domingo, 5 de maio de 2019

Sketchbooks: Marcelo Braga, Lourenço Mutarelli e Outros


Antes de tudo, ressalto não gostar de anglicismo medíocre. Às vezes, o vocábulo estrangeiro ingressa em nosso meio diante da impossibilidade em encontrarmos termo similar. Penso que, no Brasil, a denominação sketchbook é frescura consolidada pelo uso. Isso me lembra quando vou a uma loja e o atendente me mostra camisetas black ou pink; aí respondo: gostei mais da preta. Algumas pessoas no meio desta republiqueta não ganham uma chupadinha; recebem um blowjob. O cara não vende cachorro-quente como o Fabiano: vende hot dog. Porra! Usem o português. Não dói chamar o caderno de desenhos ou de esboços apenas de... caderno. Nos casos abaixo, penso que a intenção foi alcançar um pouco do mercado externo. O livro do Marcelo Braga, por exemplo, é bilíngue. Feita esta introdução inútil, vamos à postagem.

Acho que comecei a gostar de esboços quando, com a internet, popularizaram-se páginas com estudos de artistas gráficos. Não demorou até os encadernados de HQs começarem a trazer, como extras, rabiscos de ilustradores. É interessante ver um trabalho ganhando corpo, observar o processo criativo etc.. Muitas vezes, um trabalho aparentemente inacabado, revelando em esboço, me atrai mais do que se estivesse "finalizado". Isso me faz crer aquela velha história de que um artista não conclui uma obras; apenas a abandona. Onde quer que pare, ela já está pronta. Não sei bem o que houve neste meio artístico; só noto que obras voltadas aos sketchbooks são cada vez mais editadas. O primeiro sketchbook postado aqui foi do Ziraldo: Os Homens Tristes e Outros Desenhos Sem Destino. Agora, compartilho mais três.

Diburros Sketchbook de Marcelo Braga tem 52 páginas, sendo oito delas dedicadas à insólita relação entre os irmãos Vigo & Vermut e o crânio de seu pai (personagens legais!). Penso que vai além de uma mera reunião de esboços, já que há belas ilustrações onde não faltam, realmente, mais nada para serem consideradas "prontas" (se é que isso existe em arte). O trabalho editorial independente, simples, é competente: capa colorida em papel offset cartonado, miolo em chamois fine dunas 120g/m2 (bem grossinho, né?), e formato 16,5cm X 24,0cm. É vendido na página do autor por R$ 15,00 (frete grátis). Gostei bastante desse livrinho. Me diverti admirando seu traço, suas figurinhas esquisitas. A história de Vigo & Vermut poderia ter um ambiente mais extenso para se desenvolver. E a ilustração central de Os Caça-Fantasmas, com Bill Murray e Dan Aykroyd em ação (e Geleia no meio) teve aquele cheiro de infância bem vivida. Sendo a compra direta com o autor, ele nos envia com dedicatória e ilustração exclusiva. E, por coincidência, desenhou o Batman, meu herói preferido! Na última página do livro, o autor cita os materiais utilizados: várias canetas e tipos de cadernos.

Sketchbooks (As páginas desconhecidas do processo criativo)é um livro excelente em todos os sentidos. Além do conteúdo riquíssimo, mostrando um pouco da relação de vinte e seis artistas visuais com seus cadernos, o capricho editorial da já famosa editora Ipsis nos deixa com água na boca. Os artistas são: Alarcão, Alex Hornest, Amanda Grazini, Angeli, Arthur D'araujo, Bruno Kurru, Carla Caffé, Cláudio Gil, Eduardo Berliner, Eduardo Recife, Elisa Sassi, Fernanda Guedes, Guto Lacaz, Hiro Kawahara, Kako, Kiko Farkas, Leo Gibran, Lollo, Lourenço Mutarelli, Montalvo Machado, Mulheres Barbadas, Orlando Pedroso, Rafael Grampá, Roger Cruz, Titi Freak, Yomar Augusto. Muitos desses já eram conhecidos por mim. Alguns, mais do que conhecidos, amados, como Angeli, Mutarelli, Roger Cruz, Grampá e até mesmo Fernanda Guedes (por mais que ache o trabalho desta última sexista, meio norteado pela misandria, adoro seu traço).

O capricho do selo independente Pop (desdobramento da livraria Pop) nos deu uma publicação com capa dura e papel grosso (150 g/m² de gramatura), além de excelente impressão. E o livro veio numa caixa de papelão estilizada, algo que lembra a edição limitada [Herb] Lubalin da Unit Editions. Cada artista é apresentado brevemente. Em seguida, ele dá seu "depoimento" acerca do uso do caderno de esboços e como isso influencia em sua produção, no seu dia-a-dia, em sua arte em geral. E, claro, o restante de cada "capítulo"é de reproduções de esboços.

Algo chamou a atenção durante a leitura dessa reunião de portfólios e depoimentos. Parece que alguns caras não encaram seu caderninho como um instrumento para se chegar a um fim específico, nem que seja para aprimorar a arte. É como se um conjunto de ilustrações, colagens e textos num sketchbook fosse um fim em si mesmo, um objeto de mera vaidade intelectual, para exibir. Acredito que a arte não possui um afã especial além de satisfazer o espírito. Mas essa estranha guinada na adoração dos cadernos de desenhos soa, no mínimo, estéril e esquisita. Apenas meu ponto de vista, claro; respeitadas as opiniões diversas.

Ao vasculharem o acervo de Lourenço Mutarelli, selecionando material para o livro acima, os designers Cézar de Almeida e Roger Basseto encontram muita, mas muita coisa boa. Os cadernos de Mutarelli formavam um mosaico de boa arte e ótimas ideias. Eram um conjunto. Daí, o selo Pop emplacou outra bela edição: Sketchbooks de Lourenço Mutarelli. O box vem com a reprodução integral de cinco cadernos de esboços (impressos em edição facsimile!) e um com apresentação feita por Arnaldo Antunes, textos dos editores e do próprio Mutarelli. Para quem já conhece este site, sabe o quanto sou fã do trabalho desse cara. Para mim, o maior quadrinista em atividade do Planeta. Já falei acerca de algumas de suas obras nestes linksIIIIII e IV. Ainda estou saboreando a caixinha do Lourenço, cada um de seus cadernos; ilustrações aparentemente soltas, mas que encontram ressonância nas demais, às vezes. Encontrei, ainda, muitos esboços de ilustrações que viriam a compor Quando Meu Pai Se Encontrou Com o Et Fazia Um Dia Quente. Um detalhe do esmero desta edição são as páginas costuradas. O capricho da Editora Gráficos Burti seria irreprochável se o papelão da caixa fosse mais rígido.

Post scriptum: os links mencionados não estão mais ativos em razão desta postagem ser uma republicação da versão anterior do Blogue do Neófito.








2 comentários:

  1. é díficil ver alguém comentando sobre Sketchbooks
    "As páginas desconhecidas do processo criativo" - linda edição, essa ideia de caixa/luva devia ser mais utilizada.

    abs!

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    1. Adoro esses caprichos. Numa época em que as pessoas optam pela leitura on line, o livro físico precisa de atrativos táteis. Abraços, meu grande!

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