Mostrando postagens com marcador Livros. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Livros. Mostrar todas as postagens

sábado, 24 de agosto de 2019

Sombras da Noite de Stephen King


Não sou tão fã do King contista. Quatro Estações é fantástico; demais antologias com as quais mantive contato, não. Prefiro King romancista, extenso, prolixo, em mil páginas de tramas enroscadas em sub tramas e mini spoilers. Mesmo assim, recomendo que deem chance a Sombras da Noite diante do bom humor que permeia praticamente todos os contos insólitos. Não comprei a edição recente da Suma de Letras nem a antiga da finada Francisco Alves. Li mesmo em ePub, no Kobo que passou a fazer parte de minha vida de leitor desde que o ganhei. Algumas narrativas me chamaram mais atenção por sua ligação com outras histórias do mesmo autor (isso tornou-se cada vez mais corriqueiro em sua bibliografia). Outros contos foram estendidos e adaptados para o cinema. Os mais curiosos, comento a seguir.

Em Jerusalem's Lot, temos a prévia do que viria se tornar o romance homônimo. O conto é epistolar, elaborado com base em cartas e diário de bolso. Na pequena Chapelwaite do século XIX, Charles Boone e o factótum Calvin McCaan residirão na mansão dos Boone. Sons estranhos não dão sossego. A mansão parece tomada por forças malignas, similares à mesma conhecida na Casa Marsten do romance posteriormente editado. Logo, Charles Boone tem contato com o pequeno vilarejo chamado Jerusalem's Lot, então local abandonado e temido por todos os moradores das redondezas. A Saideira é outro conto que funcionaria como sequência dos eventos narrados no romance 'Salem Lot, onde dois homens vão ao resgate de uma família perdida na nevasca.

Já Ondas Noturnas nos dá a prévia do que se tornaria o calhamaço Dança da Morte. O vírus Capitão Viajante já destruiu boa parte da população global. O grupo de amigos protagonista está vivendo à beira mar, sem saber mais o que fazer, convivendo com o medo e sem muitos resquícios de civilidade. Algo meio O Senhor das Moscas de William Golding. Diferentemente do romance, na história curta temos um vírus de comportamento diverso, que ainda pode continuar se manifestado após certo tempo incubado.

Sou O Portal me lembrou, de longe, o filme The Astronaut's Wife (1999), pela ideia da vida alienígena pegando carona em astronautas para ocupar (colonizar) nosso planeta. O final do conto é grotesco, bem ao melhor estilo de King escatológico.

Em Massa Cinzenta, o pinguço local transforma-se numa entidade bizarra após ingerir cerveja batizada com, talvez, estranho fungo. O personagem que sofre mutação me recordou bastante o pai de Beverly Marsh no romance IT. Além disso, há uma história dentro da história. Artifício típico de King! A menção à gigantesca aranha habitando os esgotos da cidade não deixa de ser, de certa forma, inspiração para a forma assumida por Pennywise quando em sua "casa" abaixo da fictícia Derry. Ao menos, me pareceu isso.

Campo de Batalha é uma história muito legal, onde enigmático assassino de aluguel recebe uma caixa com soldadinhos e veículos de guerra de presente de sua contratante. As miniaturas têm consciência e empreendem enorme guerra dentro do apartamento. A trama já foi levada à TV no primeiro episódio da série Nightmares & Dreamscapes, tendo como protagonista William Hurt. Na adaptação, não há diálogos. Dos oito episódios do programa, esse foi o único que valeu a pena.

Caminhões: só mesmo Steve para escrever a história onde veículos de grande porte tornam-se autônomos, sitiam humanos no posto de gasolina (e, acreditamos, em todo o mundo) e, mesmo assim, consegue nos convencer que tudo aquilo poderia ser real. É a ressonância emocional que apenas grandes contadores de história conseguem atingir.

Quem lê o rei do Maine sabe que nem tudo em sua prosa são monstros, terror insólito e sangue. Ele é bom em todos os aspectos. E, em Sombras..., dá espaço para narrar pequenos dramas familiares. Recomendo bastante os tocantes O Último Degrau da Escada e A Mulher no Quarto. Naquele conto, um advogado próspero se lamenta por ter falhado em proteger sua única irmã. Neste último, temos o dilema da eutanásia, quando o filho pensa acerca da postergação da vida da mãe doente. King sempre tocou na ferida da doença em várias de suas obras; a morte lenta e sofrida que, várias vezes, retira quaisquer resquícios de dignidade do ser humano. Vale lembrar que a mãe do escritor morreu de câncer, após décadas de dedicação ao lar, cuidando sozinha dos filhos. Pois é. Alguns têm sorte de ter tido boas mães...

O Homem do Cortador de Grama é emblemático. A primeira referência que vi a esse conto foi que seria a base para o filme O Passageiro do Futuro (The Lawnmower Man, 1992). Depois, descobri que o próprio Steve acionou extra judicialmente a produção para que retirasse seu nome dos créditos. Simplesmente porque filme e conto não possuem absolutamente nada em comum. Nada mesmo. Gosto do filme. Achei o conto interessante por invocar antigas divindades para nosso cotidiano. E me assombrei com a canalhice roliudiana em todo o imbróglio jurídico.

Ex-Fumantes Ltda me divertiu bastante. Uma empresa inova no método de convencer pessoas a largar o tabaco. Primeiro, dão choques elétricos em sua esposa. Depois, cortam as extremidades de seu corpo ou batem em seu filhos. Se você contratou esses caras, não pode rescindir o acordo. No final das contas, é uma narrativa com bastante bom humor, assim como a maioria dos contos.

Meu primeiro contato com o mote de As Crianças do Milharal foi pelo cinema: Colheita Maldita. Adorava esse filme. Hoje, acho-o meio bobo. Mas ainda guardo o DVD, que fiz questão de comprar há anos num cestão das Americanas. É isso, enfim: leiam o livro para entreter nas horas vagas.

Abraços sombrios e até a próxima.

domingo, 11 de agosto de 2019

Terror e encanto em Dylan Dog



Esta história acabou em sangue, como em sangue havia começado. 
Se não são lírios, são sempre filhos. Todos vítimas deste mundo.
(DyD #383, Profondo Nero)

O primeiro a abandonar A Ilha Que Nunca Existiu das vastas Terras do Nunca foi o temido Capitão James Hook, seguido por seu nêmese réptil. Os marujos tomaram, cada um, rumos oposto. Aos poucos, os meninos perdidos também se foram, viver mundanalmente. Sereias partiram para o show business e, enfim, os nativos locais tornaram-se militantes, ativistas no louco ocidente do mundo real, cobrando fictícias "dívidas históricas". Wendy morreu de velhice junto aos meninos humanos e, um dia, Peter Pan sumiu com Tinker Bell. A Ilha Que Nunca Existiu passou, então, a existir, ocupada por empresas, famosos em férias, instituições financeiras e resorts. Já em Londres, muito tempo depois, meninos perdidos, agora idosos, tramam planos macabros para se tornar novamente jovens. Logo, passam a ser executados um a um e apenas o contramestre Smee atenta para isso, nutrindo medo que achem ser ele o responsável. Como proteção, busca os serviços do Investigador do Pesadelo, e aí está feita uma ótima trama dylandoguiana, impecavelmente executada por Michele Medda (roteiro) e Luigi Piccato (arte). Trata-se d'A Batida do Tempo (#08, série regular).

Ao destacar Dylan Dog, sempre invoco sua fluência entre esta realidade onde habitamos e o onírico, onde, oras!, igualmente habitamos. Assim, no cotidiano, DyD é o operário que precisa pagar as contas, mas adoece e, no leitor hospitalar, trava conhecimento com A Mãe de Todas As Doenças em sua forma feminina: sádica, sensualmente trajada em couro e muito, mas muito carente. Ele conhece o típico velhinho enfezado que detesta pessoas mal educadas, só que as punindo de maneira brutal - e sobrenatural - devido à falta de gentileza e mostrando ao detetive o que é o Horror. DyD, ao ver sua ex namorada definhando devido à Aids (DyD n.° 88, Uma Vida Por Outra), barganha com a Morte. Em curtos diálogos acerca de assuntos aparentemente banais - porém, mágicos - ele nos dá lições de Magia do Caos. Esta edição é outra assim: somos levados a nos encantar com o mundo mágico do garoto que não cresce, piratas e fadas ensandecidas. No meio de tudo isso, há sangue e o terror do estupro coletivo. No final, há redenção para todos e aquela deixa sobre o tempo inexorável que a tudo derrota, até mesmo atingindo criaturas mágicas. Li A Batida do Tempo e, infelizmente, não posso escrever mais pois entregaria o melhor do enredo. HQ dos tempos áureos do herói.

Dylan Dog, em sua nova série, está de ruim a mediano. Contudo, as publicações "antigas" (foram de ontem!) são em sua totalidade - sem exageros de minha parte - de ótimas a excelentes. Só penso que a Mythos poderia editar tudo em volumes tipo biblioteca histórica, com livros mais volumosos e, para baratear, em miolo pisa-brite. É meio burro, nos dias de hoje, com tantos scans, fazer isso mês a mês em offset e a quase trinta paus cada revista.

Do investigatore dell'incubo, também li a boazinha Prelúdio para Morrer, escrita pelo grande Dario Argento e com arte magistral de Corrado Roi. A trama gira em torno de assassinatos, aristocracia britânica e, em meio a tudo isso, a turma do sadomasoquismo. Sobre Argento, basta destacar ter sido um dos escritores de Era Uma Vez No Oeste, entre tantas outras coisas de uma época onde o cinema era mesmo bom. E Corrado Roi, hoje, é o maior artista de DyD. Contudo, Prelúdio para Morrer é HQ relativamente fraca, mas onde a Mythos meteu capa dura e papel nobre para encarecer o produto. É disso que sempre falo: más escolhas editoriais. Insisto que tudo poderia sair em material similar à coleção histórica, com algo em torno de três números por volume. Ainda quanto a esta HQ, penso que Dario Argento desliza bastante ao insistir em críticas sociais à nobreza de uma terra que não é sua. Os ingleses estão felizes com Reis e Rainhas, ora. A vida dos Príncipes vende bem nos tabloides e ninguém se incomoda, ali, com títulos nobiliárquicos e a existência da Câmara do Lordes. Mas Argento pensa que sim e joga na aristocracia a culpa pela imundície humana, sem perceber que, seja rico ou pobre, o ser humano é quase sempre um merdinha e apenas mediante força de vontade e meditação talvez evolua. Conheço rico boa praça e pobre escroto - e vice-versa. Esta é a vida.

Outra trama sensacional, ainda não publicada aqui, está disponível no Canal Delmak-O (Vídeo Gibi). O Preço da Carne retoma o mote nuclear de DyD: zumbis. Contudo, faz isso de uma forma bem fora do convencional e com contornos mundanos: sexo, violência contra mulheres e prostituição forçada. O mais bacana é que a história nos remete ao antigo conto do cemitério amaldiçoado de onde todos retornam, em clara referência ao romance Dellamorte Dellamore de Tiziano Sclavi, onde o coveiro Francesco Dellamorte se apresenta como protótipo do que viria a ser Dylan Dog. Neste gibi, inclusive, há menção à semelhança entre o investigador e o ator Rupert Everett, protagonista da adaptação do romance para o cinema e base para os traços de Dylan. Para mais sobre isso, leiam aqui a postagem acerca do filme. E o final da história não foge ao principal aspecto da mitologia do personagem, diante do Horror, da necessidade de tomar decisões difíceis, um pouco de ternura e, por que não!?, encanto.



Quando afirmei que a nova série, sob a batuta de Roberto Recchioni, não anda bem das pernas devido à mordaça do politicamente correto, não exagero. O canal Delmak-O publica bastante coisa da nova fase e, ali, vocês podem comparar. Esses dias, lendo Um Velho Começo (#3 da Nova Série), encontrei até mesmo algumas indiretas sobre isso no roteiro de Michelle Medda (mesmo escritor de A Batida do Tempo). A trama precisa ser podada - dos limites do insosso ao estúpido - para se adequar às diretrizes da nova linha editorial. Os prints acima falam por si.

Entretanto, vale a pena acompanhar as novas histórias? Sim. No meio de material mediano, podemos encontrar bons momentos de puro entretenimento e, claro, DyD é aquele tipo de personagem sempre bacana para matar alguns minutos. Como afirmou Alan Moore certa vez, o bom escritor deve se mover na ficção, jamais na mentira. Boas narrativas devem encontrar amparo emocional no leitor de maneira que, por mais fantasiosas que sejam, pareçam críveis. Aí reside a Magia, o poder da imagem e das palavras. E Dylan Dog é aquele personagem que transita no fantástico com pés no chão, não ridicularizando a inteligência de seu leitor.

Fico por aqui. Abraços e até a próxima.

Postagens relacionadas:
Imagem de meu acervo pessoal, com obras aqui citadas.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

A Memória Vegetal de Umberto Eco e o colecionismo


Imagem de meu exemplar.

Conclui a leitura de A Memória Vegetal & Outros Escritos Sobre Bibliofilia de Umberto Eco. Este grande escritor também é colecionador de livros raros e frequentemente convidado a escrever catálogos para feiras, antiquários e casas de leilões afins. Gostei bastante da obra, especialmente por conhecer um pouco mais até onde chega a loucura desse ramo do colecionismo onde uma nervura a mais na lombada pode quadruplicar o preço da obra, e onde pessoas gastam fortunas para adquirir livros que jamais serão lidos. Amo o livro como objeto; mas jamais compraria um se não pudesse lê-lo. Sei que algumas pessoas compram "apenas" pelo aspecto do colecionismo, considerando ano, raridade e estado da obra. Não os critico. Acho que quem possui muita grana tem mais que torrar com o que lhe dá prazer.

A edição é da Record com tradução de Joana Angélica D'Ávila. Esta espetacular tradutora empreendeu uma tarefa hercúlea. Não deve ter sido fácil compreender tantos trechos técnicos do mercado obscuro da bibliofilia. Além disso, sua pesquisa foi ainda mais interessante quando nos deparados com algumas "N. da T." bem interessantes e essenciais à compreensão de alguns trechos. Foi dessa mesma profissional a tradução de O Cemitério de Praga, já resenhado por mim.

O livro é pequeno. Possui em torno de 270 páginas, naquele ótimo papel amarelado (tipo off-white) para se ler sem ofuscamento pela luz, cansando menos. É dividido em quatro temas, com vários artigos compondo seu conjunto (anteriormente publicados a esmo em diversos veículos especializados). Já está na segunda edição. Não seria interessante resenhar esta obra, aqui, pois são diversos os temas abordados, dentro desse estranho mundo dos bibliófilos de carteirinha. Mas achei legal destacar algumas passagens. Em um determinado momento, Eco cita os leitores de quadrinhos de uma maneira engraçada: "Vejam, portanto, como até um colecionismo modesto e não bilionário pode contribuir para a conservação de um imenso patrimônio de memória vegetal. Mirem-se no exemplo dos colecionadores de história em quadrinhos, que protegem sob invólucros de plástico velhos álbuns impressos em papel vagabundo, constituindo arquivo de uma literatura frequentemente menor, muitas vezes até péssima, mas que deve permancer ao menos como documento de costumes". Ah, ressalto o "frequentemente"; como sabemos, Eco não é odioso em relação aos gibis, já tendo escrito até introdução à HQ O Complô, de Eisner, e escrito seu quinto romance sobre essa forma de comunicação em massa, de maneira até ilustrada: A Misteriosa Chama da Rainha Loana (Record, 2005). Além disso, alguns quadrinhos faziam parte de sua leitura regular, como declarou: "Posso ler a Bíblia, Homero ou Dylan Dog por dias e dias sem me entediar". Era tão fã do personagem que manteve amizade com Tiziano Sclavi, criador do título, até sua morte. Inclusive, foi até mesmo personagem de uma história do investigatore dell'incubo, a mediana Alguém Chama do Espaço, publicada aqui pela Mythos em fevereiro de 2019.

Em outro momento da obra, o autor nos fala sobre "as loucuras dos especialistas", onde muitos grandes autores de hoje já tiveram seus trabalhos apedrejados no início. Eu já conhecia alguns dos exemplos ali narrados de uma matéria antiga da revista Veja, sobre os fatos coletados por André Bernard em seu livro Rotten Rejections. Bem colocado por Eco é que algumas obras só encontram respaldo mais à frente, quando encontram seu momento; assim, "convém deixar as obras de arte em repouso, como os vinhos".

Também encontramos muito bom humor no decorrer da leitura - isso é regra nas obras de Umberto Eco. Ao final do livro, nos deparamos com alguns "crônicas" sobre mundos imaginados. Numa delas, estão em análise escritos que um pesquisador alienígena elaborou acerca de uma extinta raça humana: "(...) decifradores marcianos bem rapidamente haviam elaborado manuais de tradução (o primeiro termo decifrado foi "cu", entendido como "lugar genérico onde se vai tomar alguma coisa")".

Fica a sugestão de leitura! 

Abraço a todos.


quinta-feira, 25 de julho de 2019

Arte, Design, Publicidade e Propaganda [ Livros ]



Esta postagem não saiu bem como premeditei. Acabou ficando extensa e, mesmo assim, muita obra de meu acervo ainda restou de fora. Não consegui ser resumido e, talvez, precise de uma segunda parte. Achei complicado tentar condensar muita informação numa única postagem, bem como mostrar tantos livros ao mesmo tempo, de forma coesa. Além disso, os assuntos abordados não são a "minha área" e corro o risco de falar muita merda a respeito dos temas. Mesmo assim, estou publicando esta "matéria", por assim dizer. Possivelmente, alguém se interessará por ela ou por algumas obras aqui exibidas. Se isso ocorrer, terá sido proveitoso. É isso. Vamos em frente.

No documentário A Paisagem Mental de Alan Moore, o ermitão inglês, ao se autodeclarar mago, afirma que xamãs da atualidade são jovens cheios de boas ideias que se dedicam a manipular signos em favor da publicidade, para vender algo. Como se trata de Alan Moore, ele não deixar de citar isso com viés negativo. Penso que essa discussão não seja relevante. Sou admirador do trabalho de grandes publicitários e designers gráficos que dedicam seu talento e neurônios à produção de campanhas inteligentes ou à elaboração de identidades visuais marcantes. É um meio sobre o qual não conheço nada. Apenas dedico algumas horas à fruição consciente dos trabalhos desses xamãs. Falo "consciente" porque, de maneira desinteressada, estamos sempre recebendo a informação que eles espalham em nosso cotidiano, em rádio, televisão, outdoors, embalagens de produtos, etc.. Não há como se distanciar, ainda mais atualmente por meio de redes sociais, publicidades em Youtube e até mesmo em aplicativos gratuitos.


Na Tv brasileira, acredito ter sido a novela Meu Bem, Meu Mal a primeira a dar atenção ao setor de design em geral, um boom na área, assim como Explode Coração fez com a internet. A novela, exibida entre 29 de outubro de 1990 e 18 de maio de 1991 pela Rede Globo, foi escrita por Cassiano Gabus Mendes (que deixou saudades) e ainda é bastante conhecida em razão dos personagens interpretados por Guilherme Karan (Porfírio) e Vera Zimmerman (a “divina” Magda). E quem não se recorda de Lima Duarte como Dom Lázaro Venturini? A abertura fazia referência ao trabalho de designers de produtos. Confira aqui.

Não há mundo moderno dissociado do trabalho de gênios "discretos" das artes gráficas, do design gráfico. Se você come uma certa marca de aveia e utiliza lenços de papel, provavelmente topa cotidianamente com trabalhos de Saul Bass. Alguns cartazes de Milton Glaser - se você ouve Bob Dylan ou viu, por acaso, aquela marca I (coração) NY - integram a cultura pop de forma inexorável. A herança tipográfica de Herb Lubalin - definido por Jaguar como "um dos sumo sacerdotes do graphic design, essa sofisticada religião do século XX" - encontra eco nos mais diversos anúncios, desde entre marcas transnacionais até no letreiro da butique de nosso bairro. Do gênio criativo de Paul Rand, por exemplo, vieram dois dos mais conhecidos logos corporativos do Planeta: as identidades da multinacional tecnológica IBM e do canal televisivo ABC. Acho que vale a pena compartilhar, aqui, algumas publicações afins. Daí, a origem desta postagem. Como apoio, a fim de evitar muitas fotografias, optei por vídeos (abaixo).

Marcas Fortes (Editora Escala, 2002) foram publicações especiais da revista Gráfica - o veículo mais prestigiado, em matéria de arte gráfica em geral, de nosso País. A edição que possuo compendia os primeiros dois volumes lançados, onde encontramos grande acervo de logomarcas que ajudaram dezenas de empresas (gigantes - como a AT&T - e pequenas, como aquele café ou ateliê presente na esquina de nossa rua) a ter uma identidade visual eficiente. De início, temos um breve histórico da comunicação visual, desde a pré-história à atualidade. Após a imensa coleção de logotipos (com indicações do designer responsável e do cliente), encontramos dois artigos sobre precursores do design - não apenas do gráfico - em nosso País: o pernambucano Aloísio Magalhães, que criou identidades para empresas como a Souza Cruz e o Grupo Unibanco (imagens vivas até hoje) e do paulista-baiano Ruben Martins, um dos fundadores do primeiro escritório de design brasileiro: o Forminform. O único "contra" da edição é ser totalmente em P&B.

Na rastro de Marcas Fortes, pararam em minhas estantes dois volumes de Logo Design da alemã Taschen. Os tijolinhos editados por Julius Wiedemann em formato agenda são demais. Trilíngues, só pecam pelo preço. As obras não se limitam a compendiar logomarcas à toa. Tudo é sistematizado, bem selecionado e organizado por categoria (eventos, música, serviços etc.). Além disso, quase um quarto de cada volume dedica-se a estudo de casos, de soluções gráficas encontradas por bons designers. É na identidade visual marcante que o "xamã" consegue chegar bem fundo em nossos miolos, em nossas emoções. Quando George Eastman criou a marca Kodak, por exemplo, o fez pensando na força da letra "K". Parece bobagem, mas ele conseguiu tornar esta marca impactante a começar pelo nome e seu logótipo baseado na letra que aparece duas vezes numa mesma palavra tão curta, justamente no início e no final. Na introdução ao terceiro volume, Paul Middleton define bem a relevância da marca: "Os logótipos converteram-se na pedra angular do consumismo, um dos elementos essenciais que suscitam a ânsia e o desejo, garantindo o Santo Graal da compra repetida". Com o logo eficaz, o mago lança um encanto eficiente, difícil de quebrar.


Os dois volumes de Si É Bayer, É Bom - Reclames da Bayer tem um lugar especial em minha estante. Os livros da Carrenho Editorial são bacanas. Com capa dura, sobrecapa, formato álbum, reúnem uma amostra de material publicitário impresso da Bayer, entre os anos de 1911 a 1942 (Volume I) e 1943 e 2006 (Volume II). Os dois tomos tiveram tratamento gráfico, design e formatos similares, salvo pelo papel, que, conquanto no primeiro não seja o cuchê de alta gramatura utilizando no seguinte (fosco, 170 g/m²), é de boa qualidade, pesado, auxiliando bastante na impressão. Entretanto, permitiu que, com o tempo, fosse tomado por manchas de oxidação, mesmo havendo grande cuidado na conservação. O título "Si é Bayer, é bom" evoca antigo bordão da companhia química e farmacêutica alemã, fundada no século XIX, que já vendeu de cocaína e heroína para crianças a produtos para peste animal em geral, além de associação com o nazismo, como era comum com qualquer grande empresa, à época do Reich. Afinal, assim se dá a planificação econômica tão almejada por nazistas, fascistas e comunistas: corporativismo. Aqui no Brasil, recentemente, vimos algo similar com os governos petistas, onde o aparelho burocrático servia aos amigos empreiteiros, grupos de comunicação e instituições financeiras.

O primeiro volume foi organizado por Zélio Alves Pinto, irmão do famoso autor e ilustrador Ziraldo, que tanto já vimos neste blog. O segundo tomo foi organizado pela "Narrativa Um - Projetos e Pesquisa de História", e acompanhou um DVD com diversas peças publicitárias.

Uma grande falha das edições é a ausência de informações acerca da equipe que produziu os reclames. Nem ao menos informações acerca da empresa publicitária foram disponibilizadas. Abaixo de cada imagem há, somente, indicação do veículo onde a publicidade foi estampada e o ano correspondente. Sobrou muito espaço em branco nas páginas. A imagens poderiam ser maior. Parte do espaço inutilizado serviria, ao menos, para a disponibilização desses dados. Enfim, o trabalho de "pesquisa" foi precário. Não há como dizer o contrário. A pesquisa se deu, apenas, em bancos de imagens da própria Bayer e de veículos que, costumeiramente, veiculavam suas propagandas. Mas isso não retirar o prazer em folhear esses volumes. Particularmente, gosto bastante das propagandas da Aspirina e de sua predecessora, a Cafiaspirina. Talvez por gostar do produto! A propósito: me surpreende como nunca utilizaram o poema Ode à Aspirina, do João Cabral de Mello Neto (grande fã do ácido acetilsalicílico no combate às suas constantes enxaquecas) em uma campanha publicitária.

Nota-se o uso preponderante de ilustrações, nos primeiros anos (Volume I). E sem cores, em razão da deficiência nos meios de reprodução em periódicos, à época. Além de meras ilustrações, algumas propagandas faziam uso dos quadrinhos (sem balão, com legendas abaixo de cada quadro). Com o tempo, as cores foram aparecendo timidamente, em poucos tons. Mas o que impressiona mesmo é a força do desenho. Nas últimas páginas, aliás, ao invés de apresentar, mediante fotografias (em um anuário destinado aos farmacêuticos), um breve tour pela matriz nacional da Bayer, utilizaram desenhos, talvez em razão de dificuldades de impressão de fotos, em boa resolução, em mencionada revista.

O primeiro volume tem alguns méritos. Além da edição ser da própria área de comunicação da Bayer, com a direção do gabaritado artista gráfico Zélio Alves Pinto, a encadernação ficou por conta do Círculo do Livro, sempre caprichando. Além disso, as imagens no primeiro volume tiveram reprodução em maior resolução.

Há algum tempo também trouxe ao acervo o belíssimo livro Saul Bass A Life in Film & Design por Jennifer Bass e Pat Kirkham. O tijolão em capa dura com sobrecapa reúne 1484 ilustrações em 440 páginas, no imenso tamanho de 290 x 258 mm. Os textos são maravilhosos. Penso, contudo, que a parte do trabalho cinematográfico poderia vir acompanhada por dispositivo digital onde depositassem arquivos em vídeo. Contudo, claro, com o Youtube, podemos pesquisar tudo isso, mas não é a mesma coisa.

Acredito que a Graphis foi, durante décadas, o mais importante periódico de comunicação visual. Com o tempo, deixou de ser apenas uma magazine e tornou-se uma instituição, cuja missão é servir de repositório da melhor da arte gráfica publicitária internacional. Criada pelo designer suíço Walter Herdeg durante a Segunda Guerra Mundial, edita, regularmente, os especiais dedicados a pôsteres e seus anuários diversos, organizados por tema (design, cartaz, fotografia, marcas etc.). Você não precisa ser designer ou publicitário para ter essas publicações em casa. Basta gostar de arte para se deliciar com as boas sacadas publicitárias de gente criativa, que dedica seu gênio a estimular o consumo desenfreado que destrói este Planeta moribundo. Confira mais no sítio da instituição.

Fico por aqui. Para mais, confiram os vídeos.




segunda-feira, 8 de julho de 2019

Livros, sebos e leitura digital

Photo by Min An from Pexels
"Corso era um mercenário da bibliofilia, um caçador de livros por conta de outros. Isso inclui os dedos sujos e o verbo fácil, bons reflexos, paciência e muita sorte. Também uma memória prodigiosa, capaz de recordar em que canto poeirento de um sebo dorme aquele exemplar pelo qual pagam uma fortuna. sua clientela era seleta e reduzida: uma vintena de livreiros de Milão, Paris, Londres, Barcelona ou Lausanne, dos quais só vendem por catálogo, investem sem risco e manejam mais de meia centena de títulos de cada vez, aristocratas do incunábulo, para os quais o pergaminho ao invés do velino, ou três centímetros a mais na margem da página, supõem milhares de dólares. Chacais de Gutenberg, piranhas das feiras de antiguidade, sanguessugas de leilões, são capazes de vender a mãe por uma edição príncipe; mas recebem os clientes em salões com sofá de couro, vista para o Duomo ou o lago de Constança, e nunca mancham as mãos, nem a consciência. Para isso servem os tipos como Corso."
O trecho acima retirei de meu exemplar de O Clube Dumas de Arturo Pérez-Reverte, a melhor (ou única!) obra que li acerca de mercado livreiro. Na verdade, o cerne de toda a obra é justamente a negociação de obras impressas raras e manuscritos. Trama magnífica, dinâmica e bem amarrada, foi adaptada para o cinema num trabalho "marromenos" de Roman Polanski com Johnny Depp no papel principal (The Ninth Gate ou O Último Portal, de 1999). Achei bacana transcrever a passagem acima porque mantem total relação com esta postagem, a qual traz sugestão de documentário, ao final, e algumas considerações pessoais acerca de livro físico e leitura digital.

Gosto bastante de sebos, bibliotecas e livrarias físicas. Fazia postagens a respeito no blogue anterior e, recentemente, fiz algo similar aqui quando comentei o livro A Biblioteca: Uma História Mundial e mostrei minha atual mini biblioteca após mudança de residência. Esses ambientes, contudo, vão ficando cada vez mais apenas na memória, à medida que livrarias fecham e sebos só se mantém em pé no meio eletrônico, mesmo assim não praticando bons preços e superestimando livros ditos raros que, no máximo, andam meio esgotados. Outro grande problema é o estado de qualidade, de conservação. Já topei com volumes caindo aos pedaços, sem sobrecapa e riscados sendo vendidos por preços extorsivos porque o pseudo Mercador de Livros o elevou ao status de raridade. Coisas do Brasil, creio, onde tudo é caro.

Gosto do pequeno documentário realizado pela Estácio sobre livreiros de usados: Sebos & Sábios. Havia recomendado no site antigo e, agora, vendo que não republiquei a postagem, aproveito para fazê-lo. Certamente não concordo com todo o afirmado pelos profissionais entrevistados. No entanto, o documentário ficou bacana e, no Youtube, não encontro nada similar de melhor qualidade. Por mais que andem numa fase esquisita, sebos são locais pelos quais cultivo certo carinho. Confesso não gostar tanto da palavra sebo. O português lusitano com seu "alfarrabista" é mais interessante. Ou até mesmo somente "livraria de usados, raros ou antigos". Dizem que sebo derivaria do inglês SEcond hand BOok ou do engorduramento em capas de livros usados quando da leitura, no passado, sob luz de vela. Certeza acerca da origem, ninguém possui. Ainda penso que a palavra foi escolhida, deveras, por sua conotação aviltante e nada mais. Se não escolhida, mantida por este motivo.

Há algum tempo venho equilibrando meu prazer pela leitura entre o suporte tradicional de papel e o meio eletrônico. Tudo começou quando ganhei de presente o Kobo Glo de alguém especial. Meio torci o nariz de início, mas me apaixonei aos poucos pela praticidade e economia. Poder ler à noite, com as luzes apagadas, aumentando fontes e margens, é mais que bem vindo na minha idade onde a visão cansa. Para HQs, utilizava tablet com 9.5", o qual me vi coagido a deixar definitivamente com minha filha, de tanto ela pedir e não largá-lo mais. Assim, comprei outro com 10.5" e afirmo: é maravilhoso para ler quadrinhos.

Fui alguém que comprou muitos livros em livrarias. Algumas pessoas mais jovens até sorriam. Um estagiário em meu serviço chegou a zombar porque eu comprava em livraria física, mais caro, ao invés de apenas em lojas on line. Tentei lhe explicar o prazer que sentia ao estar numa livraria, pequena ou megastore, folheando livros e tomando café e, finalmente, sair com algo em mãos. Eu, realmente, fiz minha parte pela sobrevivência do setor, dentro de minhas limitações e possibilidades. Mesmo sendo um consumidor para o qual as editoras e corporações livreiras sequer prestavam atenção, estava lá, torrando grana  por meu prazer mais íntimo, pro meu deleite pessoal e, claro, porque sabia que, sem um público parecido comigo, tudo aquilo acabaria. O tempo mostrou que tais negócios não se sustentavam mais, amiúdes.

Em suma, curtam o documentário a seguir e abraços.








domingo, 5 de maio de 2019

Minhas estantes de livros e HQs [ a minibiblioteca do Neófito ]


Já comentei um pouco por aqui quanto à minha organização de livros e HQs. Na verdade, nunca consigo bem uma "organização". É mais um "jeitinho" para fazer tudo caber em algum lugar sem danificar. O importante, além de organizar, é conservar. Fiz esta postagem só para mostrar um panorama do que utilizo para guardar [quase] tudo.
  1. Uma estante larga: 1,30m (largura), 2,35m (altura) e 0,35m (profundidade);
  2. Estante estreita: 2,40 m (altura), 0,60 m (largura) e 0,23 m (profundidade)
  3. Um nicho com quatro módulos: 0,38 m (altura), 2,30 m (largura) e 0,20 m (profundidade)
  4. Outro nicho sem divisórias: 0,25 m (altura), 1,33 m (largura) e 0,32 m (profundidade)
  5. Um armário fechado: 0,50 m (altura), 1,33 m (largura) e 0,32 m (profundidade)
  6. Update: Um nicho com dois módulos: 0,40 m (altura), 1,70 m (largura) e 0,31 m (profundidade), para melhor aproveitar o espaço inutilizado sobre a porta.
  7. Update: Estante pequena de metal e madeira para impressora, caixas e outras porcarias.
Ainda faço uso de caixas para guardar formatinhos. Já estou com projeto de novo nicho com quase um metro de largura. Escolhi um cômodo da casa para organizar isso, pois não pretendo espalhar livros e gibis por toda a casa. Mas o cômodo é pequeno e, mais à frente, não terei mais tantas ideia para melhor aproveitar seu espaço. Por enquanto, ainda está dando certo.

Post scriptum. Esta postagem é republicação. Mudei o escritório de lugar com todos os seus móveis quando me mudei. Basicamente, a diferença é que guardei todos os meus DVDs em caixas e estão na dispensa, por enquanto. Atualmente, leio bastante em meio digital, de maneira que o acervo não cresce significantemente.

Sketchbooks: Marcelo Braga, Lourenço Mutarelli e Outros


Antes de tudo, ressalto não gostar de anglicismo medíocre. Às vezes, o vocábulo estrangeiro ingressa em nosso meio diante da impossibilidade em encontrarmos termo similar. Penso que, no Brasil, a denominação sketchbook é frescura consolidada pelo uso. Isso me lembra quando vou a uma loja e o atendente me mostra camisetas black ou pink; aí respondo: gostei mais da preta. Algumas pessoas no meio desta republiqueta não ganham uma chupadinha; recebem um blowjob. O cara não vende cachorro-quente como o Fabiano: vende hot dog. Porra! Usem o português. Não dói chamar o caderno de desenhos ou de esboços apenas de... caderno. Nos casos abaixo, penso que a intenção foi alcançar um pouco do mercado externo. O livro do Marcelo Braga, por exemplo, é bilíngue. Feita esta introdução inútil, vamos à postagem.

Acho que comecei a gostar de esboços quando, com a internet, popularizaram-se páginas com estudos de artistas gráficos. Não demorou até os encadernados de HQs começarem a trazer, como extras, rabiscos de ilustradores. É interessante ver um trabalho ganhando corpo, observar o processo criativo etc.. Muitas vezes, um trabalho aparentemente inacabado, revelando em esboço, me atrai mais do que se estivesse "finalizado". Isso me faz crer aquela velha história de que um artista não conclui uma obras; apenas a abandona. Onde quer que pare, ela já está pronta. Não sei bem o que houve neste meio artístico; só noto que obras voltadas aos sketchbooks são cada vez mais editadas. O primeiro sketchbook postado aqui foi do Ziraldo: Os Homens Tristes e Outros Desenhos Sem Destino. Agora, compartilho mais três.

Diburros Sketchbook de Marcelo Braga tem 52 páginas, sendo oito delas dedicadas à insólita relação entre os irmãos Vigo & Vermut e o crânio de seu pai (personagens legais!). Penso que vai além de uma mera reunião de esboços, já que há belas ilustrações onde não faltam, realmente, mais nada para serem consideradas "prontas" (se é que isso existe em arte). O trabalho editorial independente, simples, é competente: capa colorida em papel offset cartonado, miolo em chamois fine dunas 120g/m2 (bem grossinho, né?), e formato 16,5cm X 24,0cm. É vendido na página do autor por R$ 15,00 (frete grátis). Gostei bastante desse livrinho. Me diverti admirando seu traço, suas figurinhas esquisitas. A história de Vigo & Vermut poderia ter um ambiente mais extenso para se desenvolver. E a ilustração central de Os Caça-Fantasmas, com Bill Murray e Dan Aykroyd em ação (e Geleia no meio) teve aquele cheiro de infância bem vivida. Sendo a compra direta com o autor, ele nos envia com dedicatória e ilustração exclusiva. E, por coincidência, desenhou o Batman, meu herói preferido! Na última página do livro, o autor cita os materiais utilizados: várias canetas e tipos de cadernos.

Sketchbooks (As páginas desconhecidas do processo criativo)é um livro excelente em todos os sentidos. Além do conteúdo riquíssimo, mostrando um pouco da relação de vinte e seis artistas visuais com seus cadernos, o capricho editorial da já famosa editora Ipsis nos deixa com água na boca. Os artistas são: Alarcão, Alex Hornest, Amanda Grazini, Angeli, Arthur D'araujo, Bruno Kurru, Carla Caffé, Cláudio Gil, Eduardo Berliner, Eduardo Recife, Elisa Sassi, Fernanda Guedes, Guto Lacaz, Hiro Kawahara, Kako, Kiko Farkas, Leo Gibran, Lollo, Lourenço Mutarelli, Montalvo Machado, Mulheres Barbadas, Orlando Pedroso, Rafael Grampá, Roger Cruz, Titi Freak, Yomar Augusto. Muitos desses já eram conhecidos por mim. Alguns, mais do que conhecidos, amados, como Angeli, Mutarelli, Roger Cruz, Grampá e até mesmo Fernanda Guedes (por mais que ache o trabalho desta última sexista, meio norteado pela misandria, adoro seu traço).

O capricho do selo independente Pop (desdobramento da livraria Pop) nos deu uma publicação com capa dura e papel grosso (150 g/m² de gramatura), além de excelente impressão. E o livro veio numa caixa de papelão estilizada, algo que lembra a edição limitada [Herb] Lubalin da Unit Editions. Cada artista é apresentado brevemente. Em seguida, ele dá seu "depoimento" acerca do uso do caderno de esboços e como isso influencia em sua produção, no seu dia-a-dia, em sua arte em geral. E, claro, o restante de cada "capítulo"é de reproduções de esboços.

Algo chamou a atenção durante a leitura dessa reunião de portfólios e depoimentos. Parece que alguns caras não encaram seu caderninho como um instrumento para se chegar a um fim específico, nem que seja para aprimorar a arte. É como se um conjunto de ilustrações, colagens e textos num sketchbook fosse um fim em si mesmo, um objeto de mera vaidade intelectual, para exibir. Acredito que a arte não possui um afã especial além de satisfazer o espírito. Mas essa estranha guinada na adoração dos cadernos de desenhos soa, no mínimo, estéril e esquisita. Apenas meu ponto de vista, claro; respeitadas as opiniões diversas.

Ao vasculharem o acervo de Lourenço Mutarelli, selecionando material para o livro acima, os designers Cézar de Almeida e Roger Basseto encontram muita, mas muita coisa boa. Os cadernos de Mutarelli formavam um mosaico de boa arte e ótimas ideias. Eram um conjunto. Daí, o selo Pop emplacou outra bela edição: Sketchbooks de Lourenço Mutarelli. O box vem com a reprodução integral de cinco cadernos de esboços (impressos em edição facsimile!) e um com apresentação feita por Arnaldo Antunes, textos dos editores e do próprio Mutarelli. Para quem já conhece este site, sabe o quanto sou fã do trabalho desse cara. Para mim, o maior quadrinista em atividade do Planeta. Já falei acerca de algumas de suas obras nestes linksIIIIII e IV. Ainda estou saboreando a caixinha do Lourenço, cada um de seus cadernos; ilustrações aparentemente soltas, mas que encontram ressonância nas demais, às vezes. Encontrei, ainda, muitos esboços de ilustrações que viriam a compor Quando Meu Pai Se Encontrou Com o Et Fazia Um Dia Quente. Um detalhe do esmero desta edição são as páginas costuradas. O capricho da Editora Gráficos Burti seria irreprochável se o papelão da caixa fosse mais rígido.

Post scriptum: os links mencionados não estão mais ativos em razão desta postagem ser uma republicação da versão anterior do Blogue do Neófito.








quarta-feira, 1 de maio de 2019

Glória Feita de Sangue [ Cinema ] e Filmografia de Stanley Kubrick [ Livro ]


Glória Feita de Sangue (Paths of Glory) é um daqueles filmes que nos fazem ter vergonha de ser humanos, em razão dos temas abordados: guerra, falta de caráter, mentiras, oportunismo, inveja, vaidade e egoísmo. Aliás, esta ideia é transmitida pelo Coronel Dax - protagonista interpretado por Kirk Douglas - quando se pronuncia ao seus pares, em um julgamento fajuto no Tribunal Militar onde três inocentes serão condenados à morte apenas para satisfazer o ego dos Oficiais superiores e como forma de abafar o grande equívoco que fora a missão suicida, de um regimento francês, em tentar invadir o domínio germânico - durante a Primeira Grande Guerra - sobre a colina "Formigueiro", próximo à fronteira. Esta produção de Stanley Kubrick é curta e data de 1957, mas já podemos conhecer a genialidade do Diretor/Roteirista, bem como o perfeccionismo que se lhe tornou marca registrada.

O roteiro foi adaptado pelo próprio Kubrick do romance homônimo de Humphrey Cobb. A história começa como um típico filme de guerra, passa à narrativa de tribunal e conclui com o insensato fuzilamento de soldados franceses condenados - de maneira notoriamente injusta - por um plenário de seus compatriotas. Após o fuzilamento, vários militares vão se divertir numa área recreativa, onde a grande atração é uma garota alemã levado ao local contra sua vontade. Os homens, há tanto tempo sem mal ver uma mulher, se exaltam e a ofendem, ainda mais por pertencer à nação rival. Para entretê-los, ela começa a cantar, e nos dá uma das cenas finais mais bonitas do cinema: nenhum daqueles homens queria estar ali.

Aproveito estes comentários a Paths of Glory para sugerir uma ótima publicação acerca do cineasta e sua obra: Stanley Kubrick - A Filmografia Completa, da Coleção Taschen 25 Anos. O trabalho caprichado da editora de arte fundada na Alemanha agrada ao tato: capa dura com sobrecapa, papel cuchê, e ótima impressão em suas quase 200 páginas, no formatão 31,0 x 25,0 cm. O livro começa destacando os trabalhos fotográficos de Kubrick para, após, seguir cronologicamente cada uma de suas realizações no cinema. Trabalho para fãs, com textos bem escritos (no português lusitano, infelizmente), informações úteis e fotografias bem legais dos bastidores de cada um de seus filmes.






quarta-feira, 6 de março de 2019

A Biblioteca: Uma História Mundial


O personagem central de O Nome da Rosa não é o monge detetive Guilherme de Baskerville nem tampouco Adso de Melk, então noviço à época dos eventos e que, já idoso, nos narra toda a história mirífica ocorrida num remoto mosteiro cujo nome lhe pareceu prudente omitir. O protagonismo fica por conta da imensa biblioteca cuja arquitetura remete aos labirintos clássicos. Não apenas neste, mas em diversos romances de Umberto Eco, o conhecimento e a maneira de manipulá-lo são o mote para suas tramas.

Mantive, na adolescência, uma relação íntima com bibliotecas. Residia próximo à feira livre na cidade de Caruaru - PE, onde ficavam as melhores bibliotecas de acesso público, como a do Sesc e a existente na Casa de Cultura José Condé. Esta última era fantástica, com um maravilhoso acervo de livros raros que pertenceram aos escritores José Condé e Álvaro Lins. No início, podíamos circular livremente entre as estantes e foi assim que, por mero acaso, acabei tendo contato com muita coisa boa. Depois, a biblioteca passou a utilizar o sistema de balcão, onde o livro precisa ser solicitado a um funcionário. Bons tempos... Na verdade, não recordo bem se foram tempos tão bons. Contudo, a recordação daquele momento é boa. A isso, afinal, é que chamam de nostalgia.

Um ótimo romance que também dá ao livro enquanto objeto um papel de destaque, bem como às bibliotecas, é O Clube Dumas de Arturo Pérez-Reverte, adaptado para o cinema como o Último Portal por Roman "Pervertido" Polanski. Nesta obra, tomamos contato com um mundo dos livros raros, seus colecionadores endinheirados e lunáticos - bibliófilos e bibliômanos. As nuances da bibliofilia são realmente instigantes.

Há poucas semanas adquiri o compêndio A Biblioteca: Uma História Mundial, do arquiteto James W. P. Campbell e do fotógrafo Will Pryce. Trata-se de uma obra tanto para leitura linear quanto para consultas esporádicas e leituras eventuais. Como quase toda edição Sesc, é caprichada. São 328 páginas em papel similar ao cuchê de elevada gramatura num baita tamanho de 24,0 x 30,0 centímetros, e capa dura com sobrecapa. Acredito que o sucesso da obra se deve a entregar a quem entende o tema "biblioteca": a um arquiteto. Independentemente do conteúdo depositado em suas estantes, uma biblioteca é sobretudo planejamento de espaço físico, ambiental. Eco - citado acima - deixa isso claro em O Nome da Rosa, ao destacar toda a arquitetura labiríntica onde a abadia trancafiava seus valiosos pergaminhos. O objetivo, ali, era impedir o livre acesso às obras, de maneira que apenas o bibliotecário e seu assistente soubessem, por bastante treino e memorização, onde encontrar cada obra requisitada.

Aos amantes de papel impresso e que tiveram a oportunidade de frequentar bibliotecas (espaço em extinção), recomendo bastante esse compêndio o qual, para mim, serve como extensão da edição Livro: Uma História Viva de Martyn Lyons, da editora Senac São Paulo, outrora brevemente resenhado por mim no antigo blogue.

Abraços e até a próxima.