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sexta-feira, 10 de abril de 2020

Dylan Dog - E Agora, O Apocalipse




Chegado ao quadringentésimo número, Dylan Dog precisa se reinventar no mercado editorial. E, para isso, numa trama onde a metalinguagem é elemento essencial, será conduzido pelo misterioso quadrinista Reed (alter ego de Angelo Stano) para - numa aventura que homenageia Apocalypse Now do início ao fim, inclusive sob o embalo de The End da banda The Doors - reencontrar seu criador Tiziano Sclavi (um Coronel Kurtz geek, ensandecido), a fim de matá-lo e, sob nova perspectiva, seguir adiante. Mas sempre ligado à sua origem, como vemos pelo personagem Gnaghi (ao final da história), retirado do romance Dellamorte Dellamore, onde surgiu o protótipo do que viria se tornar nosso icônico Investigador do Pesadelo.
A maneira acima é como posso resumir uma HQ que me surpreendeu. Não está entre as melhores de Dylan Dog, mas eu esperava pouco dela e acabei encontrando algo bom. É que a metalinguagem, atualmente, não consegue ser bem explorada. Parece ser fórmula exaurida nos quadrinhos. E a  quadringentésima edição de DyD saiu do lugar-comum, com referência ao mundo da cultura popular, ao cinema dito cult e onde, pela primeira vez, vi a criatura sacrificando seu criador para seguir em frente.

Tudo é feito de maneira discreta. Logo no início, encontramos Dylan num quarto de atmosfera árida, olhado pela janela e dizendo a si mesmo que está em "Londres, ainda em Londres". E, dali, embarca em selvas tropicais no afã de encontrar o homem misterioso encoberto em sombras. O detetive irá ao encontro do Horror e, para isso, transitará pelo mundo de Apocalypse Now de Francis Ford Coppola. Sclavi, seu criador, estará encoberto de sombras (mas dá para identificar seu rosto muito bem), obeso como Marlon Brando em final de carreira. O templo onde habita é similar ao do filme, só que ocupado por bugigangas de um Old Boy - o velho "nerd" que se mantém atrelado à cultura pop oitentista sem atualizar-se com o mundo contemporâneo. E, assim como no filme de Coppola, o prisioneiro matará seu captor.

Esta foi a forma que Roberto Recchioni (roteirista e novo editor do título) encontrou para deixar a mensagem: o DyD como o conhecemos, pelas mãos de Sclavi, acabou. É um novo mundo com novos anseios. Para o bem ou para o mal, o gibi mudará seu foco. E o tempo vem nos mostrando: foi para o mal. Basta você analisar as histórias mais recentes do "old boy": engajadas com políticas progressistas, lacradoras e modorrentas. Há muito horror ainda em Dylan Dog: o horror do globalismo, dos argumentos fofos sem nexo com a realidade, da ânsia por “mudar o mundo”. Recchioni é um italiano da nova safra, como o prefeito de Florença que, no início dos contágios pelo coronavírus, lançou a brilhante campanha “Abrace um chinês”. Recchioni é o cara crente num mundo sem fronteiras e soberanias nacionais, onde todos brindarão ouvindo Imagine de John Lennon. Os europeus estão fadados à extinção. E, obviamente, DyD agora reflete isso. Tiziano Sclavi está morto. Se não gostou, faça como este Neófito que ora escreve: não gaste sua grana à toa. Não perca tempo precioso de vida consumindo lixo. Ainda acerca de autocrítica e politicamente correto na revista, recomendo a leitura da postagem Terror e encanto em Dylan Dog.

Além de Apocalypse Now, ainda encontrei uma breve referência ao Solaris de Andrei Tarkovsky e às célebres palavras do Nexus-6 Roy Batty, em Blade Runner, antes de morrer. E, claro, remissões a diversos números antigos do próprio título, a exemplo de Morgana (uma das melhores HQs lidas por mim) e A História de Dylan Dog. E, para finalizar, com arte de Corrado Roi, um novo Dylan Dog surge para refundar seu novo lar/escritório, ao lado não de Groucho, mas Gnaghi, personagem retirado do romance Dellamorte Dellamore, onde surgiu o protótipo do que viria se tornar nosso agora icônico Investigador do Pesadelo. A mensagem é clara: Dylan Dog mudou mas, essencialmente, seria o mesmo. Mas eu digo: só que não. No toque de Midas às avessas, a Bonelli transformou ouro em bosta.

É isso. Fico por aqui. Se puderem, leiam este gibi, disponível no Youtube. Eu gosto de ler em tablet. Como roda ligeiro, basta você ajusta a velocidade para 0,5 ou 0,25. É o que faço. O título tem tudo a ver com nosso momento atual. E com o momento mais à frente pós-pandemia, onde transitaremos entre destroços humanos e econômicos.

Abraços apocalípticos e até a próxima.


quarta-feira, 4 de março de 2020

Mjadra, HQ de Thiago Ossostortos



"Mimimi" (Fudêncio)
Derick, ex-Vj da MTV, retorna ao quartinho próximo ao MASP, onde o senhorio Azani, descendente de árabes, costuma servir mjadra e, talvez, tome a juventude de seus inquilinos com o uso de feitiçaria. Nesse retorno, Derick recordará os bons anos de MTV Brasil, testemunhará seu fim repentino e tentará roubar as conquistas pessoais de outro jovem inquilino do local, atual ocupante de seu antigo quarto. É assim que posso resumir a HQ.
Zorro e Carranca eram colegas de academia de meu irmão. Todos entupiam-se de estanozolol juntos, com mais algumas substâncias de origem duvidosa e aplicações inclusive veterinárias. Eles mantinham um negócio de gravação de vídeo clipe. Havia um classificador com folhas datilografadas onde abundavam listas de clipes numerados. Você escolhia os vídeos pela numeração, pagava alguns centavos por unidade (não recordo o preço) e recebia o VHS gravado. Todos os vídeos eram da MTV. Mais à frente, minha amiga Wanessa Wanderley - vulgo Madonna -, nos repassava conteúdo em VHS, gravado em sua casa. De toda a turma de nossa escola (saudoso CDI, hoje fechado), era a única com acesso aquele canal diferente em tudo do que estávamos acostumados.

A MTV Brasil teve relevância em minha vida, enfim, mesmo quando não possuía acesso a ela. E recordo bem quando de seu último sopro de vida, no último dia de transmissão (vídeos abaixo). E quem se recorda bem, igualmente, é Thiago Ossostortos e seu "meio alter ergo" Derick, ex-VJ da emissora que, adulto, em crise conjugal e espiritual, retorna ao seu quartinho alugado próximo à Avenida Paulista para tentar se reencontrar. Ah, e nem tudo é ficção. Algumas personagens essenciais à trama realmente existiram e o apartamento de Azani esteve presente na vida do autor. Além disso, claro, todos os VJs mencionados durante a trama realmente existem/existiram (alterados os nomes, claro). Aliás, o próprio Derick também existiu, só que não o conhecemos. E aí está uma boa sacada de Ossostortos (spoiler): as últimas páginas da HQ se passam justamente nos últimos dias de existência da MTV Brasil, no icônico prédio sobre o qual repousa a Torre Victor Civita. Ali, na festa de despedida, o protagonista observa o horizonte da sacada, ao que uma VJ mais jovem pergunta ao veterano quem é ele, ouvindo a resposta: "É o Deck! Era office boy. Daí fez teste para VJ e ganhou até programa! Mas depois de gravarem um monte, foi cancelado! Antes mesmo de estrear!". Sim, Derick foi o video jockey que nunca conhecemos porque não exibiram seu programa.

Para quem não sabe, a MTV Brasil afundou em meio ao processo de bancarrota da editora Abril, acompanhado de perto por nós, leitores de quadrinhos em geral e especialmente os disneyanos. E eu gostava mesmo dela. Até os comerciais eram bacanas com aquelas vinhetas bizarras. Quando passou a apostar em humor, também achei positivo e conseguiram manter a qualidade até o final.

Mjadra teve financiamento coletivo do qual participei. Mencionei a respeito na postagem Crowdfunding no Catarse: Francisco Marcatti e Thiago Ossostortos. E, deste autor, também já indiquei a excelente Os Últimos Dias do Xerife. E valeu o apoio. Além de uma ótima história que me divertiu e me tocou, foi caprichada no acabamento. A arte em guache, realmente, dispensa qualquer comentário. Isso você pode verificar nas imagens abaixo. Mas o acabamento é impecável: capa cartonada com orelhas generosas e papel similar ao cuchê com boa gramatura, além de boas dimensões físicas.

O gibi possui apresentação de Rafa Losso. Sim, o Rafinha. Quando telespectador da emissora, eu e alguns colegas nos referíamos a ele como "Boquinha". Sem dúvidas, foi um VJ marcante e que passava bastante conhecimento sobre música em seus espaços. Era uma figura até cativante, embora hoje esteja sumido do mapa e, quando dá as caras, parece exageradamente envolvido com movimentos ideológicos imbecilizantes.

Foi bem legal reviver aqueles momentos, ao topar, nos requadros, com personagens como Luiz Thunderbird, o chatonildo Cazé Peçanha, o arrogante João Gordo, a dupla Top Top Marina Person e Leo Madeira, a beldade (à época) Sabrina Parlatore e tantas outras, a exemplo de Marcos Mion, Penélope Nova e Astrid Fontenelle. Ah, e o próprio Rafael. E o mais curioso ao recordar aquela fase da vida é: como gostávamos daquelas pessoas que, hoje, nos parecem tão banais e insossas? Coisa da vida. Cada coisa a seu tempo. Até o PC Siqueira parecia bacana em seu programa PC na TV!

O título Mjadra refere-se a "um prato da culinária árabe que consiste em lentilhas, arroz e decorado com fatias fritas de cebola" (Wikipédia). E possui bastante relevância durante à trama, especialmente por ligar-se à memória afetiva/sensorial do protagonista. É algo preparado pelo senhorio do apartamento: Azani, inspirado no falecido Aziz, como já indiquei mais acima.

Não sei como está a venda avulsa desta HQ para quem não participou do crowdfunding. Se achar por aí, vale a pena dar uma chance.

Fico por aqui. Abraços musicais e até a próxima.








segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Stairway to Hell: Twin Peaks em Dylan Dog

Dylan Cooper


Tive o prazer de ler a HQ Réquiem do Medo traduzida, letreirada, editada e postada pelo parceiro Roberto  Lissaraça e, ali, me deparei com elementos da opus magnum da dupla Mark Frost e David Lynch. Por isso é bom sempre prestar atenção em minúcias, nas entrelinhas, durante a leitura, por mais descompromissada que se nos aparente.

Na trama, o detetive é contratado por uma habitante de Port Frost, na costa de Escócia, no afã de tentar encontrar Molly MacLachlan, sua melhor amiga. No pequeno vilarejo de pescadores, DyD se depara com superstições, casos insólitos e velhas lendas sobre a estrutura Giant's Causeway, a escadaria de pedras utilizada por Led Zeppelin na capa de Houses of the Holy. Aí, há a primeira "artimanha" do roteirista Francesco D’Erminio: esse estranho calçadão situa-se, na verdade, no condado de Antrim, Irlanda do Norte. E Twin Peaks está no fato de que Molly possui o mesmo sobrenome do ator Kyle MacLachlan, intérprete do agente Dale Cooper. E, assim como Laura Palmer, ela se mostrava uma boa garota voltada a trabalhos de relevância social mas, ao cair da noite, encarnava uma rameira sem limites. E sua amiga, a contratante Fiona Fenn, poderia bem ser Ronnete Pulaski, parceira de vida louca. Além disso, Fenn é o mesmo sobrenome de Sherilyn, a atriz que deu corpo (baita corpaço), a Laura Palmer. Precisa de mais?

Outro ponto em comum: mais à frente, descobrimos que o pai de Molly a matou pelas mesmas razões que Leland Palmer ceifou a vida de sua filha. Entrego este spoiler porque é irrelevante ao enredo da HQ. E os demônios também habitam a cidadela, na trama de Dylan Dog. No caso, não num Black Lodge encravado em meio ao bosque; mas, sim, no inferno. Sim, a escadaria de pedras daria acesso ao inferno. E isso, claro, também nos remete a canção Stairway to Heaven da mesma Led Zeppelin.

Por fim, neste manancial de referências, destaco que, obviamente, Port Frost é uma justa homenagem a Mark Frost.

No final da trama, em meio a desespero e esperança (embarcação náufraga denominada Hope), o onírico novamente nos arrebata e o próprio investigatore dell'incubo não consegue mais afirma se está realmente vivo. É como o "sonho dentro de outro sonho" vivido por outro famoso investigador de pesadelos: o Dale Cooper de Twin Peaks.

Achei interessante tecer esses paralelos entre as obras porque, embora escancarados por Francesco D’Erminio mediante dezenas de pistas, muitos passam batido, acaso desconheçam a mítica de Twin Peaks. Quando puderem, confiram a HQ. Valerá cada minuto de seu tempo.

Abraços medrosos e até a próxima.


terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Os causos de Eberton Ferreira


Conhecia um pouco do trabalho de Eberton Ferreira devido a postagens avulsas em redes sociais e a um blogue. Gostava de sua abordagem nacionalista de conteúdo e de seu traço. Mas não me envolvi com sua produção até que, novamente, me chegaram algumas indicações: a série Causos, no momento em quatro volumes com gancho para o quinto. Aquilo era tudo o que eu queria em HQ nacional, me remetendo com certa alegria a títulos lidos na infância, logo após o auge de quadrinhos de terror. Entrei em contato com o autor e encomendei os gibis, valendo a pena o investimento. De imediato, destaco o esmero gráfico. O acabamento é canoa, mas com capa e miolo em papel similar ao couché, em elevada gramatura. A arte, em P&B com tons de cinza, ajudaram ainda mais a me levar aos amados gibis da infância: Mestres do Terror, Calafrio e títulos avulsos organizados por caras como Ota, Cláudio Seto e tantos outros.

A grande sacada do autor, penso, foi elaborar convincentes histórias de terror com ressonância emocional, explorando temas que na maioria das vezes, por aí, são meio clichês: o folclores brasileiros. É assim que acompanhamos o investigador/caçador/explorador lusitano Gonçalo e seu cunhado Iberê, nativo, na resolução de crimes bárbaros com nuances ritualísticas em pleno nascimento da terra brasilis. E sobra para todos, sem mea culpa ou abordagens politicamente corretas. Nas tramas, todo homem pode ser o lobo do homem, seja o indígena contra sua própria etnia até sacerdotes brancos e oficiais. O próprio herói nos é apresentado com parcimônia, quando escancara seu passado de desbravador cruel, a mando da Coroa, passando por cima de tudo e, inclusive, estuprando nativas - conquanto venha a se casar com uma, após mais “redimido” e resignado em consumar seus dias vindouros no novo e selvagem mundo.

Além do estilo próprio numa arte que realmente me agrada, bons textos e acabamento decente, Eberton sabe narrar uma história. Sua pesquisa é profunda e as licenças encontradas para explicar as ocorrências sobrenaturais que se tornaram nosso folclore revelam perspicácia. Sentimos, lendo os causos, como são palpáveis e verossímeis as “entidades” a exemplo do Curupira, Cuca, Boto ou a mística por trás do fruto guaraná. De certa forma, o autor desmistifica e desmitifica mitos. Nesta empreitada, invés de lhes destituir da poesia, acaba por torná-los ainda mais sedutores. Outro aspecto merecedor de nota em seus quadrinhos é o uso, com felicidade, de recurso narrativo similar ao flashback no início de cada número. A trama sempre inicia-se mais adiantada e, então, retornamos aquele ponto mais à frente. Vale destacar a amarração entre cada número: tudo é conectado, sem brechas e pontas soltas. Quem conhece este blogue sabe, ainda, meu interesse por magia (não sou praticamente, mas curioso), algo nuclear às tramas.

Fico feliz pela realização desse artista nacional que elabora quadrinhos nas horas vagas, quando não está vendendo seus espetinhos (o cara é churrasqueiro, salvo engano). E, com bastante esforço e paciência, hoje, colhe os frutos do reconhecimento. Como gostei bastante de suas revistas, encomendei as duas especiais de A Rede da Carne, pois recordo quando ele divulgava, aos poucos, algumas artes destas tramas. Sei que, ali, encontrarei bons momentos de entretenimento.

Quem quiser adquirir os quatro número de Causos, pode fazê-lo por WhatsApp (21 96736-1309). Até o momento, temos: #01 O Demônio das Matas, # 02 A Bruxa da Floresta, #03 O Devorador de Almas e #04 O Monstro do Rio, pelo selo independente FazinesTon. Sim, o “Ton” de Eber-Ton. Cada edição custa R$ 20,00 e os números de páginas vão de aproximadamente 50 a 100.

Fico por aqui. Abraços folclóricos e até a próxima.

domingo, 13 de outubro de 2019

Eastrail 177 Trilogy e o Übermensch possível


"Vede; eu anuncio-vos o Super-homem: "É ele esse raio! É ele esse delírio!"
De Assim falou Zaratustra, por Friedrich Nietzsche

Em 1982, Alan Moore nos contou uma grande história de super-heróis. Nela, Micky Moran - homem de meia idade fora de forma que faz bico de repórter para sobreviver - descobre ser Miracleman, líder do time de "supers" cujas aventuras passadas ninguém recorda. Suas aventuras envolviam o que há de mais ingênuo no gênero. Para começar, recebeu seus poderes de um astrofísico que se tornou deidade e lhe deu a "palavra mágica" para quando precisasse salvar o dia. Não era Shazam, mas sim Kimota (atomik). Ele e seus amigos - incluídos aí Kid Miracleman e Miraclewoman (!) - viviam em luta constante com o maquiavélico Gargunza, gênio científico do mal. Para variar, ninguém se machucava realmente, todos contavam piadinhas em momentos de tensão e, no "número seguinte", o vilão retornava para encher o saco.

Mas como Micky Moran viveu tudo isso e ninguém se recordava da existência de superseres? Simples, as maravilhas existiam apenas em HQs infantis e ele foi cobaia num longo experimento, onde viveu quase oito anos em sono constante, sendo alimentado com aventuras pueris retiradas de gibis. Só que, um dia, ao se recordar de tudo, despertar na plenitude de seus poderes e buscar sua origem, os super-heróis e os mega vilões estarão no mundo real. Entretanto, as histórias não serão mais tão bobas: estupros (masculino e feminino), pedaços de corpos caindo dos céus, orgias celestiais e totalitarismo estarão presentes. E até mesmo suicídio do alter ego de Miracleman, numa das passagens que considero a mais tocante dos quadrinhos. Num dado momento, Micky Moran quer morrer: perdeu esposa e filha e se vê como inútil. Então, sobe uma montanha, retira as roupas e deixa um bilhete. Pronuncia a palavra Kimota e torna-se Miracleman. Este lê seu epitáfio e, desde então, nunca mais voltará ao corpo de Moran. Na mitologia criada por Alan Moore, a "transformação" se dá pela troca de corpos clonados, quando pronunciada a palavra-chave. Mike perecerá no limbo do infra-espaço, para sempre. Seria algo como Clark Kent se matar e deixar apenas Superman vivo.

"Suicídio" de Mike Moran em Miracleman #14

Num dado momento da saga (texto em prosa), Miracleman nos diz que, em seu aniversário de renascimento, o mundo comemorou queimando gibis, livros e filmes de ficção científica. O faz-de-conta, penso, não era mais necessário. Os deuses estavam entre nós e sonhar com homens voadores não fazia mais sentido. Alan Moore repetiu isso posteriormente em Watchmen - os gibis mais vendidos, ali, eram de pirataria, como Contos do Cargueiro Negro, por exemplo, pois heróis realmente existiam.

Ao seu modo, o cineasta Shyamalan M. Night fez o mesmo com o gênero em sua trilogia Eastrail 177. Meio qual Moore, conseguiu dar uma "desconstruída" no nicho. Tudo começou em 2000, em Corpo Fechado. Mais recentemente, concluiu sua ideia em Fragmentado (2016)  e Vidro (2019). E, assim, prestou grande homenagem aos nossos amados quadrinhos, especialmente ao gênero super-herói, nos fazendo parecer possível a existência, entre nós, de superseres benevolentes e gênios do mal.

Na trilogia apelidada de Eastrail 177 - referência ao acidente de trem mostrado em Corpo Fechado -, três homens encarnam estereótipos de comics. David Dunne é o herói típico, dotado de superforça e que, ao seu modo, combate o crime trajando capa (embora de chuva). Elijah Price mostra-se, mais à frente, o vilão brilhante, incapaz de muito esforço físico e dotado de imensa capacidade cognitiva. Kevin Crumb é o múltiplo, cuja personalidade "A Fera" é praticamente impossível de se abater. E no meio de tudo isto está Ellie Staple, psiquiatra que invoca histórias em quadrinho para apontar sua tese de delírios de grandeza. À frente, a trama se mostra mais complexa do que parecia inicialmente, uma organização global oculta sai das sombras e, ao final, uma modesta loja de HQs encerra, em Vidro, o que se iniciou em Corpo Fechado.

Confesso não gostar de filmes de super-heróis. Ainda não vi, por exemplo, nenhum de Thor, os últimos dois de Vingadores, nenhum Liga da Justiça, dentre tantos. Não consigo gostar daquelas histórias divertidas onde, em momentos de vida ou morte, o Homem de Ferro soltará piadinhas que farão toda a platéia sorrir no cinema, enquanto come pipoca no super-balde customizado, ostentando óculos 3D. Respeito opiniões em contrário, mas acho essas produções puro lixo. Há quase quarenta anos, gente como Alan Moore e Frank Miller, e.g., estavam desconstruindo o gênero para extrair de um universo aparentemente pobre algo soberbo. E hoje, nos cinemas e em diversos títulos impressos, retrocedemos para retirar todo o potencial edificado às custa de tanto esforço artístico e intelectual.

Há quem alegue que os blockbusters DC/Marvel se destinariam às crianças e por isso têm essa pegada mais retardada. Não é tanto o que vejo em salas de cinema. Os marmanjos estão em grande maioria, com suas camisetas ostentando logotipos de heróis. E, na tentativa de nos mostrar um super-homem possível, acho que a trilogia Eastrail 177 consegue tal façanha melhor que todos os milhões investidos em efeitos especiais nas produções arrasa-quarteirão.

Fica, enfim, minha sugestão de cinema para quem ama quadrinhos com seus heróis heroicos e as vilanias dos vilões. E, em tempo, destaco que a palavra "Übermensch" é utilizada expressamente por Moore em Miracleman e Zaratustra também é o nome escolhido pelo malvado Doutor Gargunza no projeto para criação de super humanos.

Super abraços e até a próxima.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Graphic MSP: Louco - Fuga & Turma da Mônica - Lições [ HQs ]


Acompanho o selo Graphic MSP desde seu lançamento. Após o sucesso da triologia MSP por 150 artistas, parecia natural um projeto assim. Meu receio, no início, era que se tornasse caça-níquel, com publicações medianas e até mesmo ruins. Para uma linha especial, com números editados ao léu, poderiam ter mais zelo. E foi o que houve: os álbuns surgem sem cerimônia e não parecem passar por crivo exigente. Há a imagem de que a MSP está mais preocupada com quantidade do que qualidade. Claro, já se passaram uns três anos e só tivemos dez títulos prontos e quatro anunciados. Mas, realmente, parece muito quando procedemos à filtragem exigente das obras. Até o momento, apenas não li Turma da Mata - Muralha, por Roger Cruz, Davi Calil e Artur Fujita. E, do que li, acho que apenas quatro volumes foram muito bons, com um mediano. Resenhei algumas obras e as destaquei no blogue anterior. Dois álbuns lidos mais recentemente ganham opiniões nesta postagem.

Nos extras da edição Louco: Fuga, conhecemos as influências de Rogério Coelho: Dave McKean e Bill Sienkiewicz. De certa forma, é mais ou menos o que encontraremos em suas mais de oitenta páginas. A arte é competente, muito bonita; e a colorização, a cereja do bolo. Mas o roteiro é tão fraco quanto a graphic Penadinho - Vida. Falta conteúdo e a trama se arrasta desnecessariamente, exibindo belos painéis com leiaute inovador (tomando como paradigma o selo, claro) numa trama que poderia ser condensada, sem perda, em talvez vinte páginas. As referências à mitologia da Turma e especialmente às publicações anteriores do selo Graphic MSP foram boas e apontam que o autor se deu ao menos ao trabalho de pesquisa; ou, então, é verdadeiramente fã da turminha. Resumindo: achei uma HQ dispensável, mas não ruim. Se você estiver com grana farta e tempo sobrando (bem como espaço para estocar quadrinhos), compre. A beleza da arte agrada a visão e pede umas repaginadas.

Um ponto interessante de Fuga foi recorrer à doutrina maniqueísta, onde há bem e mal claramente definidos. Também há um pouco de gnosticismo, onde um gênio superior teria criado o mal, dando-o aos homens. Presente de grego! Na trama, contudo, a maldade é vista como "positiva", para engrandecer o heroísmo. O lance dos Guardiões do Silêncio é legal; recordei alguns filmes de fantasia de minha infância. O mote da HQ, nas mãos de um bom roteirista, poderia ter dado melhor resultado.

Quando anunciaram que os irmãos Cafaggi fariam uma nova HQ para o Graphic MSP, pensei: lá vem continuação insossa de Laços. Mas surgiu Lições. E é um bom álbum, recomendável a todos que curtiram a primeira aventura. O traço, leiaute e colorização da equipe estão lá como antes. Mas o roteiro deu uma guinada, foi algo realmente novo: enquanto Laços tratava de amizade e união, Lições faz o mesmo, mas com a turminha dividida, enfrentando, cada um, seus próprios dilemas pessoais. As jornadas são solitárias. Pequenos dilemas de gente pequena; mas são justamente aqueles problemas que vão nos mostrando um pouco mais da vida, como ela às vezes parece sair de nosso controle, inexoravelmente.

Na minha infância, a vida às vezes parecia difícil; conquanto, hoje, pareça tão simples. Mudam os tempos. Mudamos nós. Mudam os dilemas. Hoje, sou grato pela boa infância que tive, no saldo geral.

Na trama, os quatro camaradas esquecem de fazer o dever de casa e ainda conseguem se meter em mais problemas fugindo da escola. A solução é drástica: Mônica vai outra escola por sugestão da diretoria; Cascão e Magali matriculam-se em atividades extracurriculares: natação (!) e etiqueta, respectivamente. E Cebolinha, sem a dentuça para defendê-lo, fica à mercê do valentão mais valentão dos quadrinhos infantis: Tonhão. Já a magricela da Magali conhece o Quindim, filho do padeiro, apaixona-se, mas não tem com quem desabafar, exceto por meio de curtos bilhetes trocados com Mônica por meio da lancheira de Dudu (o garoto que lança água pelos dedos!).

As últimas quatro páginas, além de fechar brilhantemente a história, não a fecha realmente. Entenderam? Bem, é que os autores conseguiram um final emblemático, mas cujas respostas os verdadeiros fãs da Turma conhecem de antemão. Assim, Magali faz sua primeira investida junto a Quindim, mas não sabemos a resposta. Cebolinha traça planos (in)falíveis contra Tonhão, seu valentão escolar, mas não sabemos se darão certo. Cascão reflete acerca de sua hidrofobia irracional; ele tocará o dedão do pé nas águas da piscina? E, por fim, Mônica desperta num bonito sábado de sol, onde não irá à nova escola e poderá ficar com seus velhos amigos. A HQ conclui-se como a vida: seguindo em frente.

No final de 2017, a dupla de irmãos lançou a HQ Lembranças e, atualmente, os três volumes podem ser adquiridos em um box.

Republicação de postagem de 05 de abril de 2016




terça-feira, 24 de setembro de 2019

Crowdfunding no Catarse: Francisco Marcatti e Thiago Ossostortos


Imagem de mohamed Hassan por Pixabay

Há alguns anos participo de financiamentos coletivos que realmente me empolgam. Mais para quadrinhos, raramente para outra finalidade. Para cinema, mesmo, colaborei somente em O Jardim das Aflições de meu conterrâneo Josias Teófilo. Para quadrinhos, foram diversos projetos. Alguns infelizmente não vingaram e o artista devolveu a grana. Hoje, entrei em mais duas empreitadas artísticas.

A primeira é a publicação da nova HQ de Thiago Ossostortos, chamada Mjadra e que será realizada toda em arte pintada. Conheço tiras, o gibi Os Últimos Dias do Xerife e a arte em guache do autor. Logo, não poderia ficar de fora. Aliás, gosto tanto da arte do sujeito que lhe encomendei pintura em tamanho grande de minha família, recebida pelos Correios numa embalagem cilíndrica e emoldurada segundo minhas especificações, com direito a paspatur e vidro antirreflexo, para ficar na sala de jantar de minha residência.

A premissa da HQ do Thiago é interessante e encontrou ressonância emocional em mim: "Um ex-VJ de um canal musical, um quarto e um recomeço. E a suspeita de que roubaram sua juventude.". Cresci vendo MTV Brasil. Adulto, continuei acompanhando sua última grande fase antes do encerramento devido ao início da crise Abril. Vários VJs fizeram parte de minha vida e não raro me interesso em saber por onde andam. (Dizem que a MTV Brasil ainda existe, embora eu ache que não!) Além disso, à beira dos quarenta anos, também acho que alguém roubou minhas saúde e juventude. No entanto, ponho a cabeça no lugar e me lembro: apenas vivi esta última e envelheci, nada mais. Tudo passa, tudo acaba. Cada coisa a seu tempo e, hoje, ademais, consigo me sentir bem melhor com a vida do que aos meus vinte anos de idade. Acho que será um ótimo gibi...

O segundo trabalho é de meu amado Marcatti. Tenho algumas HQs desse cara, o qual leio desde criança; guri, mesmo, quando meu irmão trazia para casa algumas publicações mais maduras. Já havia escrito sobre Marcatti no blogue anterior e ficava curioso quando alguém comentava que o desconhecia, mesmo sendo leitor de quadrinhos. Acho isso uma pena. Curto tanto o trabalho dele - seus ótimos argumentos e arte única - que mantenho, sobre meu computador, quadro com print autografado. Desta vez, ele republicará A Relíquia, sua adaptação de Eça de Queiroz para os quadrinhos, anteriormente publicada pela Conrad num volume único em 2007. A nova edição trará a história em fascículos acondicionados numa caixa de MDF emulando caixa de charutos.

Recomendo a quem quiser conhecer melhor sua obra comprá-la no site do autor. Se existe um quadrinista puro em sentido estrito, este seria Francisco Marcatti. O cara escreve, ilustra, arte-finaliza, imprime tudo em off set dentro de sua própria oficina, refila, monta, cola, vende em seu site e te envia pelos Correios. Nunca li HQ sua ruim ou mediana. É tudo perfeitamente escatológico do início ao final. Indico sobretudo a graphic novel Mariposa, a qual teve republicação pelo próprio autor. A edição que possuo é da Conrad (2005) e afirmo ser um dos melhores gibis já lidos. Não apenas dentre quadrinhos nacionais. É um dos melhores gibis em geral, e olha que não li pouca coisa. Não estou exagerando. Até hoje, não me chegou às mãos outro quadrinho que, numa trama escatológica - transitando por miséria, dejetos humanos, pedaços de cadáveres e fluidos corporais -, pudesse ser amarrada ao final de maneira onírica e quase poética. É quase como o realizado por Alan Moore e sua esposa Melinda Gebbie com a pornografia em Lost Girls (vide aqui e aqui).

A caixa em MDF onde virá a HQ será autografada com pirógrafo. Por falar nisso, vi trabalhos de Marcatti em aerógrafo e algumas guitarras frutos de sua faceta luthier. O artista é multitarefa, se sobressai bem em tudo.

É isso. Creio que realmente valerá a pena o investimento e por isso deixo a sugestão. Além disso, destaco que um dos prêmios de Ossostortos para os apoiadores (compradores por antecipação, enfim) é pintura em guache, em diversos tamanhos. Como falei acima, gostei da feita para mim, com minha família (foto abaixo).

Para colaborar, acessem A RelíquiaMJADRA. Como está no print abaixo, aportei R$ 160,00 no primeiro porque pretendo obter, além da obra principal, a HQ brinde Inês & Pedro. No segundo projeto, fui de apenas R$ 35,00 porque a pintura não me interessa no momento, vez ter obtido a minha por encomenda. Mas sugiro que optem pelo kit caldeirão, com R$ 320,00, pois terão de mimo o retratão de 50 x 70 cm em guache.

Abraços e até a próxima.







domingo, 15 de setembro de 2019

Greg: O Contador de Histórias [ HQ de Marcio Gotland ]


Hoje vi a entrega do 31° Troféu HQMIX ao colega Marcio Gotland por sua Greg: O Contador de Histórias, premiada na categoria Minissérie. Fiquei feliz por isso porque gosto de seu trabalho, acompanhei muito de suas realizações no site e estive presente no parto da primeira mostra de Greg, quando recebi de presente (e que belo presente!) o mini formatinho das primeiras páginas da história Mandrágora. Depois, pude participar de financiamento coletivo para outros exemplares, os quais me chegaram sempre acompanhados de artes originais, prints e marcadores de páginas (v. imagens ao final desta postagem).

Não sei bem como explicar. É certo que o trabalho presente nas edições do crowdfunding é fantástico não apenas no conteúdo, mas igualmente no acabamento: impressão em ofsete com papel de boa gramatura e capa num cuchê meio cartonado. E tudo no formato canoa, pelo qual tenho bastante carinho. Mas o primeiro exemplar de "teste", o tal do mini gibi acima falado, tornou-se um dos mais preciosos exemplares mantidos por mim na coleção.

Como dito esses dias, encontrei várias postagens do blogue anterior no Wayback Machine graças à dica do parceiro Estante Nerd. E, entre o resgatado do blogue náufrago, estava a postagem que elaborei ao ler Greg pela primeira vez, em 16 de dezembro de 2014. Esta, pois, é a transcrita a seguir e, desde já, felicito novamente este grande autor de histórias em quadrinhos.
"É que precisamos de histórias para alimentar a imaginação. (...) Foi o calor de histórias contadas à beira do fogo de lenha que acolheu nossos ancestrais e lhes deu esperanças para prosseguir."
Gotland é uma ilha sueca. Saber disso faz parte de meu acervo cultural inútil e não tem nada a ver com esta postagem! Vamos ao que importa: hoje, recebi e li as primeiras páginas da webcomic Greg: O Contador de História. O autor: Marcio R. Gotland. Conheci seu trabalho por meio de seu site. Sempre gostei de admirar suas ilustrações; os trabalhos como colorista, especialmente, me chamaram atenção. Depois, passei a conhecer mais de sua arte e manejo com pincéis, canetas e tintas. Ele vinha preenchendo um "quase" sketchbook interessante regularmente, com temas diversos por página; pena que, aparentemente, pausou estas experiências. Enfim... virei fã. E fiquei contente quando recebi o livreto com as primeiras páginas de sua empreitada quadrinística.

Greg é, essencialmente, alter ego do autor (acho). De certa forma, foi um personagem encontrado pelo Marcio para nos contar histórias fantásticas. Greg pode não aparecer fisicamente, mas está presente nos recordatórios e nos balões de diálogos; e, claro, dando forma à arte minuciosa de Marcio Gotland neste ofício nobre: contar histórias. É que precisamos de histórias para alimentar a imaginação. Não importa se as pessoas satisfazem essa necessidade quase vital em grossos romances com linguagem rebuscada, telenovelas ou nos gibis. Mas a busca por conhecimento e entretenimento por meio de narrativas existe desde os primórdios da linguagem: gestual, oral, escrita. Foi o calor de histórias contadas à beira do fogo de lenha que acolheu nossos ancestrais e lhes deu esperanças para prosseguir. Ao menos, é o que penso.

De acordo com o autor, Gregório apareceu, primeiramente, num livro por ele escrito, ainda em fase de revisão. Posteriormente, foi lhe dada a possibilidade de nos narrar uma webcomic. Será publicada uma página por semana na fanpage e no portal Outros Quadrinhos. O gibi impresso é edição limitada de pré-lançamento. O trabalho gráfico ficou excelente. É um gibizinho lindo, com miolo em papel de boa gramatura, gostoso de se pegar. A impressão é ótima. A capa cartonada de meu exemplar ainda possui uma simpática sobrecapa com impressão metalizada. A arte detalhada do Marcio merece formato mais generoso, claro. Só que, como forma de divulgação para uma HQ digital, o mini formatinho ficou muito bacana. Acredito - e torço para isso - que, finda a execução do projeto no meio eletrônico, tudo seja editado em maior formato para venda.

As primeiras páginas impressas são da história Mandrágora, onde somos apresentados a quatro cavaleiros cuja missão é combater um imberbe déspota manipulado por uma entidade sombria, no reino onde "O Sono" precisa ser evitado com certo composto, a fim de que as pessoas não sejam dominadas pela vontade do enigmático monarca e da força oculta que, possivelmente, o auxilia. Pena que, concluída a leitura dessas primeiras páginas, fiquemos com água na boca por mais, pelo desfecho da trama. Agora, é acompanhar a publicação digital. Ao curtir a página, lembrem-se de marcar "receber notificações", pois só assim o Facebook enviará regularmente o conteúdo ao seu feed. Ao menos, acho que é assim que está funcionando há uns meses.

Extremamente grato pelo presentão, Marcio. Como antigo leitor dos quadrinhos nacionais (em especial os de terror e os independentes), sinto bastante prazer em ter esse livro na coleção.












sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Clássicos do Bumerangue, Papa-Capim e Turma da Mata: o bom senso nas histórias infantis


Este final de semana, li dois formatinhos que me fizeram pensar nas coisas boas que a paranoia pelo politicamente correto destruíram - em especial, o bom senso nas HQs. Pois é. Os gibis, às vezes, não perdem apenas a graça; perdem a lógica. Um dos gibis lidos é o Almanaque Clássicos do Bumerangue n.º 01 (janeiro de 2007), com histórias bem boladas e traços bonitos com personagens como Os Jetsons, Zé Colmeia e Hong Kong Fu. Um gibi sem frescuras que merece aplausos. Logo na primeira história, Peter Potamus vai para um planeta "Bizarro" (como o do Superman), onde tudo é às avessas. Não bastassem as barbaridades ocorridas na trama, ainda finalizam com o retorno à Terra em plena Idade Média e uma visão geral da Inquisição espanhola torturando os "hereges". Na segundo trama, Zé Colmeia trabalha em um resort onde aplica pequenos golpes, no restaurante, e, assim, rouba comida dos hóspedes. Em Os Jetsons, temos ótimos momentos, inclusive com o tesão explícito do Sr. Spacely pela dança sensual de Jane e Judy. A Formiga Atômica finaliza a edição numa história simples sobre a gula e a ineficiência da força policial.

O outro gibi lido no mesmo momento foi o Almanaque n.º 08 do Papa-capim e Turma da Mata (outubro de 2013). Gostei da edição. A última história é sobre caça a animais para fins diversos: pele de raposa para madames, tartarugas para sopa e os marfins do Jotalhão. Todos os caçadores, nos quadrinhos, empunham trabucos - afinal, eles não conseguem matar outro animal, à distância, com a força do pensamento. Mas o MSP evita publicar algo assim, para não incitar a violência. Delírios do Estúdio, é claro, pois atualmente os guris matam os amiguinhos no pátio da escola, a facadas, apenas de farra ou por outra bobagem qualquer. Quando há armas nas histórias a ser republicadas, o desenho é alterado e elas são suprimidas ou substituídas por outros instrumentos, mesmo que fiquem meio desconexos. Desta fez, tiveram o raro bom senso em mantê-las. O final é bonito justamente por isso - Jotalhão enterra todas e, sobre elas, planta uma flor. Dá para repassar bons ensinamentos mantendo os pés no chão, sem frescuras e devaneios. No entanto, na história "Fogo!!", Papa-Capim encontra um isqueiro que, talvez, tenha espalhado o incêndio pela floresta. Aparentemente, na história original, o caraíba que reencontra o isqueiro o utiliza para acender um cigarro (ou charuto); e isso foi alterado (acredito), ficando esquisito, no quadrinhos, o sujeito fazendo biquinho para a chama, como se quisesse beijá-la ou, no melhor esforço mental do leitor, apagá-la com um sopro.

Enfim, achei interessante compartilhar um pouco de minhas impressões sobre esses gibis, pela ótica do que seria, no momento, politicamente correto e como isso influência na qualidade e compreensão das histórias.







Graphic MSP n.° 07: Penadinho - Vida




Acompanho os álbuns do selo Graphic MSP e já elaborei diversas postagens a respeito (links abaixo). Gosto de ver os personagens da Turma da Mônica em traços e roteiros diferentes. Ontem, li Penadinho - Vida, HQ do casal Paulo Crumbim e Cristina Eiko (roteiro por ambos, desenhos por esta última e colorização pelo primeiro). O preço da capa dura é acima de R$ 30,00, mas comprei por R$ 20,00 na Saraiva. São oitenta páginas em papel tipo cuchê numa belíssima arte colorida. Destaco, sobretudo, a luz azulada que emana dos personagens espectrais, inclusive com reflexo noutros personagens e no cenário.

Além da arte e do caprichado acabamento, o que há na HQ? Nada de mais. Dentre todas as publicações do selo, esta foi, até o momento, a mais sem conteúdo. Serve para entreter, passar o tempo. Não é uma história burra; porém, dispensável. A trama não envolve. O mote é interessante: Alminha reencarnará e Penadinho precisa dizer que a ama antes disso ocorrer, não sem antes empreender uma curta aventura para resgatar sua amada de um bruxo maluco. Mas, além disso, tudo parece uma série de bobos subterfúgios para encher linguiça e completar o número de páginas. Aliás, nem o mote é ideia original dos autores; conforme constatamos nos extras, foi item pautado pelo próprio MSP. Acredito que a sede de regramentos dos estúdios tornará, aos poucos, este selo especialíssimo algo trivial, insosso e até tão babaca quanto os quadrinhos mensais da fase Panini.

As referência culturais são pobres, simplórias. E praticamente não há referência à mítica da Turma, como fizeram no título Laços, por exemplo. Acredito que, se os autores já leram HQs do Maurício, foi apenas na infância. Devem ter feito uma pesquisa superficial. Nem a investigação mística teve nada de mais, como as menções ocultistas a nomes de personagens: Crowley, Amaimon e Pazuzu. Uma das menções, até onde vi em sugestão numa postagem perdida de Facebook, viria da obra Clarissa de Érico Veríssimo. Mas parou basicamente no nome. Outra sugestão, penso, está nos quadrinhos Vertigo: da mesma forma que o mago Roderick Burgess em Sandman aprisiona Sonho numa redoma de vidro, o mago Crowley mantém almas detidas no mesmo sistema, em sua mansão. Foi o que me pareceu...

Não me estenderei mais acerca deste álbum porque não vale a pena. Recomendo não comprá-lo, exceto se você estiver com muito dinheiro livre, sem opção de leitura (o que é impossível) ou for grande fã dos personagens da Turma ou do Penadinho, especificamente.

P.s.: Esta postagem é republicação de meu antigo blogue. Li esta HQ em junho de 2015, logo após seu lançamento. Atualmente, não compro mais quadrinhos do MSP por diversos motivos esmiuçados noutras postagens.