segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Forrest Gump de Winston Groom



"Preciso fazer xixi."
Gump, Forrest

Eric Roth levou para casa o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por Forrest Gump, desbancando Frank Darabont pelo trabalho em Um Sonho de Liberdade. Acho esquisito isso, pois penso que deveria ser Melhor Roteiro Original, considerando sobretudo que seu trabalho magistral não tem quase relação alguma com o livro mediano de Winston Groom. Este, certamente teria caído em total esquecimento se não fosse pelo filme. São raros casos assim, mas existem. Às vezes, a adaptação para o cinema fica melhor que a obra primeva. Podem me criticar e achar o contrário, só creio, por exemplo, que livros como Clube da Luta, A História Sem Fim e Entrevista com O Vampiro (dentre outros) só vendem bem porque tiveram roteiro adaptado superior ao original.

Não falarei tanto sobre o brilhante filme de Robert Zemeckis porque, se você nunca o viu, falta algo em sua vida. Corra atrás urgente! Acerca do livro, destaco de plano ser escrito tentando emular a linguagem coloquial, com supressões inclusive de letras. Nada de novo sob o sol, vez que, aqui mesmo no Brasil, autores modernos tentavam artifício similar há décadas. A trama é narrada em primeira pessoa e não tem nada a ver com o cara num banquinho de praça contando sua vida extraordinária. São memórias de uma vida de alguém classificado como idiota savant. Basicamente, um burro prodígio. E assim é Forrest, incapaz de se sair bem numa prova escrita de Educação Física porém brilhante em cálculo avançado. Aliás, esse seu dom para matemática foi posto de lado no filme. No livro, bom número de páginas é dedicado à sua fase estudantil, onde praticamente vivia isolado e sem amigos. Até mesmo Jenny Curran não foi grande presença em sua infância. Sequer sua mãe o foi em sua vida, sempre se dirigindo a ele qual um reles idiota. E tampouco Gump foi um filho tão bom como o construído no cinema.

Deveras, o Gump de Winston Groom se envolveu em feitos extraordinários: a) jogou bem futebol americano e, aliás, é dotado de grande porte físico; b) teve papel importante na abertura comercial chinesa jogando pigue-pongue; c) foi ao Vietnã e retornou com honras; d) viajou pelo espaço acompanhado de uma cientista e um orangotango que o acompanharia pelo resto de sua vida; e) perdeu-se na África por anos, quando sua espaçonave caiu, convivendo com canibais; f) ganhou muito dinheiro com camarão; g) se mostrou grande músico, integrando até mesmo uma banda; h) foi exímio enxadrista; i) abandonou tudo para acabar sua vida tocando em ruas, a troco de... trocados, sendo sempre acompanhado pelo Tenente Dan e o gigantesco símio.

Forrest Gump é um livro para mero entretenimento, cheio de trechos que não convencem, às vezes mal construído e com único propósito de tentar ser cômico. Não espere sequer uma página dramática. Até mesmo seu reencontro com Jenny e seu filho, ao final, é rápido e por mero acaso, vez que ela está bem casada e o marido mostrou-se bom padrasto para o garoto. Não há muita relação com o Gump de Roth/Zemeckis, a não ser poucos aspectos. Não compreendo sequer por que a capa do livro traz o icônico banco de praça do cinema, já que a narração se dá à toa, a esmo, sobre toda uma vida. O próprio narrador-protagonista nos diz, ao final, que de repente envelheceu, chegando aos 60 anos de idade. E é só. Ele não narra sua vida a ninguém, mas a si mesmo.

O filme de 1994 ficará para sempre na História. Às vezes eu preferiria nem ter lido o romance, pois parece sujar as vivas imagens que possuo da trama desde que, adolescente, loquei o VHS assim que lançado e, anos à frente, o gravei quando exibido pela primeira vez na Tela-Quente da Globo. Mas foi uma leitura rápida e não tomou bastante tempo. E serviu para reforçar minha visão sobre o Cinema enquanto nobre forma de arte, jamais abaixo da Literatura, como teimam alguns.

A edição comemorativa de 30 anos de Aleph, por sua vez, é linda. São 392 páginas de papel pólen bold 90 g/m² em capa dura com relevo e sobrecapa dupla face, com generosas fontes coloridas que respeitam nossa visão cansada. O projeto gráfico é impecável e tenta nos remeter à alma americana, com suas cores, listras, estrelas e um trabalho tipográfico entre capítulos similar às chamadas de época (parabéns ao Pedro Henrique Barradas). As ilustrações de Rafael Coutinho são razoáveis vez que o próprio artista é apenas razoável. A tradutora Aline Storto Pereira deve ter suado bastante para encontrar, em nosso idioma, o tom coloquial e simplório buscado pelo autor.

Em resumo: se algum dia estiver com bastante tempo livre e certa curiosidade, leia este romance. O filme, veja e reveja até as imagens colarem em seus miolos. Ah, e a caixa de bombons também está lá, no primeiro parágrafo, apenas para situar o narrador como alguém de ideias desconexas: "Deixa eu te dizer uma coisa: ser idiota não é nenhuma caixa de chocolate.".

Abraços achocolatados e até a próxima.







4 comentários:

  1. Nossa, a edição ficou maravilhosa, apesar de eu não curtir muito esses livros com capa removível porque não sou a pessoa mais repleta de destreza do mundo, pelo contrário, sou bem destrambelhada e me imagino rasgando sem querer e depois chorando minhas pitangas pelo rasgo. Eu já sabia que o filme fora baseado no livro e sabia que a adaptação tinha sido completamente diferente do livro porém não que era superior. O autor mesmo falou bem mau da adaptação em todos os depoimentos do mesmo que li. Também não sabia que História Sem fim era um livro até semana passada. Porém tenho que concordar com relação a Clube da Luta e Entrevista com o Vampiro. Tenho os dois aqui e por mais que os ame, os filmes são bem mais divertidos. Entrevista com o Vampiro mesmo, é um livro parado e até mesmo maçante em alguns momentos. Quanto a Forrest Gump, eu já perdi a conta de quantas vezes assisti a adaptação. Lembro que nas primeiras vezes que vi, quando adolescente, "Run, Forrest. Run!" virara uma expressão comum no meu vocabulário de adolescente pseudo-diferentona. É um filme divertido e fiquei chocada em saber que o Forrest do livro é uma pessoa completamente diferente. Talvez um dia eu o leia, separando bem o personagem em dois para não influenciar minha opinião.

    Abraço,
    Parágrafo Cult

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    1. "Run, Forrest. Run"

      Curioso vc citar esta passagem, pois seria o que eu usaria em epígrafe a esta postagem. Mas, como queria escrever mais sobre o livro, resolvi citar o que mais se repete nele. Acho que integrou o vocabulário de muita gente de minha época. Recordo quando uma amiga estava fazendo prova física para Delegada de Polícia, no final de 2004, e um cara começou a gritar para um gordinho: "Corre, Forrest. Corre". Sim, isso aconteceu, mesmo. E o gordinho se saiu muito bem com o incentivo moral.

      Costumo retirar a sobrecapa para ler, pois sei que eu também rasgaria.

      Quanto ao autor, é o "mimimi" de sempre. Se torna conhecido pelo cinema e depois cospe. King gosta de falar mal até hoje do filme O Iluminado de Stanley Kubrick, mesmo sendo um ótimo filme sobre um ótimo livro. Anthony Burgess também alegava odiar seu Laranja Mecânica na telona, embora o romance só venda bem até hoje devido ao sucesso do filme. São apenas isso: pessoas chatas que gostam da grana na conta bancária devido à cessão de direitos e, depois, vendendo até mais livros por isso, começam a falar bobagens.

      Abraços!

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  2. "Entrevista com O Vampiro"- dessa lista só li esse. Não teve como a deprimente estória vencer o carisma de Tom Cruise e sua trupe

    "parece sujar as vivas imagens que possuo da trama " - quando isso aocntece comigo, prefiro tratar como uma realidade alternativa, assim mantenho a que mais me agrada como a verdadeira e, a outra, trato como "blasfema"


    "edição comemorativa de 30 anos de Aleph" - linda edição, pena que a estória é brochante

    abs!

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    1. "prefiro tratar como uma realidade alternativa"

      Boa sugestão, vou adotá-la.

      Abraços!

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