frequentadores de igrejas e templos, se dando bem ali, sendo quem são. Um deles até canta toda semana num templo evangélico! Até onde sabemos, ninguém lhe pergunta sobre o furico. O irmão ex travesti poderia estar feliz em sua escolha, assim como Sara/Robson, igualmente, também poderia se manter feliz sendo quem. Tão simples. Quem precisar e quiser, que se encontre na religião, em templos, igrejas, sinagogas, terreiros ou explodindo-se em troca de quarenta virgens.
Na postagem anterior, falei da bancarrota do Oscar enquanto instituição cultural que já foi. E, creio, Deserto Particular poderia ser algo melhor, um belo filme como Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005), e não um lixo como Moonlight (2016). Mas, para ser o candidato brasileiro ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, a lacração precisa ser ostensiva. Além disso, se auto proclamou "filme sobre amor em tempos de desamor". Francamente, não sei de onde essas pessoas retiraram a ideia que já houve tempos de amor e paz plenos na humanidade. Há uma história de Constantine que gosto bastante, chama-se Todos os dias seguintes, da brilhante fase Garth Ennis e Steve Dillon. Ainda a tenho na coleção, num gibi da extinta Metal Pesado - Hellblazer n.º 03, de 1998. Na trama, John encontra uma entidade vampírica antiga, vagante do espaço sideral, que posou na Terra na aurora dos tempos e derramou o sangue do primeiro homem. Mas ele diz: "Antes de eu tê-lo encontrado, ele tinha matado o seu filho mais velho, em uma briga por uma manga.". Pela visão cristã, todos nascemos infectados pelo pecado original. Apenas com força de vontade, fé e meditação (oração), nos tornamos pessoas melhores. A ideia que o homem nasce bom é delírio de Rousseau, o primeiro esquerdista da História, sem qualquer base histórica, humana, psíquica etc. Rousseau não cuidou nem dos próprios filhos, nunca trabalhou e, realmente, não conheceu a vida, assim como as pessoas responsáveis por Deserto Particular. Na aurora do homem, Caim matou Abel. Até Ötzi foi assassinado! Alguém escalou 3.000 metros, há cinco mil anos, no gelo, para matar Ötzi. Aí vem essa turma cheia de pó falar em "tempos de desamor", com filme meio-boca para curar os "males do conservadorismo".
Achei bacana, entretanto, a escolha de Total Eclipse of the Heart para dois momentos relevantes do filme. Nada como o mais brega do flashback para contrastar com os desertos nordestinos.