Mostrando postagens com marcador Quadrinhos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Quadrinhos. Mostrar todas as postagens

domingo, 8 de setembro de 2019

O Grande Livro Disney


O Grande Livro foi editado pela Abril Cultural, em 1977, resultado da complicação de vários fascículos que haviam sido distribuídos em banca há pouco tempo. Cada fascículos tinha como tema um personagem do universo Disney. E no livrão (dimensões de 26 x 35 cm) continuou assim. São abordados vinte e quatro personagens, dentre famosos e mais “obscuros”, bem como astros e estrelas dos longa-metragens do Estúdio - Cinderela, Peter Pan etc. Após a breve história de cada personagem, incluindo sua origem criativa, temos uma história em quadrinhos sua. Depois, aprendemos como desenhá-lo. Mais à frente, nos deparamos com alguns passatempos temáticos e uma matéria acerca do principal interesse desse mesmo personagem. Assim, por exemplo, no “capítulo” destinado aos sobrinhos do Donald, ganhamos uma matéria bacana sobre escotismo. Em Mickey, aprendemos mais sobre a atividade dos detetives. O Tio Patinhas nos reserva, por exemplo, a história do dinheiro.

De início, somos apresentados brevemente ao mundo Disney e ao seu criador. Em instantes, nos deparamos com uma página quádrupla do mapa de Patópolis. Depois, ingressamos no mundo das criaturas de Wall Disney. O índice da obra fica ao final, em quatro páginas.

A edição é caprichada, com 408 páginas em capa dura e miolo com papel de boa gramatura. Em razão de sua robustez, é difícil encontrar, à venda, alguma edição com a lombada íntegra. Até hoje, dentre as coleções que conheço, só vi esta minha com capa e lombada íntegras. Certamente, outras devem existir, mas devem ser raríssimas. A edição foi classificada como especial e sua diretoria ficou a cargo de Ruth Rocha. E isso é importante: esse enorme livro é produção do estúdio nacional da Disney. Toda a sua concepção e elaboração é de brasileiros, salvos algumas histórias importantes, nas seções de quadrinhos.

A venda ocorreu por marketing direto. Originalmente, quando do lançamento em fascículos, o nome do conjunto era O Grande Almanaque Disney, com o slogan: “Um livrão pra montar aos pouquinhos”. Atualmente, é impossível encontrar alguma edição em bom estado por menos de R$ 500,00 (quinhentos reais). O preço máximo que já vi foi de R$ 600,00 (seiscentos reais), por uma edição em bom estado (não há nenhuma em excelente estado, diante das marcas de oxidação em razão do tempo). É caro dependendo de seu interesse, certamente. Mesmo que caro, teremos em mãos uma magnífica obra do mundo Disney, que tanto nos encantou. E mais: as edições à venda estão rareando.

sábado, 7 de setembro de 2019

Que saudade do meu disco de vinil [HQ do Rolo] [ Postagem de 28/04/2013 ]


Li bons comentários sobre Cascão n.º 76 (abril), em especial nos blogs Paulo Gibi e no Socializando. Vez ou outra, alguma mensal da Turma me agrada. É raro, mas acontece. Compro, quase sempre, apostando na sorte. Dessa vez, comprei mais pela recomendação. E, realmente, é um bom gibi. A história de abertura é boa. Claro que ainda não gosto dos traços atuais sem vida e suas expressões "mangalizadas", bem como acho uma pena o que se faz na intenção de moderar as características mais marcantes de cada personagem. E não me refiro apenas à Turma principal. Nesta edição do Cascão, por exemplo, há outro grande exemplo da bobagem que andam fazendo à turma do Penadinho, a cada dia mais "meiga" e "fofinha"! As historinhas intituladas "abraços" até foram bonitas. Mas evidenciam que o "sombrio" da Turma do Penadinho anda sumindo aos poucos.

Vamos deixar o que é ruim de lado, pois foi em Cascão n.º 76 que vi a ótima história abaixo reproduzida, estrelada por vários "Rolos". Falando da evolução tecnológica no consumo de música, acompanhamos a evolução do Rolo, desde seu visual riponga ao atual: meio playboy duro, com direito à barbicha cool. Sinto saudades do visual original de Rolo. Mas fazer o quê? O personagem integra a turma teen comandada pela Tina e precisa adequar-se ao novo tempo.

A história abaixo é mesmo especial, com direito até a pontinha da Tina setentista. Como foi bacana ver capas de discos como Queen Greatest Hits II, Secos & Molhados 1973, David Bowie: Diamond Dogs etc. E, claro, a descoberta do Rolo do fantástico álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e seu comentário sobre como eram bonitas as capas dos discos. Também há um lugarzinho reservado para os compactos (discos de vinil pequenos com, às vezes, uma música de cada lado) e para as minhas amadas [e problemáticas] fitas K7. Dando um salto no tempo, vemos um pouco dos medalhões de cada época: Michael Jackson estampando a capa de sua obra-prima Thriller e dois pôsteres bem ao estilo adolescente da década de noventa: Prodigy e Alanis Morissette.

Em casa, tínhamos bons discos. Ouvi bastante Queen Greatest Hits I. Minha mãe sempre comprava o novo do Roberto (por pior que fosse). E acompanhei meu irmão mais velho à loja de discos várias vezes. Recordo da compra de uma coletânea do Scorpions e do belo disco Michael Jackson: Dangerous. Passei horas admirando a capa!

No meio dessa evolução, observem a trajetória do dono da loja de música. Ele adapta-se a cada mudança, até não poder mais seguir adiante e passar o ponto comercial à frete. Primeiro, passa a vender fitas. Depois, abre uma lan house (recordam-se da febre delas?). Até que desiste. Seu negócio morreu e deu lugar a novos aspectos do Mercado. Assim é a vida, Charlie Brown.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Os Últimos Dias do Xerife, HQ de Thiago Ossostortos


"Ah, é piada, né?"
Messias, o Xerife

No final de Cicatrizes, narrativa gráfica de David Small, ele nos conta sobre um sonho com sua mãe, então falecida. Quem leu essa autobiografia conhece o sofrimento do autor nas mãos de sua genitora, frustrada em toda sua vida adulta diante da não realização de seus sonhos, sua falta de coragem em se assumir lésbica e pelo fato (e fardo) de ter dado à luz. David nos conta que, no sonho, sua mãe limpava com esmero o acesso para o hospício, bastante feliz. E, na porta, o convidava para entrar. Ele conclui a obra nos dizendo "Eu não fui.". 

Foram anos de muitos gibis autobiográficos publicados no Brasil. Um que vendeu bastante foi Retalhos de Craig Thompson, com confissões inclusive sobre o abuso sexual sofrido, junto com o irmão, quando criança. De autores nacionais surgiram algumas porcarias e coisas boa. Dentre estas últimas, me marcou bastante o Memória de Elefante de Caeto Melo, especialmente por acompanharmos seu enfrentamento com os últimos dias de seu pai, bissexual e portador de HIV, vindo a falecer em decorrência de complicações com o vírus. Similar à obra de Caeto, destaco a excelente Fun Home de Alison Bechedel diante do estrangulamento emocional perante seu austero e exigente pai, homossexual, cuja morte é encoberta de dúvidas. Poderíamos ainda citar os medalhões das biografias em quadrinhos, como Maus e Persépolis - de Art Spiegelman e Marjane Satrapi, respectivamente -, mas não vêm ao caso.

Voltemos a Cicatrizes. Esta HQ realmente me marcou. Para utilizar um trocadilho infame: cutucou-me antigas cicatrizes, de feridas nunca totalmente saradas. Durante toda a minha vida não foi fácil conviver com minha mãe. Ainda criança, testemunhei sua detenção por agressão a uma vizinha. Fui à cadeia juntamente com meu irmão. De lá, telefonamos para meu pai e ele enviou advogado para os trâmites necessários e aguardamos sua soltura. Depois, testemunhei meu pai saindo de casa escoriado para nunca mais retornar ao nosso convívio, o qual já era escasso. Ela queria tudo de seu jeito e explorava os próprios filhos psicologicamente até o limite. Quando eu tinha quinze anos de idade, ouvi de meu pai: "Não sei como você e seu irmão não ficaram loucos". Na época ainda não entendia bem essa colocação. Depois, adulto, compreendi bem. Minha mãe sempre foi uma pessoa essencialmente má, com o ex companheiro, familiares e próprios filhos. Ela foi má consigo mesma, amiúdes. E ainda é. Atualmente, não nos falamos. Na verdade, ela não fala com ninguém e tomou até medidas judiciais com seus dois únicos filhos para se manter isolada. Sim, eu e meu irmão fomos processados por nossa mãe para que ela se sentisse mais à vontade em tocar a vida com seu atual companheiro. E o curioso é que nunca impedimos isso. Foi apenas para dar a punhalada final nos dois moleques que ela, a contragosto, pôs no mundo. Ainda lutei contra isso. Meu irmão - mais velho e , logo, mais vivido - lavou logo as mãos. Eu, confuso, ainda tentei lutar. À toa. Até que meditei bastante e, dentre tantos ensinamentos angariados ao longo da vida, recordei, também, de Cicatrizes. E assim, igual a David Small, eu também não fui. Não adentrei em seu mundo sombrio contaminado pela insanidade. E hoje estou melhor.

Por isso, enfim, gosto de autobiografias. Aprendo bastante com acertos e falhas de outros viventes. As pessoas abrem o coração como meramente humanas: destituídas de orgulho e vaidade. Tudo é e deve ser posto para fora. E é como terapia. Conversamos com o autor e dizemos a nós mesmo: "Também passei por isso". Ler, para mim, sempre foi como conversar com espectros e amigos ausentes. Ler salvou minha vida em momentos de grandes dificuldades. Nos episódios mais angustiantes de minha vida, foi à arte e à leitura onde me agarrei com unhas e dentes até o mar recuar. E ler algo como o escrito por Thiago Ossostortos vem a calhar em qualquer hora, seja boa ou má. Particularmente, o li num bom momento. Estou em paz comigo. Mas sua obra me remeteu à minha relação com meu pai, sempre distante, especialmente por culpa de minha mãe.

Não sei bem o que me atraiu para este gibi. Gibi ou graphic novel? Ah, tanto faz. Talvez tenha sido a capa. Aí li uma sinopse e achei interessante. Essencialmente, trata-se de uma semana onde o autor foi à casa paterna para acompanhar o que viriam a ser os últimos dias de seu genitor. Por terem visto muitos faroestes juntos, em seus devaneios artísticos, Thiago o retrata como Xerife, com direito à montaria e à distintivo de latão. E a capa que tanto gostei é emblemática, pois foi elaborada sobre a última foto de pai e filho juntos, na cozinha de casa. Se você reparar, é uma cena doméstica: mesa com refrigerante, armários típicos etc., só que o piso e as paredes são de madeira e ambos estão caracterizados como caubóis, destemidos homens de armas (embora armas não apareçam tanto como deveriam, nos trechos de "devaneios poéticos") prontos para encarar a Morte. Eu sabia que conhecia o trabalho do Ossostortos, só não recordava onde. Ainda procurei em caixas, aqui em casa, por algo dele. Mas não achei. Devo tê-lo visto apenas on line mesmo, há tempos. Não recordo até agora. Como disse, passei por muitos problemas familiares e minha mente entrou em modo econômico. Mesmo assim, o contatei por Instagram e adquiri o volume por mixaria: R$ 35,00, na promoção. Ao abrir o pacote, me surpreendi com a qualidade gráfica: papel similar ao pólen, boa gramatura e amarelado, ótimo para se ler sem cansar a visão. A capa é cartonada com orelhas generosas, evitando desgastes nas pontas. São duzentas páginas de miolo com boa impressão por uma bagatela. A abertura do volume também é agradável, sem receio de arrebentar a lombada. Li deitado na rede no mesmo dia, de uma vez, degustando um bom charuto robusto nacional, no melhor estilo velho oeste. E gostei muito da leitura, ao ponto de precisar indicá-la aqui. Ao final da história, temos alguns curtas acerca de sua relação, na infância, com o pai. Depois, galeria de extras com convidados retratando a letal inimiga Morte, tão presente em cada capítulo como árdua adversária. Gostei, essencialmente, da pin-up de Sueli Mendes, onde a Inominável toca violão numa choupana com o pôster de Três Homens em Conflito na parede.

Cada capítulo é iniciado com a capa de algum DVD de western. E a primeira página é logo uma adaptação de Era Uma no Oeste, comentado por mim aqui recentemente. Mais à frente, cita Era Uma Vez na América, outro filme de Sergio Leone também mencionado na mesma postagem. Como o velho Messias, Xerife imaginário, meu pai também gostava de faroeste e nunca assisti, até o final, nenhum filme ao seu lado. Depois, tomei gosto pelo filão western spaghetti. Meus filmes mais amados são de bang-bang. Entretanto, assisti a todos sozinho. Como mencionei mais acima, havia pouco contato entre meu pai, eu e meu irmão. Devido ao comportamento de minha mãe, isso tornou-se quase nulo no decorrer do tempo. Também há referências a filmes presentes em minha infância e adolescência, como A Balada do PistoleiroTombstone, De Volta para O Futuro IIITrinity É O Meu Nome, Os Jovens Pistoleiros, dentre outros até mesmo mais recentes da atual era streaming. E ainda sorrimos com cenas da vida passada, como quando comíamos produtos com certa ânsia porque estavam perto do vencimento, à frente da TV, assistindo a O Fantástico Mundo de Bob e outros da mesma época.

Na obra, obviamente, Ossostortos aproveita para destilar suas impressões imaturas sobre o velhote ranzinza. Se ele fosse camaradinha, não seria um pai, seria um irresponsável. É o que penso. Mas o autor reconhece, talvez tarde demais, os méritos de seu pai. Foi rude e exigente, controlador dos filhos e da liberdade da esposa. Um homem à moda antiga. Ele residia durante a semana noutra cidade, onde trabalhava como gerente de supermercado. Após sua morte, Thiago vasculha seu pequeno apartamento onde passava a maior parte dos dias e se depara com uma vida franciscana, sem luxos e quase sem conforto. Todo o esforço financeiro de seu pai se destinava à casa da família, pensando em deixar para a esposa e filhos o melhor, como todo "pai de família" razoavelmente responsável. Noutro momento, pensando na falta de paciência do velho Xerife, o artista nos relata que no dia a dia lhe falta tato até mesmo com os gatos que cria. Seu pai sustentou durante décadas uma família com seis pessoas. Ele tinha o direito de explodir às vezes, pensando bem, quando você perde a paciência até mesmo com bichinhos de estimação.

HQ bacana, mesmo assim senti falta de alguns aprofundamentos na trama. Daria para se estender mais sobre certos assuntos, em suas duzentas páginas. Assim, a relação do autor com o irmão mais velho - Anderson - nos deixa no escuro. Tudo é bastante nebuloso. Creio que o azedume entre ambos possui causa concreta, não esclarecida de propósito. E a causa da morte do Xerife também não é mencionada. Sabemos se tratar de uma doença que requer intervenções cirúrgicas até mesmo com amputação. Talvez o autor e sua família não ache educado comentar doenças, vai saber. Contudo, ao se ingressar neste mundo da autobiografia, você precisar estar disposto a contar tudo. A dimensão da doença nos ajuda a compreender a do drama. A doença em si é um mote - para recordar Dylan Dog. Aliás, a doença do (não tão) velho Xerife é o estopim de toda a história, a causa primeira. Recordo, agora, das HQs com pano de fundo autobiográfico de Lourenço Mutarelli: não há espaço para cautela e vergonha. Também verifiquei algumas menções erradas à cultura pop. Seu pai cita uma obra de Tarantino como "Os Oitos Condenados", quando seria "Os Oito Odiados". E, ao narrar um trecho do livro com a letra de Canto Para Minha Morte de Raul Seixas, troca "uísque" por "coca". Mas acho que esses lapsos são propositais, pois cotidianamente cometemos esses pequenos deslizes por ato falho para adaptar algo aos nossos aspectos.

Não pretendo me estender mais. No geral e em resumo: é uma ótima HQ. Talvez não fique em sua estante como aquele grande gibi, figurando entre os preferidos. Entretanto, para mim, encontrou bastante respaldo em meu arcabouço afetivo e, creio, não desagradará a ninguém. Na pior das experiências, lhe servirá como bom entretenimento em horas mortas. Vale a pena dar uma chance. E, repetindo, custa uma ninharia.

 Frontispício da HQ com o "seu" Messias integrado à cena de Era Uma Vez no Oeste.

Personagens como bonequinhos clássicos de faroeste na quarta capa.

Miolo da edição, papel de qualidade e boa impressão.

domingo, 11 de agosto de 2019

Terror e encanto em Dylan Dog



Esta história acabou em sangue, como em sangue havia começado. 
Se não são lírios, são sempre filhos. Todos vítimas deste mundo.
(DyD #383, Profondo Nero)

O primeiro a abandonar A Ilha Que Nunca Existiu das vastas Terras do Nunca foi o temido Capitão James Hook, seguido por seu nêmese réptil. Os marujos tomaram, cada um, rumos oposto. Aos poucos, os meninos perdidos também se foram, viver mundanalmente. Sereias partiram para o show business e, enfim, os nativos locais tornaram-se militantes, ativistas no louco ocidente do mundo real, cobrando fictícias "dívidas históricas". Wendy morreu de velhice junto aos meninos humanos e, um dia, Peter Pan sumiu com Tinker Bell. A Ilha Que Nunca Existiu passou, então, a existir, ocupada por empresas, famosos em férias, instituições financeiras e resorts. Já em Londres, muito tempo depois, meninos perdidos, agora idosos, tramam planos macabros para se tornar novamente jovens. Logo, passam a ser executados um a um e apenas o contramestre Smee atenta para isso, nutrindo medo que achem ser ele o responsável. Como proteção, busca os serviços do Investigador do Pesadelo, e aí está feita uma ótima trama dylandoguiana, impecavelmente executada por Michele Medda (roteiro) e Luigi Piccato (arte). Trata-se d'A Batida do Tempo (#08, série regular).

Ao destacar Dylan Dog, sempre invoco sua fluência entre esta realidade onde habitamos e o onírico, onde, oras!, igualmente habitamos. Assim, no cotidiano, DyD é o operário que precisa pagar as contas, mas adoece e, no leitor hospitalar, trava conhecimento com A Mãe de Todas As Doenças em sua forma feminina: sádica, sensualmente trajada em couro e muito, mas muito carente. Ele conhece o típico velhinho enfezado que detesta pessoas mal educadas, só que as punindo de maneira brutal - e sobrenatural - devido à falta de gentileza e mostrando ao detetive o que é o Horror. DyD, ao ver sua ex namorada definhando devido à Aids (DyD n.° 88, Uma Vida Por Outra), barganha com a Morte. Em curtos diálogos acerca de assuntos aparentemente banais - porém, mágicos - ele nos dá lições de Magia do Caos. Esta edição é outra assim: somos levados a nos encantar com o mundo mágico do garoto que não cresce, piratas e fadas ensandecidas. No meio de tudo isso, há sangue e o terror do estupro coletivo. No final, há redenção para todos e aquela deixa sobre o tempo inexorável que a tudo derrota, até mesmo atingindo criaturas mágicas. Li A Batida do Tempo e, infelizmente, não posso escrever mais pois entregaria o melhor do enredo. HQ dos tempos áureos do herói.

Dylan Dog, em sua nova série, está de ruim a mediano. Contudo, as publicações "antigas" (foram de ontem!) são em sua totalidade - sem exageros de minha parte - de ótimas a excelentes. Só penso que a Mythos poderia editar tudo em volumes tipo biblioteca histórica, com livros mais volumosos e, para baratear, em miolo pisa-brite. É meio burro, nos dias de hoje, com tantos scans, fazer isso mês a mês em offset e a quase trinta paus cada revista.

Do investigatore dell'incubo, também li a boazinha Prelúdio para Morrer, escrita pelo grande Dario Argento e com arte magistral de Corrado Roi. A trama gira em torno de assassinatos, aristocracia britânica e, em meio a tudo isso, a turma do sadomasoquismo. Sobre Argento, basta destacar ter sido um dos escritores de Era Uma Vez No Oeste, entre tantas outras coisas de uma época onde o cinema era mesmo bom. E Corrado Roi, hoje, é o maior artista de DyD. Contudo, Prelúdio para Morrer é HQ relativamente fraca, mas onde a Mythos meteu capa dura e papel nobre para encarecer o produto. É disso que sempre falo: más escolhas editoriais. Insisto que tudo poderia sair em material similar à coleção histórica, com algo em torno de três números por volume. Ainda quanto a esta HQ, penso que Dario Argento desliza bastante ao insistir em críticas sociais à nobreza de uma terra que não é sua. Os ingleses estão felizes com Reis e Rainhas, ora. A vida dos Príncipes vende bem nos tabloides e ninguém se incomoda, ali, com títulos nobiliárquicos e a existência da Câmara do Lordes. Mas Argento pensa que sim e joga na aristocracia a culpa pela imundície humana, sem perceber que, seja rico ou pobre, o ser humano é quase sempre um merdinha e apenas mediante força de vontade e meditação talvez evolua. Conheço rico boa praça e pobre escroto - e vice-versa. Esta é a vida.

Outra trama sensacional, ainda não publicada aqui, está disponível no Canal Delmak-O (Vídeo Gibi). O Preço da Carne retoma o mote nuclear de DyD: zumbis. Contudo, faz isso de uma forma bem fora do convencional e com contornos mundanos: sexo, violência contra mulheres e prostituição forçada. O mais bacana é que a história nos remete ao antigo conto do cemitério amaldiçoado de onde todos retornam, em clara referência ao romance Dellamorte Dellamore de Tiziano Sclavi, onde o coveiro Francesco Dellamorte se apresenta como protótipo do que viria a ser Dylan Dog. Neste gibi, inclusive, há menção à semelhança entre o investigador e o ator Rupert Everett, protagonista da adaptação do romance para o cinema e base para os traços de Dylan. Para mais sobre isso, leiam aqui a postagem acerca do filme. E o final da história não foge ao principal aspecto da mitologia do personagem, diante do Horror, da necessidade de tomar decisões difíceis, um pouco de ternura e, por que não!?, encanto.



Quando afirmei que a nova série, sob a batuta de Roberto Recchioni, não anda bem das pernas devido à mordaça do politicamente correto, não exagero. O canal Delmak-O publica bastante coisa da nova fase e, ali, vocês podem comparar. Esses dias, lendo Um Velho Começo (#3 da Nova Série), encontrei até mesmo algumas indiretas sobre isso no roteiro de Michelle Medda (mesmo escritor de A Batida do Tempo). A trama precisa ser podada - dos limites do insosso ao estúpido - para se adequar às diretrizes da nova linha editorial. Os prints acima falam por si.

Entretanto, vale a pena acompanhar as novas histórias? Sim. No meio de material mediano, podemos encontrar bons momentos de puro entretenimento e, claro, DyD é aquele tipo de personagem sempre bacana para matar alguns minutos. Como afirmou Alan Moore certa vez, o bom escritor deve se mover na ficção, jamais na mentira. Boas narrativas devem encontrar amparo emocional no leitor de maneira que, por mais fantasiosas que sejam, pareçam críveis. Aí reside a Magia, o poder da imagem e das palavras. E Dylan Dog é aquele personagem que transita no fantástico com pés no chão, não ridicularizando a inteligência de seu leitor.

Fico por aqui. Abraços e até a próxima.

Postagens relacionadas:
Imagem de meu acervo pessoal, com obras aqui citadas.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Aldous Huxley, George Orwell e Turma da Mônica

Armas, tabaco e alguns maus exemplos de gente sem ética, pois assim é a vida, Charlie Brown!

A geração progressista do "vá estudar História" não estuda nada. Na verdade, não lê porcaria alguma, a não ser mantras e palavras de [des]ordem publicadas em redes sociais. Não é incomum que, ao se publicar alguma imagem de ícones do romance distópico, algum acéfalo - geralmente "estudante" de uma das milhares de universidades brasileiras - mencione o governo atual e exerça a excruciante ginástica cerebral de conectar figuras liberais e conservadoras ao totalitarismo retratado em tais obras. Quem leu Admirável Mundo Novo, 1984 e A Revolução dos Bichos (este último, pequena novela sem relação com distopia) e possui um mínimo de capacidade cognitiva sabe não ser bem assim.

Por favor, não joguem a obra de Huxley na vala comum dos malvadões "câncervadores". O trabalho dele gira essencialmente em torno do comunismo e tudo de mal que daí advém, sobretudo a ausência total de liberdade individual. Naquela existência distópica, existe apenas o coletivo. Crianças são fabricadas a educadas por instituições públicas, inclusive com estímulo à erotização precoce. Relacionamentos afetivos são desestimulados e instituições como o casamento não existem mais. O aborto é medida de profilaxia cotidiana. Os nomes dos habitantes são conferidos em homenagem aos heróis do novo regime: Lenina e Bernard Marx, por exemplo, pedem maior explicação? Lenina, anglicismo feminino para Lenin. Bernard Marx, dupla homenagem ao poeta Bernard Shaw - defensor de eugenia socialista - e ao gigolô Karl Marx. Para encurtar, há entrevistas com o autor onde o mesmo destaca seu medo em relação ao avanço do autoritarismo comunista sobre o mundo livre e o poder de suas evocações simbólicas, tudo presente em sua opus magnum. Aliás, o maior inimigo ao novo regime antevisto por Huxley seria o conhecimento clássico, cristão e conservador. Ad summam: a tradição ocidental. Não é à toa que tanto a Bíblia quanto a produção teatral e poética de Shakespeare - trazidas, no romance, por um "selvagem" - são as grandes ameaças ao sistema coletivista vigente.

Agora, vejamos alguns exemplos dos aspectos do totalitarismos de 1984 nas publicações do MSP. Primeiramente, algumas palavras devem ser evitadas. Ou melhor: nunca utilizadas, como se não existissem no vernáculo. Assim, por exemplo, ninguém pode falar "azar", mas, sim, apenas "má sorte". Esse é um dos aspectos da novilíngua de George Orwell, onde não existem palavras como "ótimo" ou "excelente". Ad hunc modo, você teria, em seus lugares, "plusbom" e "dupliplusbom", respectivamente. E assim, modificando a gramática , enxugando-a ao limite, domina-se a linguagem e, consequentemente, formas de expressão de ação e de pensar.

Em A Revolução dos Bichos, Orwell, desiludido com os rumos tomados na União Soviética, tece uma parábola bem humorada do que é, essencialmente, o socialismo. Reconheço que era natural, nos primórdios dessas discussões, a paixão por um sistema social e econômico onde todos efetivamente seriam iguais perante a lei. Assim, por exemplo, tivemos grande pensadores entusiastas do espírito revolucionário. George Orwell foi um deles, no início. E, assim como Bertrand Russell, se viu obrigado a reconhecer que aquilo não tinha nada de revolução do proletariado, pois a revolução não passava de uma pocilga onde banhos de sangue eram comuns em seus expurgos periódicos e a liberdade individual restringida a quase nada. Aqui no Brasil, e.g., temos o conhecido caso de Carlos Drummond de Andrade, poeta que chegou a cantar líderes revolucionários e, mais à frente, antes mesmo da abertura dos arquivos de Moscou, realmente conheceu do horror marxista quando posto em prática e, crítico mesmo discreto do socialismo, passou a ser execrado por seus pares intelectuais de esquerda. Na novela de Orwell, é impossível não enxergar nos porcos Snowball e Major as figuras de Leon Trotsky e Karl Marx, respectivamente. E o barrão Napoleão, indiscutivelmente, é a reencarnação, em pura banha suína, do ditador Stálin. A doutrina do Animalismo, pregada pelo chiqueiro, nada mais é do que o comunismo. E o infeliz fazendeiro Jones, expulso de suas bem cuidadas e produtivas terras, a família do Czar e a pequena classe média.


Trechos retirados do temático Disney Horror, Ed. Abril, 2012.

A linguagem politicamente correta amarra a expressão de maneira cruel, com corrente e arame farpado. E anda de mãos dadas com a modificação do passado. Quem domina a História, domina o presente. Logo, se perpetuará no Poder. É assim, por exemplo, que republicações da Turma da Mônica passam por maquiagens onde armas e fumígenos, por exemplo, são extintos. Recordo bem de uma HQ onde Dudu atirava com pistola de água em seus adversários. As pistolas foram apagadas e a água ficou saindo de seus dedos. Isso mesmo: o pirralho disparava água pelos dedos, na modificação. Coisa feita para desmiolados. Além, claro, de roteiros pífios, artes que nada acrescentam e mais parecem carimbos numa folha de papel e, corriqueiramente, o uso de pautas desagregadoras e progressistas em seus roteiros, como, agora, fazem como a Graphic MSP Tina - Respeito, onde, para variar, o feminismo se apresenta como movimento sempre justo num mundo onde todo homem é naturalmente um assediador - para não dizer "estuprador" - em potencial. Tina precisa impor respeito aos homens, à masculinidade tóxica, pois apenas homens esclarecidos (leia-se "feministos manginas") é que seriam legais. Machos tradicionais não passariam de escrotos.

Não pretendo me estender tanto nesta postagem. Para quem mantem dúvidas e ainda não foi plenamente contaminado pelo lugar-comum das aulinhas escolares com livros made in MEC (Brasil está em penúltimo lugar no ranking de qualidade na Educação, sob a batuta de seu patrono Paulo Freire encabeçando todo esse lamaçal de ignorância onde nos afogamos), recomendo a leitura dos livros acima sugeridos. São obras curtas. Vale a pena dedicar algumas horas a elas. Depois, compare tudo com a agenda progressista posta em prática, atualmente, por nossa grande mídia. E, se você for consumidor dos quadrinhos Turma da Mônica, dê uma lida no material sem os óculos da parcimônia. Eu mesmo prefiro, hoje, reler material das fases Abril e Globo do que gastar um real que seja com essas tranqueiras. Para material novo, basta investir em publicações Disney da Culturama, e olhe-se lá por quanto tempo. E, falando em Disney, recordo que a Abril só se rendeu à censura durante o período mais sombrio do regime militar, modificando, nas HQs, menções a tabaco e à bebida alcoólica, por exemplo. Atualmente, não existe censura ao material, exceto, certamente, a fiscalização do bom senso: sexo, nudez, uso de drogas ilícitas etc..

A Turma da Mônica sempre estará em meu coração. Foi importante para minha infância, redescoberta na adolescência e, como adulto, ainda esteve presente em minha vida de colecionador de quadrinhos. Não raro, releio algumas HQs da Coleção Histórica, de meu acervo físico ou digital. As criações de Maurício de Sousa foram essenciais à formação do leitor brasileiro. Seus estúdios nos deram muitas alegrias e emoções. Contudo, acabou. Seja o que for, hoje, o Maurício de Sousa Produções é algo que não sei bem definir mas que, certamente, não agrega nada ao desenvolvimento intelectual de crianças e passa longe de entreter adultos e adolescentes com o mínimo de inteligência. Sem saber sabendo (parodiando com trocadilho o Chaves de Bolaños), o MSP assume uma agenda pretensamente "antifascista" e por um tal mundo melhor. Entretanto, estão apenas endossando o velho pensamento anônimo de que "Os fascistas do futuro chamarão a si mesmos de antifascistas", reescrevendo a própria história do estúdio, trabalhando em nova linguagem limitadora de formas de pensar e, com isso, criando monstros que povoarão esse Admirável Mundo Novo.

A seguir, anexo curto vídeo onde mostro um pouco de minha coleção Turma da Mônica. Há bastante material merecedor de ser conservado. Da fase Panini, dei quase tudo, em torno de cem revistinhas.

Abraços e até a próxima, camaradas.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Blade Runner na Netflix e nos quadrinhos


Eu vi coisas que vocês não imaginariam. 
Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. 
Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. 
Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. 
Hora de morrer. (Nexus-6 Roy Batty)

Fiquei feliz em ver Blade Runner no catálogo da Netflix esses dias, assim como Cobra com Stallone em toda a sua masculinidade hoje dita "tóxica" pela turma do patrulhamento ideológico acéfalo. Ando meio afastado da plataforma, assistindo a praticamente nada e pondo a leitura em dia. Por isso, suponho que estejam ali há certo tempo. Ao ver a disponibilidade, comentei, em relação a Blade Runner, com as pessoas próximas a mim - todas mais jovens - se tratar de um filme excepcional, um dos melhores realizados independentemente de gênero. Contudo, ninguém se interessou a vê-lo.

Pois é... Aquela obra prima da sétima arte, realizada de maneira soberba numa época de recursos tecnológicos limitados, com trama envolvente mesmo falando de coisas tão distantes, banhada em clima que transita entre o noir e o cyberpunk, em plena sintonia com a trilha embalada por Vangelis... encontra poucos interessados dentre o público mais jovem. Não podemos fazer nada quanto a isso. Talvez tenha se tornado algo datado demais, em termos de ficção científica. Contudo, não encontro nenhum exemplar no sci-fi contemporâneo que esteja à altura da obra de Ridley Scott. Aliás, quando vi o filme pela primeira vez foi na Globo, possivelmente na segunda ou terceira vez que o exibiram. Ele foi lançado quando eu nasci então certamente deveria ser algo já meio datado para mim. Talvez ajudasse se a Netflix dispusesse, concomitantemente, da sequência com Ryan Gosling. Isso atrairia mais gente, quem sabe. Ou o problema é mesmo estético. Pessoas mais jovens raramente se interessam por estética "analógica", mesmo que o conteúdo seja de elevado nível artístico. Ainda assim é algo que não compreendo, pois, esteticamente, é daquelas realizações insuperáveis, como o 2001 de Kubrick, cuja sequência se mostrou graficamente mais pobre, embora dispondo de mais recursos digitais.

Quem cresceu lendo quadrinhos na década de "90 sabe bem como a produção teve influência naquele nicho. Boa parte da produção nacional de ficção científica era inspirada no filme. Você constata isso em diversos trabalhos de Watson Portela, por exemplo, cujo traço tentava "emular" o de Moebius. Nas HQs infantis também tivemos referências bem divertidas. Assim, possuí, quando criança, quadrinhos com paródias. O d'Os Trapalhões não tenho mais. Perdi todas as minhas HQs com As Aventuras dos Trapalhões, inclusive a fantástica e bem escrita e desenhada Graphic Trapa Didi Volta Para O Futuro. É uma pena que César Sandoval e equipe, bem como as famílias envolvidas em direitos autorais, não busquem contato e cheguem a um entendimento para republicações daqueles quadrinhos em formato almanaque ou luxo. Creio que teria compra certa de um grande público saudosista. Felizmente, posso ler quase tudo publicado no título em arquivos digitais. Já da Disney, possuo na coleção Zé Carioca n.° 2369, com a ótima paródia estrelada pelo malandro emplumado numa Vila Xurupita do ano de 2034. É muito bacana esta história lançada pela Abril em 2012. O Zé começa se apresentando como Zé Deca, em referência ao Rick Deckard de Harrison Ford. Seria Zé DecaRioca (rs). Na icônica cena da briga no telhado com o monólogo de Rutger Hauer, o androide da paródia acaba "morrendo/pifando" porque molhou-se na chuva. E, no final, fica em aberto o suspense de que quase todo mundo na Vila Xurupita seria replicante, até mesmo o Zé Deca.

Na história Bode Ranner - O Caçador de Trapalhóides, achei a aplicação do fictício teste Voight-Kampff aplicado por Didi Deckard um dos melhores momentos, assim como a substituição da ameça dos replicantes pelo terror dos "atrapalháveis trapalhóides". Vale a pena a leitura. É bem divertida sem ridicularizar nosso intelecto com patrulhamento politicamente correto.

Se você nunca viu, aproveite. Curta esse grande filme, embriagando-se na trilha envolvente de Vangelis e na beleza natural de Sean Young quando jovem, em seu auge e quando ainda não era procurada pela polícia por furtar lojas de produtos eletrônicos.

Curiosamente, hoje, após publicar esta postagem, vi as notícias do falecimento de Rutger Hauer, o Nexus 6 Roy Batty. Ele faleceu no dia 19 deste mês, acometido por um mal não divulgado pela família, a qual apenas hoje divulgou à grande mídia seu óbito. Requiescat in pace, grande ator que encantou minha juventude com filmes como O Feitiço de Áquila e A Morte Pede Carona.

Abraços e até a próxima.







sábado, 20 de julho de 2019

O pior gibi do mundo


Não me livrei da HQ nacional Deus, Essa Gostosa porque preciso guardá-la para a posteridade. Acaso tenha netos e possa conhecê-los, para lhes mostrar: "Olhaí porque o mercado editorial naufragou e porque a produção nacional de quadrinhos não é levada a sério". Comprei esta porcaria de Rafael Campos Rocha após o ano de lançamento, em 2013. Tinha o selo da Quadrinhos na Cia e pensei "Por que não colocar no carrinho de compras?". Que grana jogado na latrina. Que quadrinho porco. Papel bom desperdiçado em algo assim. Totalmente antiecológico. Depois que editoras e livrarias entram em crise, todos fingem não saber o porquê. Claro que há diversos fatores. Contudo, publicações assim nos fazem quase que torcer pelo fechamentos de algumas pocilgas.

Recentemente, teci alguns comentários sobre sebos e, antes, sobre o mercado livreiro brasileiro quando falei de A Saga do Tio Patinhas. E, hoje, remexendo na estante, reencontro este exemplar do que, creio, seria o pior gibi já lido em meus quase quarenta anos de idade. Essencialmente, a obra nos mostra o Deus dos hebreus como uma empoderada mulher negra pansexual e dona de sex shop. Cenas de sexo explícito rolam soltas, o autor ainda tenta fazer filosofia de boteco num diálogo mequetrefe entre Deus e Satã enquanto tomam umas biritas e há espaço até mesmo para que Ele(a) receba em sua casa grandes pensadores do comunismo para tomar uma breja enquanto assistem ao futebol. Colegas, quanto lixo sem sentido! E é curioso que essa patota da resistência Nutella, até hoje, desconheça que a elite marxista é extremamente conservadora no espectro moral e de costume, culpando o regime burguês por aquilo que consideram parafilias: pornografia, homossexualismo entre outras práticas. Acordem, garotos! Pesquisem mais antes de erguer bandeirolas, seja em manifestação de rua ou dentro de editoras.

Vejam bem: tanto o tinhoso quanto Deus foram abordados por diversos quadrinistas em vários momentos. Agora mesmo recordo de Neil Gaiman em Sandman e Mistérios Divinos. Ou Garth Ennis em sua época à frente de Hellblazer ou na obra autoral Preacher. São tantos exemplos. E, agradando ou não a viés religioso, são histórias bacanas, inteligentes e envolventes. Os caras têm requinte, enfim. E, putaria por putaria, por que não citarmos a "trindade" italiana Guido Crepax, Milo Manara e Paolo Serpieri? Vejamos então Lost Girls de Alan Moore, autodenominado xamã e avesso ao cristianismo, mas que jamais endossaria projeto tão imundo quando o "fanzine" de Rafael Campos. Em resumo: o problema não é o fundo religioso, "engajado e progressista" ou a "revolucionária" putaria. Sacanagem nos quadrinhos temos desde antes Carlos Zéfiro. Certamente, quem ousou criticar este troço quando de seu lançamento foi rotulado de fascista, conservador, acéfalo, extremista religioso (ainda que ateu!) pela turminha paz e amor - sempre autoritária, avessa a críticas e ansiosa por cercar os que pensam diferente na espiral de silêncio com a linguagem politicamente correta.

Essencialmente, a HQ foi elaborada para lacrar, para sambar na cara da sociedade misógina, racista, homofóbica e patriarcal. E o selo Quadrinhos na Cia endossou as quase cem páginas de puro excremento para, no final das contas, não lacrar porcaria alguma. Quem lê quadrinhos sabe muito bem que os temas ali abordados não são novos. Foram apenas desgraçadamente mal executados pelo Rafael Rocha. Por coisas assim não sinto pena da bancarrota do mercado editorial nacional. Como falei antes, que se danem. Nichos morrem, outros florescem. Hoje em dia, aliás, temos tecnologia barata e adequada para lermos sem precisar de meio impresso. Faça um favor ao mundo: ajude o mercado editorial atual a falir de vez. Como diz o revolucionário de boutique mais enragée: toda revolução é bem vinda e, dos destroços, algo bom surgirá.

Certamente, Deus, Essa Gostosa não é o único exemplo. Contudo, parece o melhor representante do escatológico nacional. E cito escatológico com receio de ofender o trabalho de alto nível de autores como Marcatti, e.g., em suas tramas de traço único, onde resíduos fecais, fluidos corporais e toda a sorte de parafilia sempre resultam em HQs divertidas e soberbamente executadas.

Durante muitos anos acompanhei de perto a produção nacional, efetivamente comprando HQs independentes ou - não se enquadrando neste nicho - mas de autores nacionais, editados por grandes editoras ou pequenos selos. Aproveitava boa parte do que era adquirido e recomendava no blogue anterior. E sempre me surpreendia com a péssima qualidade de alguns materiais. Hoje, nem me assombro mais com a incompetência daqueles caras. Eram trabalhos não merecedores, sequer, de papel jornal, quando mais de impressão em offset. Procuro ficar de olho em alguns canais como o Papo ZineQuadrinhos para Barbados. São bons canais, profissionais e realmente procuram dar destaque a grande número de artistas. E ali percebo, também, porque nosso mercado vai de mal a pior. O discurso dos carinhas mais novos é sempre o mesmo: subversão, empoderar, precisamos discutir isso e aquilo. Em que mundo esses caras vivem? Em que planeta habitam algumas das autoras ali entrevistadas? Só falam mantras feministas, lugares-comuns e frases-feitas. Não conseguem ir além disso e editam muito lixo cujo único afã é postá-lo em rede social para lacrar em sua bolha social. Vêm com esse papo de subversão quando, há décadas, bons autores já estava fazendo isso, só que com esmero, elaborando boas histórias. Com o tempo, cansamos até mesmo de tentar dar chance a material nacional. É quase sempre a garantia de que perderemos tempo.

Abraços e até a próxima, brothers in arms.


E disse Deus: "Haja luz"; e houve luz. - Gênesis 1:3

(Imagem de Free-Photos por Pixabay)

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Quadrinhos Disney, Culturama e A Saga do Tio Patinhas



Tive ótimos momentos na infância lendo e relendo os mesmos almanaques surrados Disney existentes em minha casa e na casa de minha finada avô. Sempre encontrei bastante alegria com aquelas histórias em mãos. Ainda hoje, tento resgatar um pouco daquela sensação de esvaziamento momentâneo das preocupações diárias e, por isso, esta semana reli A Saga do Tio Patinhas. Sorte a nossa que, antes de encerrar a maioria das publicações, a Editora Abril nos deu esse encadernado, pois a arte de Don Rosa não é bem usufruída no formatinho em papel jornal e impressão vagabunda.

Aproveitei e reli a história Uma Carta de Casa, presente no Mega Disney n.° 01. Acredito que este conto deveria constar no encadernado capa dura. De certa forma, lhe complementa e reforça a construção da personalidade do pato avarento como desenvolvida por Don Rosa. Na trama, Patinhas retorna ao castelo da família e, em dado momento, reflete acerca de sua jornada em busca de fortuna e aventuras, diante dos túmulos dos pais:
"Vocês aprovam minha missão de vida? Estão orgulhosos por eu viajar pelo mundo em busca de riquezas? Entendem minha paixão por aventura? Ou a emoção que sinto ao desafiar a inteligência e perspicácia dos melhores e vencer? Ou acham que só ligo pro dinheiro? O que pensam? Nunca saberei! Estive sempre ausente e não recebia muitas cartas de meus pais!".
Não apenas fiquei grato por reler algo assim como, igualmente, por me deparar com a retomada da publicação dos quadrinhos Disney no Brasil, agora pela Culturama Editora. Torço para que vinguem e continuem agradando a velhos e fiéis leitores e, com sorte, conquistem novos: segunda parte esta que acho meio difícil, embora espero estar enganado.

A Editora Abril deteve o monopólio disneyano brasileiro durante mais de seis décadas. Aliás, sua primeira publicação foi justamente Pato Donald. Alguns colecionadores ficaram de muxoxo quando veio o anúncio do cancelamento da antiga parceria. Dá pena, deveras. Contudo, convenhamos: nenhuma grande editora deu a mínima para leitores de HQs. Recordo bem do descaso conosco: formatinhos vagabundos, cheios de propagandas de tênis, chocolate, biscoito e papelaria, a preços não tão acessíveis para a maioria. Era um setor sempre saudável, com boas vendas. Muitos editores sempre destacam que o setor de quadrinhos da Abril e da Globo, por exemplo, não fechava o ano no vermelho. Contudo, as empresas preferiam cobrir buracos de outras publicações mais "maduras", de nichos específicos, com o lucro dos quadrinhos. Nas bancas, víamos revistas grandes, bem impressas e com papel de qualidade para todos os gostos, muitas vezes só dando prejuízo, cercadas de zelo e carinho dos publishers, dos magnatas e de seus amiguinhos. E os gibis? Continuavam rendendo grana a rodo e sem nenhuma atenção. Éramos trouxas com duas opções: comprar ou não ler nada. Isso mudou aos poucos, já em meus anos de vida adulta, com a chegada de concorrência. Só que foi tarde. Não dava mais para a Abril acompanhar. E, meus caros, tanto faz. Certamente nenhum membro das famílias Civita ou Marinho estão no perrengue, deixando de viver suas lautas vidas.

Um dado oficial curioso encontramos na Graphic Disney n.° 2 Ducktales - O Filme - O Tesouro da Lâmpada Perdida. Nas segunda e terceira capas, há matéria acerca das publicações nacionais disneyanas. De acordo com a própria editora, em 1990 havia trinta e seis diferentes publicações de HQs "imbatíveis campeãs de vendas". Ainda de acordo com o editorial, "Em 1990, foram lançadas também 10 revistas de passatempos e atividades, além de 5 coleções de livros e fascículos infantis, totalizando, então, vendas superiores a 25 milhões de exemplares por ano". É gibi pra burro sendo vendido para o então público consumidor acostumado a só adquirir lixo mal impresso nas bancas de suas cidades.

Não há aquela velha expressão "O pato paga a conta"? Pois é. Isso serviu durante anos para a Editora Abril. É sabido que em tempos remotos o próprio Victor Civita costumava tranquilizar parceiros e colaboradores em novos e arriscados projetos possíveis causadores de prejuízo afirmando "O Pato paga", em alusão as boas vendagens das revistas Disney e linha infantil em geral. Essa ideia permaneceu durante tempos no âmbito editorial, para alegria de grupelhos e suas publicações destinadas ao público maduro, arrojado e inteligentinho e para o desgosto de leitores dos mal vistos gibizinhos pueris.

Até recentemente a falta de respeito com leitores era tamanha que blogueiros não tinham acesso a capas e a algumas imagens em alta resolução para indicar ou comentar algo. Só os blogues "amigos do editor" recebiam este material e tacavam ali sua marca d'água. Isso vale para editoras de revistas, HQs e livros. Se os caras se fecham numa panelinha, okay. Pois então sobrevivam dentro deste mesmo grupelho. Trouxa é o blogue ou vlogue que, a troco de nada, ainda pratica publicidade ostensiva regular para editoras. No meu antigo site, havia empresa cara de pau enviando, por e-mail, todos os meses, press release de material seu, muitas vezes que nem me interessava e que jamais solicitei, para que eu divulgasse em meu espaço. E não fazia o obséquio nem de anexar algumas imagens de qualidade superior. Ah, vá...

Repito: torço para que a Culturama obtenha sucesso neste novo afã. Entretanto, se não, não chorarei as pitangas. Há "toneladas" de arquivos digitais grátis para quem quiser ler. E ninguém conseguiria ler tudo. Além disso, sebos ainda guardam muito papel impresso para aquisição. Bola pra frente.

Achei bacanas as caixas com os cinco títulos Disney: Mickey, Tio Patinhas, Pato Donald, Pateta e Aventuras Disney, com capa em couché e miolo em offset em ótima impressão. De brinde ainda vem cartela com adesivos, aquele tipo de mimo inútil mas que agrada a colecionadores. O box em si é bem rígido e bonito. Eu mesmo comprei o n.° "0" e dos números primeiro ao terceiro. Acho que farão kits assim até o quinto número. Ao final, no expediente, consta a numeração que seria se a publicações ainda fossem da Abril, demonstrando atenção com colecionadores antigos. Mas, francamente, penso que o sistema de HQs mensais, ainda mais formatinhos, não vinga. Por melhor que seja a distribuição da editora em diversos espaços, o tempo de exposição de material assim é curto e, convenhamos, pouca gente efetivamente acompanha, de forma religiosa, publicações assim. Podem espernear à vontade, mas nossa época é de encadernados. Mensais já eram.

É isso. Abraços e cuidem de seu rico dinheirinho.

Postagens similares:





domingo, 2 de junho de 2019

John Wick nos quadrinhos


Adaptar quadrinhos para o cinema não é fácil. A possibilidade de errar é grande. Mesmo que agrade ao público, sempre fica aquela sensação de ausência, de que não é a mesma coisa. É que, realmente, nunca será. E o inverso também é verdadeiro. Quadrinizar obras nascidas para a TV ou para o cinema dificilmente encontrarão ressonância plena em nós. É que nos acostumamos com um personagem em uma determinada mídia, só isso.

As HQs recentemente lançadas de John Wick têm o mérito de nos dar algo novo sobre o anti-herói, assim como Animatrix fez com Matrix. Na trama, conhecemos um pouco do passado do ainda imberbe assassino de aluguel. Uma história que nos mostrar a vingança como questão forte na vida de John, desde cedo. Os autores conseguiram levar para as páginas deste quadrinho todo o dinamismo cinematográfico que esperamos. É uma HQ simples, despretensiosa e que certamente lhe renderá bons momentos de puro entretenimento.

Quando estiver à toa, dê uma conferida no canal DELMAK-O STUDIOS.

Abraços e até a próxima.

domingo, 19 de maio de 2019

HQs independentes e Jornal de Histórias em Quadrinhos [ selo Beleléu, REPUBLICAÇÃO de postagem do blogue anterior ]


Beleléu é um selo carioca de publicação independente, com ênfase em artes gráficas. Conhecia algumas publicações, especialmente aquelas disponibilizadas gratuitamente on line. Mas nunca comprava nada, até esses dias. Os preços estavam bons, com frete grátis na loja virtual, e estava mais do que na hora de investir um pouco no trabalho bacana desses caras, além de trazer para a coleção mais títulos nacionais. Quem conhece este blogue, sabe que procuro dar atenção especial a títulos nacionais independentes, pois, selecionando bem o que comprar, dificilmente me arrependo. Além disso, dou mais relevância ao material impresso, pois - para mim - o papel, o livro enquanto objeto tátil, é insubstituível.

Parte significativa dos livros que saem pelo Beleléu são graficamente respeitáveis. Mesmo nos formatos mais simples, no menores livrinhos, há zelo aparente editorial e gráfico. De todas as aquisições, o mais "luxuoso" - por assim dizer - é Friquinique: 20,0 x 23,0 cm, 192 páginas, capa dura com sobrecapa pôster, marcador de página em tecido e papel de boa gramatura (pólen bold 90 g/m³). Friquinique é obra de oito mãos: Eduardo Medeiros, Elcerdo, Rafael Sica e Stêvz. Um dos livros independentes mais bonito que possuo. A dust cover é um entrelaçado de desenhos de Stêvz; as ilustrações das capas, em prata, são de Rafael Sica, e reproduzem frente e verso de um monstrengo. As publicações do selo não são apenas de HQs. São, também, dedicadas à ilustrações e trabalhos gráficos em geral.

Ainda um pouco mais acerca de Friquinique: é um livro sobre o bizarro, o freak. Mas não aquele esquisito exposto em circo ou em eventos médicos. São os estranhos em seu cotidiano que os autores mostram em seus cartuns e quadrinhos (em geral, curtos, com algumas historinhas mais longas encartadas em páginas menores - mini gibis -, dentro do volume). 

Junto a meu pedido, chegaram, gratuitamente, um número de Suplemento- Jornal de Histórias em Quadrinhos - e o libreto Tension de la passion vol. 1 (a experiência quadrinística mais legal que li este ano). Nas imagens abaixo, dei mais destaque ao jornal, pois achei a ideia interessante e os caras fizeram um belo trabalho. Além de entrevista e resenhas, o pasquim trouxe muitas páginas com publicação de quadrinhos e desenhos. O Suplemento que me enviaram é o primeiro número. Espero que venham outros. É um periódico que eu, provavelmente, assinaria. Os responsáveis pela edição são: Heitor Yida, Luis Aranguri, Mateus Acioli e Victor Gáspari. Dentre as boas HQs publicadas no jornaleco, gostei especialmente de: A filha do feiticeiro, Papo de bar e Estava a velha em seu lugar.

Ficam as sugestões. Abraços e até a próxima.