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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

O Recruta Zero politicamente incorreto

Ah, Dona Tetê... Não podemos mais objetificá-la.

"Quando a gente acha que chegou ao fundo do poço, sempre descobre que poderia ir ainda mais fundo. Que escrotidão." 

Charles Bukowski

Meu pai não podia entrar dentro de nossa casa quando eu e meu irmão éramos crianças, sob pena de ser assassinado por minha mãe. Esta foi minha infância. Adulto, percebi como era maluco isso; guri, sequer pensava no assunto. Era tudo "normal". E tinha o lado bom, quando meu pai buzinava em frente de casa e íamos com ele dar uma volta nas ruas. Ele gostava de nos levar a uma banca de revistas sediada no imenso terminal rodoviário. Era uma banca enorme. Acho que ocupava uns quatro boxes comerciais ali dentro. Cada um de nós comprava um ou dois gibis, um pacote de salgadinhos (era quando eu comia algo da Elma Chips) com suco de caixinha ou Taffman-E. Os quadrinhos que eu mais comprava naquela época eram Recruta Zero e Turma do Arrepio. Não sei o porquê de não comprar tanto Turma da Mônica naquela fase. Meu irmão, mais velho, optava por super heróis encapuzados ou revistas adultas de terror, como as das editoras D-Arte, Maciota ou Grafipar (acho que eram essas...).

Quando, após meus vinte anos de idade, voltei a comprar antologias de tiras do Recruta, achei tudo meio cansativo. São boas tiras. Mas faltava algo. Então, garimpando scans de gibis antigos, os lidos na infância, descobri que as histórias consumidas por mim eram produções tupiniquins, totalmente brazucas!, com apenas algumas tiras dominicais gringas encartadas no formatinho como "historinhas de uma página". A Globo fazia isso desde a Rio Gráfica Editora, obtendo licença de Mort Walker e do King Features Syndicate para isso. Utilizavam estúdios próprios, com artistas e colaboradores (nunca entendi a diferença entre eles, mas assim vinha no expediente) e estúdios externos, como o Art Nativa e a Nova Sampa. Percebi que alguns números, cuja colaboração externa veio da Alternativa, tiveram substancial mudança na arte e colorização.

As publicações gringas de Zero sempre foram alvos dos guerreiros da justiça social (social justice warriors, ou S.J.W.). Os militantes feministos e desarmamentistas queriam que, no quartel Swampy, os homens fossem politicamente corretos, não portassem armas e sequer pensassem sexualmente na dona Tetê e em tantas outras gostosas. Imaginem se essa turma visse as HQs brasileiras do início da década de '90, justamente as que eu comprava com meu pai? Esse dias, relendo algumas (excelentes!), me deparei com os péssimos exemplos abaixo por mim selecionados.

Sargento Tainha vai estourar os miolos com pistola.

Todo mundo enchendo a lata com cigarros e cachaça.

Taradões importunando sexualmente uma gostosa.

Arremesso de bichanos na careca do idoso.

Não cobiçarás as indígenas alheias.

De qualquer forma, a força dos progressistas endinheirados ganhou a batalha e, hoje, as tiras de Zero (Beetle Bailey, no original) estão sofríveis. O fundo do poço não é o limite! Acabaram as piadas rotuladas pelos S.J.W. como machistas, com indícios de vícios (bebidas, fumígenos e carteados) e ostentação de armas. Quartel, hoje, é um lugar onde as pessoas vão contemplar a vida cor-de-rosa, erguer bandeiras de nichos, subir no topo do arco-íris e lutar pela legalização do pó e do crack.

Tira diária, em 19 de agosto de 2013. Bela ou apenas engajada?

Cresci lendo Recruta Zero na fase Globo. Aparentemente, não me tornei um cidadão inoportuno, parasita, psicopata (acho que não), afim com vícios ao ponto de jogar a vida no lixo por eles e sequer sou um predador sexual, molestador inoportuno de ônibus e metrôs. Mas a agenda globalista politicamente correta sabe disso. Ela não quis o fim de quadrinhos como os acima em prol de algo positivo. O objeto é apenas adaptar pessoas ao porvir globalista de homens frouxos, medrosos e inaptos, carentes do apoio estatal até mesmo para ir ao banheiro durante à noite porque têm medo do escuro.

Ainda acerca da produção nacional, destacamos como nossos estúdios tiveram liberdade para levar os personagens a níveis desconhecidos pela criação americana. Penso que tínhamos bastante liberdade porque, para o King Features Syndicate, seríamos mercado insignificante e os gibizinhos aqui elaborados seriam meros objetos de descarte. No clássico Almanaque do Recruta Zero n.° 01 (1989), tivemos a "saga" de 68 páginas O dia em que o desenhista do Zero sumiu. Nela, houve paródias criativas e divertidíssimas, como O Sargento das Trevas e Zeronin, escritas e ilustradas por um tal Frank Milho. Na história Quem roubou meu coelhinho?, Maurício da Silva - o autor de gibis mais vendido do Brasil - fica à frente das HQs do Zero e nos dá uma trama onde todos, em dimensões diminutas, se esforçam para roubar o coelhinho encardido do forçudo e truculento mini Tainha. De acordo com a própria Globo, numa espécie de editorial ao Almanaque:

"o argumento (...) foi inteiramente criado e desenhado no Brasil e aprovado por Mort Walker, o pai do Zero, que achou excelente a ideia de ver seus personagens incursionando por outros universos além dos domínios do já famoso quartel Swampy, o quartel mais maluco do mundo.".

Enfim. É uma pena ver o que os quadrinhos se tornaram. E isso nas mãos de pessoas que nunca ligaram para quadrinhos e que, aliás, sempre fizeram chacota da legião de "nerds velhos" consumidora de cultura pop. Os S.J.W. venceram. Deles são as batatas podres. Mas não minha grana. Deixei de comprar gibis e livros impressos há algum tempo. Venho restringindo isso ao máximo. O espaço de meu escritório saturou. Tenho filha para sustentar e caiu a ficha que as editoras não gostam de mim, não se importam com meus gostos pessoais de old boy. Fiz apenas uma opção: não verter grana à insanidade e a material ruim de doer.

É isso. Abraços aspirantes e até a próxima.


sábado, 18 de abril de 2020

Pandemia e o mundo segundo Tio Patinhas


Enquanto o vírus avança, a liberdade recua.
Guilherme Fiuza, Liberdade em perigo

O Estado brasileiro é nosso maior inimigo! 

Ricardo Boechat

A menor minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias. 

Ayn Rand

Onde era a casa de Adão e Eva? Era o Universo inteiro. No processo seguinte, o civilizatório, existe a ideia de isolar, controlar e administrar. A salvação humana depende de que alguém controle as coisas. E as tentativas de controle sempre terminam muito mal; terminam em guerras, revoluções, morticínios, desilusões e decepções sem fim.

Olavo de Carvalho no filme O Jardim das Aflições

As pessoas estavam sempre se preparando para o amanhã. 
Eu não acreditava nisso. O amanhã não estava se preparando para elas. Nem sabia que elas existiam. 
- Cormac McCarthy, A Estrada, p. 73, Editora Objetiva, 2006

Cormac McCarthy, citado acima, é um de meus autores preferidos. Meridiano de Sangue estaria no top 10 dos melhores livros por mim lidos, acaso eu fizesse listas. E A Estrada é um romance bem oportuno para o momento atual. Aliás, o mesmo foi adaptado para o cinema em 2009. Para quem gosta de cinema de verdade, também indico O Conselheiro do Crime (2013), cujo roteiro original é do próprio McCarthy. Mas não falemos de obras ditas "cultas" aqui e sequer de cinema. Vamos aos gibis e suas valorosas lições.

Às vezes, nas obras mais descompromissadas - sejam livros, quadrinhos ou cinema -, encontramos trivialidades mais que bem vindas. Hoje, para mim, foi o gibi Tio Patinhas n.° 01 da Culturama, com duas histórias excelentes que remetem à vida no garimpo do velho muquirana. Junto com o Chico Bento, Tio Patinhas é, para mim, um dos melhores personagens dos quadrinhos. A diferença é que Tio Patinhas continua com boas histórias (italianas, dinamarquesas etc.), sem afetação pelo patrulhamento politicamente correto. Já o Chico... prefiro nem mais falar. Ainda acerca de minha paixão pelo Scrooge McDuck, sugiro a postagem Quadrinhos Disney, Culturama e A Saga do Tio Patinhas.

Na história Lembranças do Passado, Dora Cintilante afirma jamais deixar animais silvestres entrarem em sua casa. Patinhas os usa para esquentar o ambiente e, assim, economizar com lenha e demais insumos, no gélido Klondike, advertindo-a que: "O tempo muda as coisa". Ou seja: cedo ou tarde, ela precisaria mudar esse ponto de vista, esse capricho sectário. Nos dias de bonança, Dora pode se dar ao luxo de aquecimento com gás e farta lenha seca. E quando as vacas magras chegarem? Achei bem oportuna a leitura desta HQ para os tempos onde vivemos. Não sei se você reparou, caro amigo, mas o mundo mudou.

Sou servidor público e vejo meus amigos e parentes acreditando piamente que nada vai mudar. Que o Brasil parará por meses e nossa sagrada remuneração cairá integral e religiosamente na conta no dia certo. E mais: que os mercados nos fornecerão comida farta e saudável a preços justos durante todo este período. Que o Presidente de nossa republiqueta, além de se expressar mal (péssimo, na verdade), delira quando afirma que o Brasil não pode parar, pois não existe vida a longo prazo sem suporte econômico. E, sim, sou eleitor do Bolsonaro e creio que ele errou feio ao sacrificar seu futuro político falando obviedades maquiadas em rede nacional. Poderia ter sido mais franco: há um vírus letal no ar e pessoas morrerão. Matemática de guerra básica: quantos? Se utilitaristas, optaríamos por menos no menor prazo possível. A longo prazo, um sistema de saúde estará igualmente colapsado em meio à crise econômica irrefreável. Na miséria, pessoas morrem ainda mais por doenças até banais, suicídios e vitimados pela violência extrema. Não acho que esse isolamento integral, como vem sendo feito, ajude realmente no longo prazo. Arquitetos da fome e do controle social já falam em quarentenas até 2022.

Ah, sobre meu voto, é isso: trata-se de meu voto. Vote em alguém você também. Assuma lados. Atualmente, ao menos possuímos algo positivo: a polarização política. Isso é positivo? Claro, pois antes possuíamos apenas um ponto de vista. Veja bem, caro garoto: vivemos no Estado brasileiro. Infelizmente, anarcocapitalismo não existe. Talvez exista um dia, quando chegarmos ao nível de existência Mad Max mode on. Por enquanto, temos Estado. Este, possui Governo. E este é ocupado por pessoas. Por trás dessas, há ideias, ideais, ideário ou ideologias. Ficar apenas em cima do muro bradando por mundo melhor e se queixando da "falta de opção" não resolverá porcaria alguma. Enfim: tomemos lados. Direcione-se ao lado com o qual você mais se identifica e o assuma.

Há dois caminhos bem definidos quanto ao futuro político global: a esquerda progressista e seus delírios sangrentos e o liberal-conservadorismo, baseado na filosofia do ceticismo. Não existe terceira via a não ser a da punhetação mental, a do eterno "discutamos sexo dos anjos" para posarmos de espertinhos. O extremos não se tocam. Isso é frase feita. Os extremos são extremos e, como dizia minha avó: "Água e óleo não se misturam". E nem adianta vir com a grande sacada de garoto espertinho afirmando: "Ah, mas a água e o óleo se tocam". Por favor, não faça isso. Retire mais sua cabeça da lua e ponha mais seus pés no chão. É impossível conciliar pautas e agendas com quem quer destruí-lo. Pense nisso.

Sei que ficar sobre o muro é confortável. Isentão boa praça. As paredes são largas e o ambiente mais ventilado. Além de tudo, você ainda posa de espertinho, um cara que não segue a manada, bastante politizado para não sair tomando partido de qualquer forma. E ainda dá para usar algumas citações sobre "equilíbrio", "ponderação" e "fanatismo". Outra vantagem: está sempre de bem com todo mundo. Só que o fedor da merda, fatalmente, o atingirá. Isso se não derrubarem o muro e você cair justamente do lado mais inadequado às suas convicções mais secretas.


Voltemos à "pandemia"... O Presidente também poderia ceder ao coro dos Governadores e da grande mídia: "Fiquem todos em casa, você dona de casa, você médico, você caminhoneiro". Aliás, o que raios as pessoas estão fazendo com supermercados abertos? Então as vidas daquelas pessoas nada valem? E os motoqueiros? Todos para casa! Seria mais simples e, em pouco tempo, todos precisariam repartir entre si os dividendos da carnificina. Nosso Presidente, politicamente equivocado, tomou este fardo todo para si.

Amiúdes: seja na rua ou em casa, por meses e meses, nada será como antes. A conta está chegando. E ainda há aqueles para quem a ficha não caiu, postando "comidinhas de quarentena" e seus treinos marotos em stories. Sempre as mesma hashtags simplórias: "Querentene-se", "Fique em casa", "Desacelere-se". As velhas turmas facilmente identificáveis: a) universotários alienados por professores revolucionários que ganham mais de vinte paus por mês; b) dondocas que não conhecem o funcionamento dos empreendimentos familiares; c) servidores públicos acostumados a ter pixuleco na conta todos os meses; d) empregados achando o máximo ficar em casa sem trabalhar, crentes que só patrão se foderá; e) alienados de toda ordem; f) "loucos de todo o gênero" para recordar aqui o antigo Código Civil brasileiro.


No começo do ano passado, postei sobre Li Ziqi e seu canal no Youtube, destacando como não somos preparados para sobreviver sem facilidades modernas e o lambe-lambe estatal, em troca de sua liberdade e de seu rabo. Perto do final da postagem, em confronto com a geração Peter Pan, ressaltei: "Quase todo mundo deseja morar em grandes cidades, ou medianas, com acesso imediato a serviços de saúde, boas escolas e shopping center. Como posso julgar quem faz tal opção? É natural. Mas em algum momento pagaremos o preço por esta escolha. Zi Liqi, não.". E esses dias estão próximos. Quem não leu o post, o faça. Não foi profético porque esta crise é fitness. Creio certamente que as maiores estarão bem próximas e envolverão guerras, diversas doenças e fome massiva. FAO, OMC e OMS, aliás, alertaram para o risco de crise alimentar. Até estes organismos internacionais corruptos se prestaram a divulgar o óbvio. Entenda: você não terá Whey Protein Black Skull. Você possivelmente não terá feijão com arroz todos os dias. Há grandes chances de não podermos comer três vezes ao dia. E, curiosamente, estaremos cheios de saúde contra o coronga, né?

Abram os olhos, guerreiros do #FiqueEmCasa. Seus investimentos financeiros derreterão. Dividendos não serão pagos. Títulos não serão honrados. Dívida pública não pode ser rolada ad aeternum. Aliás, quem quer título podre no pós-corona? Simples assim. E confisco é sempre uma possibilidade. Aliás, algo já ocorrendo a plenos pulmões por Governadores sedentos de controle social intenso. Aqui em meu Estado, e.g., abriram a possibilidade expressa por Decreto, inclusive com ordem aos "agentes" para que invadam casas e segreguem famílias diante de indícios de contágio. Tudo a bem do "coletivo"...

Junto a tudo isso, vivi para ver boa parte da nação torcendo pelo vírus. De repente, a hidroxicloroquina e o vermífugo nitazoxanida passaram a ter contraindicações abomináveis. E olha que até minha filha de cinco anos de idade utilizou Annita (marca comercial) mais de um vez. E a hidroxicloroquina foi vendida durante décadas sem receituário especial e, inclusive, distribuída entre povos ribeirinhos. Não bastasse essa paranoia sobre efeitos colaterais, o Partido dos Trabalhadores postula no Supremo Tribunal a vedação total da recomendação desta droga no tratamento da COVID-19. O vírus pode não vencer, mas a torcida organizada é forte.

Ainda no mesmo box Culturama, há gibi Pateta n.° 01 onde, na história O Planeta do Grande Cérebro, toda uma civilização entra em colapso porque a inteligência artificial que frita até ovos no café da manhã fora roubada. Qualquer semelhança com nossa realidade não é apenas mera coincidência. Estamos integralmente dependentes de grandes centros urbanos e suas comodidades para existir. As pessoas creem realmente que tudo sempre estará bem e que o Estado resolverá nossos problemas. Ninguém mais se preocupa em cultivar um pé de coentro, criar animais para abate e cozinhar sem gás de cozinha. Sei que a vida em apartamentos impede isso. Mas mesmo quem reside em grandes centros urbanos não possui nenhuma cautela, nenhuma preparação, em caso de colapso. Todos estão compenetrados em analisar folhetos de agências de turismo e seguir as dicas de canais de investimento, quando relegaram sua sobrevivência básica à sorte, ao Estado e seus burocratas e ao pesado cassetete das guardas e polícias no lombo. 

Sobre a atuação das guardas civis e da polícia militar: vivi para ver a turma Paz & Amor pedindo, escancaradamente, o fascismo total, apoiando tortura de cidadãos nas ruas. Na minha família, há gente achando o máximo a geolocalização via telefonia celular e monitoramento até de espaços privados por drones. Sempre achei que somos carentes por controle social e, estes dias, tive a prova da qual precisava. Prepare-se para levar tapa na cara porque foi comprar o pão fora do horário... se houver pão para comprar!

Ainda vejo muita gente fofa postando lições valiosas de amor ao próximo em rede social sobre "não estoque, pense no próximo". Alguns pararam com a ladainha. Creio terem caído na real. Vi um colega postando essa asneira há algumas semanas, xingando estocadores. Pela intimidade e porque há dias onde não me contenho, joguei a real: "Sério que você e sua família só estão com o básico para a semana?". Ele nada respondeu e apagou o sermão. Deve ter corrido para o supermercado, agora com filas e limitações para consumo.

Na postagem Coronavírus com Stephen King destaquei as precauções tomadas por mim há alguns anos, e ainda acho que fiz pouco. Há tempos, mesma na contramão do mercado, venho falando sobre a necessidade em se ter acesso físico a metais preciosos: barras e moedas de ouro e prata. No blogue anterior, ressaltei a necessidade de reforçarmos nossa autodefesa, adquirindo facas, armas de pressão, balestras e até mesmo armas de fogo. Há centenas de canais sobre isso no Youtube, conteúdo gratuito. Neste novo site, aliás, postei sobre Como obter autorização para posse e porte de arma de fogo e, ali, ressaltei a necessidade de todo cidadão ter, em sua residência, acesso a poder de fogo.

Outro aspecto curioso trazido pela pandemia é a Síndrome de Estocolmo global: ninguém pode falar mal dos nobres irmãos chineses e de seu vírus que, aparentemente, possui assinatura do Instituto de Virologia de Wuhan. Obviamente, essa conta não se cobrará. Podemos até cobrar, mas é título podre: "Devo, não pago". E todo o ocidente tem sua cota de responsabilidade, quando confiou à ditadura comunista crudelíssima (ainda mantém campos de concentração, especialmente para uigures) seu parque industrial. Aliás, confiou à China a maior parte da produção de insumos e equipamentos médicos e hospitalares.

Durante esses dias, testemunhamos o fascismo vivo no coração de cada gestor público, inclusive com ordens às polícias para descer a corda no lombo do gado, e tudo aplaudido pela mídia e pelos jovens (e velhos bocós) revolucionários. Como não sabemos conviver em sociedade, estamos mesmo qual gado: confina, desconfina, dá ração, tira ração. Testemunhamos como é frágil o tecido social. A civilização é uma lasca de verniz. Mas podem morrer milhões que, mesmo assim, a maioria não tirará lição alguma de tudo isso. E, enquanto isso, se encantam com as modelagens trazidas ao Brasil pelo erigido a gênio do ano Átila Iamarino, o Doutor Youtuber que já demonstrou ter o dedo podre para escolher os piores modelos à nossa realidade, cujas "apostas" batem sequer na trave, desconsiderando aspectos como clima, pirâmide etária, programas nacionais de vacinação, doenças típicas, densidade demográfica etc.

Ah, aos fãs do Youtuber: o cara passou mais de mês elogiando o acesso à informação chinesa e as providências tomadas lá, quando qualquer pessoa com um pouco de massa cinzenta sabe que não se pode confiar em banco de dados chinês. Agora, sem poder mais segurar a mentira, o Partido Comunista atualizou seu "errinho" em 50% (por baixo). Quem foi lá dizer que isso é normal? O Doutor brazuca! O mesmo Doutor afirmou, ainda, ser quase impossível este vírus ser fruto de manipulação, mesmo com divulgações públicas antigas mostrando que isso ocorria com coronavírus, biomatemáticos premiados informando a respeito e até mesmo Nobel de Medicina que teve acesso a mapeamentos.

Por que insisto, aqui, até nesse carinha? Porque isso é a cara do Brasil: pagar pau para detentor de titulação sem resultados práticos em nada. Não é à toa que ganhou atenção da Fundação Padre Anchieta, dirigida essencialmente pelo Governo paulista, para fazer circo midiático no Roda Viva junto a "jornalistas" que embolsam até meio milhão de reais por ano para trabalhar quatro dias ao mês.

Outra "novidade velha" é a falta de espaço público para cadáveres. Agora, Prefeitos vão à rede social dizer não saber mais o que fazer com defuntos, como se andássemos tropeçando em cadáveres pelas ruas. Capitais entraram em colapso funerário com cinquenta defuntos. Hoje, resido numa cidade pequena e os cemitérios locais têm dificuldades em estocar corpo para o descanso eterno. Há anos é assim. Muitas famílias optam pela sobreposição de urnas. É o jeito. Em Caruaru - PE, quando minha avó morreu (há uns vinte anos), não sabíamos o que fazer com os restos. Por sorte, o marido de minha tia conseguiu mexer pauzinhos para socar tudo dentro de uma gaveta familiar. Hoje, a situação está amena devido à proliferação de cemitérios particulares. Em nações antigas, funcionam sistemas de câmaras de consumpção: larga o ente querido ali para apodrecer e depois deve buscar a ossada. Destino de cadáver sempre foi problema urbano.

Certamente, estou bem longe de ser o portador da verdade e posso, aqui, estar falando inconveniências. Talvez o caminho correto para uma boa vida seja o descompromisso com a própria sobrevivência e a crença de que os outros resolverão tudo. Que deveras vale a pena dedicar toda a vida ao hoje sem esquentar a cabeça com banalidades como fornecimentos de gás de cozinha e energia elétrica, pois a humanidade sempre dará um jeito para que isso jamais falte por longo prazo em sua casa. E comida saudável em abundância nunca faltará nas gôndolas dos supermercados. Não estou aqui sendo irônico, tampouco sarcástico. Vai que estou mesmo errado em sempre me preocupar com essas coisas? Mas a despreocupação com suportes básicos à vida e a crença no Estado e nas pessoas iluminadas com títulos é, realmente, algo que não entra na minha cabeça nem à base de paulada. Assim como não acho viável essa prática de quarentena quase absoluta, por meses e a perder de vista, considerando sobretudo que quase 60% de nossas empresas são micros ou pequenas e que quase 40% de brasileiros atuam de maneira informal ou autônoma. E, repito sempre: na miséria, pessoas morrem aos montes.

Recentemente, vi que mais de 80% dos municípios brasileiros não tinham nenhum caso da Covid-19. Certamente, em muitos podem haver. Mas talvez sejam aqueles casos mais simples, assintomáticos ou facilmente confundidos com resfriados, onde o sujeito tomou canja de galinha, duas colheres de mel com limão e ficou bom em poucos dias. Então façamos o seguinte: reduzam isso grosseiramente para 50%, para concentrar apenas aquelas cidades bem distantes de onde há casos notificados. Feito isso: por que todo o Brasil precisa estar sitiado, quando em centenas de localidades poderia haver razoável movimentação de pessoas, mercadorias e prestação de serviços? Com os devidos protocolos de higiene, claro. Esse lockdown total não parece razoável, ainda mais considerando a prática de fechamento de fronteiras, divisas e limites, reduzindo expressivamente o fluxo de pessoas.

Para os advogados do #FiqueEmCasa a todo custo, apoiadores de que o Governo Federal deve gastar até o que não tem para que isso ocorra e que tudo se resolverá com taxação de grandes fortunas (seja lá isso nos dias de hoje, com economias baseadas em ativos e que se movimentam com um clique em aplicativos), meu franco obrigado. Como Servidor Público Federal em final de carreira, torço para que continuem lutando por mim, para que eu permaneça até 2022 cuidando do jardim, em home office, com salário em dia.

A citação de Cormac McCarthy em epígrafe é ambígua, aliás. Você pode se cercar de diversos cuidados e mesmo assim dar com o burro n'água. Contudo, ali, ele se expressa em termos apocalípticos, naquele ponto onde o colapso da sociedade não terá retorno. E este ainda não é momento.

Abraços exponenciais e até a próxima.
Yuppies em happy hour falando de dividendos e justiça social, crentes que o mundo sempre será assim.

Família comum brasileira devidamente quarentenada no barraco.

Imagem de meu box onde vieram as edições mencionadas na postagem.

Sugestão de leitura para este momento e faca para courear.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Dylan Dog - E Agora, O Apocalipse




Chegado ao quadringentésimo número, Dylan Dog precisa se reinventar no mercado editorial. E, para isso, numa trama onde a metalinguagem é elemento essencial, será conduzido pelo misterioso quadrinista Reed (alter ego de Angelo Stano) para - numa aventura que homenageia Apocalypse Now do início ao fim, inclusive sob o embalo de The End da banda The Doors - reencontrar seu criador Tiziano Sclavi (um Coronel Kurtz geek, ensandecido), a fim de matá-lo e, sob nova perspectiva, seguir adiante. Mas sempre ligado à sua origem, como vemos pelo personagem Gnaghi (ao final da história), retirado do romance Dellamorte Dellamore, onde surgiu o protótipo do que viria se tornar nosso icônico Investigador do Pesadelo.
A maneira acima é como posso resumir uma HQ que me surpreendeu. Não está entre as melhores de Dylan Dog, mas eu esperava pouco dela e acabei encontrando algo bom. É que a metalinguagem, atualmente, não consegue ser bem explorada. Parece ser fórmula exaurida nos quadrinhos. E a  quadringentésima edição de DyD saiu do lugar-comum, com referência ao mundo da cultura popular, ao cinema dito cult e onde, pela primeira vez, vi a criatura sacrificando seu criador para seguir em frente.

Tudo é feito de maneira discreta. Logo no início, encontramos Dylan num quarto de atmosfera árida, olhado pela janela e dizendo a si mesmo que está em "Londres, ainda em Londres". E, dali, embarca em selvas tropicais no afã de encontrar o homem misterioso encoberto em sombras. O detetive irá ao encontro do Horror e, para isso, transitará pelo mundo de Apocalypse Now de Francis Ford Coppola. Sclavi, seu criador, estará encoberto de sombras (mas dá para identificar seu rosto muito bem), obeso como Marlon Brando em final de carreira. O templo onde habita é similar ao do filme, só que ocupado por bugigangas de um Old Boy - o velho "nerd" que se mantém atrelado à cultura pop oitentista sem atualizar-se com o mundo contemporâneo. E, assim como no filme de Coppola, o prisioneiro matará seu captor.

Esta foi a forma que Roberto Recchioni (roteirista e novo editor do título) encontrou para deixar a mensagem: o DyD como o conhecemos, pelas mãos de Sclavi, acabou. É um novo mundo com novos anseios. Para o bem ou para o mal, o gibi mudará seu foco. E o tempo vem nos mostrando: foi para o mal. Basta você analisar as histórias mais recentes do "old boy": engajadas com políticas progressistas, lacradoras e modorrentas. Há muito horror ainda em Dylan Dog: o horror do globalismo, dos argumentos fofos sem nexo com a realidade, da ânsia por “mudar o mundo”. Recchioni é um italiano da nova safra, como o prefeito de Florença que, no início dos contágios pelo coronavírus, lançou a brilhante campanha “Abrace um chinês”. Recchioni é o cara crente num mundo sem fronteiras e soberanias nacionais, onde todos brindarão ouvindo Imagine de John Lennon. Os europeus estão fadados à extinção. E, obviamente, DyD agora reflete isso. Tiziano Sclavi está morto. Se não gostou, faça como este Neófito que ora escreve: não gaste sua grana à toa. Não perca tempo precioso de vida consumindo lixo. Ainda acerca de autocrítica e politicamente correto na revista, recomendo a leitura da postagem Terror e encanto em Dylan Dog.

Além de Apocalypse Now, ainda encontrei uma breve referência ao Solaris de Andrei Tarkovsky e às célebres palavras do Nexus-6 Roy Batty, em Blade Runner, antes de morrer. E, claro, remissões a diversos números antigos do próprio título, a exemplo de Morgana (uma das melhores HQs lidas por mim) e A História de Dylan Dog. E, para finalizar, com arte de Corrado Roi, um novo Dylan Dog surge para refundar seu novo lar/escritório, ao lado não de Groucho, mas Gnaghi, personagem retirado do romance Dellamorte Dellamore, onde surgiu o protótipo do que viria se tornar nosso agora icônico Investigador do Pesadelo. A mensagem é clara: Dylan Dog mudou mas, essencialmente, seria o mesmo. Mas eu digo: só que não. No toque de Midas às avessas, a Bonelli transformou ouro em bosta.

É isso. Fico por aqui. Se puderem, leiam este gibi, disponível no Youtube. Eu gosto de ler em tablet. Como roda ligeiro, basta você ajusta a velocidade para 0,5 ou 0,25. É o que faço. O título tem tudo a ver com nosso momento atual. E com o momento mais à frente pós-pandemia, onde transitaremos entre destroços humanos e econômicos.

Abraços apocalípticos e até a próxima.


quarta-feira, 4 de março de 2020

Mjadra, HQ de Thiago Ossostortos



"Mimimi" (Fudêncio)
Derick, ex-Vj da MTV, retorna ao quartinho próximo ao MASP, onde o senhorio Azani, descendente de árabes, costuma servir mjadra e, talvez, tome a juventude de seus inquilinos com o uso de feitiçaria. Nesse retorno, Derick recordará os bons anos de MTV Brasil, testemunhará seu fim repentino e tentará roubar as conquistas pessoais de outro jovem inquilino do local, atual ocupante de seu antigo quarto. É assim que posso resumir a HQ.
Zorro e Carranca eram colegas de academia de meu irmão. Todos entupiam-se de estanozolol juntos, com mais algumas substâncias de origem duvidosa e aplicações inclusive veterinárias. Eles mantinham um negócio de gravação de vídeo clipe. Havia um classificador com folhas datilografadas onde abundavam listas de clipes numerados. Você escolhia os vídeos pela numeração, pagava alguns centavos por unidade (não recordo o preço) e recebia o VHS gravado. Todos os vídeos eram da MTV. Mais à frente, minha amiga Wanessa Wanderley - vulgo Madonna -, nos repassava conteúdo em VHS, gravado em sua casa. De toda a turma de nossa escola (saudoso CDI, hoje fechado), era a única com acesso aquele canal diferente em tudo do que estávamos acostumados.

A MTV Brasil teve relevância em minha vida, enfim, mesmo quando não possuía acesso a ela. E recordo bem quando de seu último sopro de vida, no último dia de transmissão (vídeos abaixo). E quem se recorda bem, igualmente, é Thiago Ossostortos e seu "meio alter ergo" Derick, ex-VJ da emissora que, adulto, em crise conjugal e espiritual, retorna ao seu quartinho alugado próximo à Avenida Paulista para tentar se reencontrar. Ah, e nem tudo é ficção. Algumas personagens essenciais à trama realmente existiram e o apartamento de Azani esteve presente na vida do autor. Além disso, claro, todos os VJs mencionados durante a trama realmente existem/existiram (alterados os nomes, claro). Aliás, o próprio Derick também existiu, só que não o conhecemos. E aí está uma boa sacada de Ossostortos (spoiler): as últimas páginas da HQ se passam justamente nos últimos dias de existência da MTV Brasil, no icônico prédio sobre o qual repousa a Torre Victor Civita. Ali, na festa de despedida, o protagonista observa o horizonte da sacada, ao que uma VJ mais jovem pergunta ao veterano quem é ele, ouvindo a resposta: "É o Deck! Era office boy. Daí fez teste para VJ e ganhou até programa! Mas depois de gravarem um monte, foi cancelado! Antes mesmo de estrear!". Sim, Derick foi o video jockey que nunca conhecemos porque não exibiram seu programa.

Para quem não sabe, a MTV Brasil afundou em meio ao processo de bancarrota da editora Abril, acompanhado de perto por nós, leitores de quadrinhos em geral e especialmente os disneyanos. E eu gostava mesmo dela. Até os comerciais eram bacanas com aquelas vinhetas bizarras. Quando passou a apostar em humor, também achei positivo e conseguiram manter a qualidade até o final.

Mjadra teve financiamento coletivo do qual participei. Mencionei a respeito na postagem Crowdfunding no Catarse: Francisco Marcatti e Thiago Ossostortos. E, deste autor, também já indiquei a excelente Os Últimos Dias do Xerife. E valeu o apoio. Além de uma ótima história que me divertiu e me tocou, foi caprichada no acabamento. A arte em guache, realmente, dispensa qualquer comentário. Isso você pode verificar nas imagens abaixo. Mas o acabamento é impecável: capa cartonada com orelhas generosas e papel similar ao cuchê com boa gramatura, além de boas dimensões físicas.

O gibi possui apresentação de Rafa Losso. Sim, o Rafinha. Quando telespectador da emissora, eu e alguns colegas nos referíamos a ele como "Boquinha". Sem dúvidas, foi um VJ marcante e que passava bastante conhecimento sobre música em seus espaços. Era uma figura até cativante, embora hoje esteja sumido do mapa e, quando dá as caras, parece exageradamente envolvido com movimentos ideológicos imbecilizantes.

Foi bem legal reviver aqueles momentos, ao topar, nos requadros, com personagens como Luiz Thunderbird, o chatonildo Cazé Peçanha, o arrogante João Gordo, a dupla Top Top Marina Person e Leo Madeira, a beldade (à época) Sabrina Parlatore e tantas outras, a exemplo de Marcos Mion, Penélope Nova e Astrid Fontenelle. Ah, e o próprio Rafael. E o mais curioso ao recordar aquela fase da vida é: como gostávamos daquelas pessoas que, hoje, nos parecem tão banais e insossas? Coisa da vida. Cada coisa a seu tempo. Até o PC Siqueira parecia bacana em seu programa PC na TV!

O título Mjadra refere-se a "um prato da culinária árabe que consiste em lentilhas, arroz e decorado com fatias fritas de cebola" (Wikipédia). E possui bastante relevância durante à trama, especialmente por ligar-se à memória afetiva/sensorial do protagonista. É algo preparado pelo senhorio do apartamento: Azani, inspirado no falecido Aziz, como já indiquei mais acima.

Não sei como está a venda avulsa desta HQ para quem não participou do crowdfunding. Se achar por aí, vale a pena dar uma chance.

Fico por aqui. Abraços musicais e até a próxima.








segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Stairway to Hell: Twin Peaks em Dylan Dog

Dylan Cooper


Tive o prazer de ler a HQ Réquiem do Medo traduzida, letreirada, editada e postada pelo parceiro Roberto  Lissaraça e, ali, me deparei com elementos da opus magnum da dupla Mark Frost e David Lynch. Por isso é bom sempre prestar atenção em minúcias, nas entrelinhas, durante a leitura, por mais descompromissada que se nos aparente.

Na trama, o detetive é contratado por uma habitante de Port Frost, na costa de Escócia, no afã de tentar encontrar Molly MacLachlan, sua melhor amiga. No pequeno vilarejo de pescadores, DyD se depara com superstições, casos insólitos e velhas lendas sobre a estrutura Giant's Causeway, a escadaria de pedras utilizada por Led Zeppelin na capa de Houses of the Holy. Aí, há a primeira "artimanha" do roteirista Francesco D’Erminio: esse estranho calçadão situa-se, na verdade, no condado de Antrim, Irlanda do Norte. E Twin Peaks está no fato de que Molly possui o mesmo sobrenome do ator Kyle MacLachlan, intérprete do agente Dale Cooper. E, assim como Laura Palmer, ela se mostrava uma boa garota voltada a trabalhos de relevância social mas, ao cair da noite, encarnava uma rameira sem limites. E sua amiga, a contratante Fiona Fenn, poderia bem ser Ronnete Pulaski, parceira de vida louca. Além disso, Fenn é o mesmo sobrenome de Sherilyn, a atriz que deu corpo (baita corpaço), a Laura Palmer. Precisa de mais?

Outro ponto em comum: mais à frente, descobrimos que o pai de Molly a matou pelas mesmas razões que Leland Palmer ceifou a vida de sua filha. Entrego este spoiler porque é irrelevante ao enredo da HQ. E os demônios também habitam a cidadela, na trama de Dylan Dog. No caso, não num Black Lodge encravado em meio ao bosque; mas, sim, no inferno. Sim, a escadaria de pedras daria acesso ao inferno. E isso, claro, também nos remete a canção Stairway to Heaven da mesma Led Zeppelin.

Por fim, neste manancial de referências, destaco que, obviamente, Port Frost é uma justa homenagem a Mark Frost.

No final da trama, em meio a desespero e esperança (embarcação náufraga denominada Hope), o onírico novamente nos arrebata e o próprio investigatore dell'incubo não consegue mais afirma se está realmente vivo. É como o "sonho dentro de outro sonho" vivido por outro famoso investigador de pesadelos: o Dale Cooper de Twin Peaks.

Achei interessante tecer esses paralelos entre as obras porque, embora escancarados por Francesco D’Erminio mediante dezenas de pistas, muitos passam batido, acaso desconheçam a mítica de Twin Peaks. Quando puderem, confiram a HQ. Valerá cada minuto de seu tempo.

Abraços medrosos e até a próxima.


terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Os causos de Eberton Ferreira


Conhecia um pouco do trabalho de Eberton Ferreira devido a postagens avulsas em redes sociais e a um blogue. Gostava de sua abordagem nacionalista de conteúdo e de seu traço. Mas não me envolvi com sua produção até que, novamente, me chegaram algumas indicações: a série Causos, no momento em quatro volumes com gancho para o quinto. Aquilo era tudo o que eu queria em HQ nacional, me remetendo com certa alegria a títulos lidos na infância, logo após o auge de quadrinhos de terror. Entrei em contato com o autor e encomendei os gibis, valendo a pena o investimento. De imediato, destaco o esmero gráfico. O acabamento é canoa, mas com capa e miolo em papel similar ao couché, em elevada gramatura. A arte, em P&B com tons de cinza, ajudaram ainda mais a me levar aos amados gibis da infância: Mestres do Terror, Calafrio e títulos avulsos organizados por caras como Ota, Cláudio Seto e tantos outros.

A grande sacada do autor, penso, foi elaborar convincentes histórias de terror com ressonância emocional, explorando temas que na maioria das vezes, por aí, são meio clichês: o folclores brasileiros. É assim que acompanhamos o investigador/caçador/explorador lusitano Gonçalo e seu cunhado Iberê, nativo, na resolução de crimes bárbaros com nuances ritualísticas em pleno nascimento da terra brasilis. E sobra para todos, sem mea culpa ou abordagens politicamente corretas. Nas tramas, todo homem pode ser o lobo do homem, seja o indígena contra sua própria etnia até sacerdotes brancos e oficiais. O próprio herói nos é apresentado com parcimônia, quando escancara seu passado de desbravador cruel, a mando da Coroa, passando por cima de tudo e, inclusive, estuprando nativas - conquanto venha a se casar com uma, após mais “redimido” e resignado em consumar seus dias vindouros no novo e selvagem mundo.

Além do estilo próprio numa arte que realmente me agrada, bons textos e acabamento decente, Eberton sabe narrar uma história. Sua pesquisa é profunda e as licenças encontradas para explicar as ocorrências sobrenaturais que se tornaram nosso folclore revelam perspicácia. Sentimos, lendo os causos, como são palpáveis e verossímeis as “entidades” a exemplo do Curupira, Cuca, Boto ou a mística por trás do fruto guaraná. De certa forma, o autor desmistifica e desmitifica mitos. Nesta empreitada, invés de lhes destituir da poesia, acaba por torná-los ainda mais sedutores. Outro aspecto merecedor de nota em seus quadrinhos é o uso, com felicidade, de recurso narrativo similar ao flashback no início de cada número. A trama sempre inicia-se mais adiantada e, então, retornamos aquele ponto mais à frente. Vale destacar a amarração entre cada número: tudo é conectado, sem brechas e pontas soltas. Quem conhece este blogue sabe, ainda, meu interesse por magia (não sou praticamente, mas curioso), algo nuclear às tramas.

Fico feliz pela realização desse artista nacional que elabora quadrinhos nas horas vagas, quando não está vendendo seus espetinhos (o cara é churrasqueiro, salvo engano). E, com bastante esforço e paciência, hoje, colhe os frutos do reconhecimento. Como gostei bastante de suas revistas, encomendei as duas especiais de A Rede da Carne, pois recordo quando ele divulgava, aos poucos, algumas artes destas tramas. Sei que, ali, encontrarei bons momentos de entretenimento.

Quem quiser adquirir os quatro número de Causos, pode fazê-lo por WhatsApp (21 96736-1309). Até o momento, temos: #01 O Demônio das Matas, # 02 A Bruxa da Floresta, #03 O Devorador de Almas e #04 O Monstro do Rio, pelo selo independente FazinesTon. Sim, o “Ton” de Eber-Ton. Cada edição custa R$ 20,00 e os números de páginas vão de aproximadamente 50 a 100.

Fico por aqui. Abraços folclóricos e até a próxima.

domingo, 13 de outubro de 2019

Eastrail 177 Trilogy e o Übermensch possível


"Vede; eu anuncio-vos o Super-homem: "É ele esse raio! É ele esse delírio!"
De Assim falou Zaratustra, por Friedrich Nietzsche

Em 1982, Alan Moore nos contou uma grande história de super-heróis. Nela, Micky Moran - homem de meia idade fora de forma que faz bico de repórter para sobreviver - descobre ser Miracleman, líder do time de "supers" cujas aventuras passadas ninguém recorda. Suas aventuras envolviam o que há de mais ingênuo no gênero. Para começar, recebeu seus poderes de um astrofísico que se tornou deidade e lhe deu a "palavra mágica" para quando precisasse salvar o dia. Não era Shazam, mas sim Kimota (atomik). Ele e seus amigos - incluídos aí Kid Miracleman e Miraclewoman (!) - viviam em luta constante com o maquiavélico Gargunza, gênio científico do mal. Para variar, ninguém se machucava realmente, todos contavam piadinhas em momentos de tensão e, no "número seguinte", o vilão retornava para encher o saco.

Mas como Micky Moran viveu tudo isso e ninguém se recordava da existência de superseres? Simples, as maravilhas existiam apenas em HQs infantis e ele foi cobaia num longo experimento, onde viveu quase oito anos em sono constante, sendo alimentado com aventuras pueris retiradas de gibis. Só que, um dia, ao se recordar de tudo, despertar na plenitude de seus poderes e buscar sua origem, os super-heróis e os mega vilões estarão no mundo real. Entretanto, as histórias não serão mais tão bobas: estupros (masculino e feminino), pedaços de corpos caindo dos céus, orgias celestiais e totalitarismo estarão presentes. E até mesmo suicídio do alter ego de Miracleman, numa das passagens que considero a mais tocante dos quadrinhos. Num dado momento, Micky Moran quer morrer: perdeu esposa e filha e se vê como inútil. Então, sobe uma montanha, retira as roupas e deixa um bilhete. Pronuncia a palavra Kimota e torna-se Miracleman. Este lê seu epitáfio e, desde então, nunca mais voltará ao corpo de Moran. Na mitologia criada por Alan Moore, a "transformação" se dá pela troca de corpos clonados, quando pronunciada a palavra-chave. Mike perecerá no limbo do infra-espaço, para sempre. Seria algo como Clark Kent se matar e deixar apenas Superman vivo.

"Suicídio" de Mike Moran em Miracleman #14

Num dado momento da saga (texto em prosa), Miracleman nos diz que, em seu aniversário de renascimento, o mundo comemorou queimando gibis, livros e filmes de ficção científica. O faz-de-conta, penso, não era mais necessário. Os deuses estavam entre nós e sonhar com homens voadores não fazia mais sentido. Alan Moore repetiu isso posteriormente em Watchmen - os gibis mais vendidos, ali, eram de pirataria, como Contos do Cargueiro Negro, por exemplo, pois heróis realmente existiam.

Ao seu modo, o cineasta Shyamalan M. Night fez o mesmo com o gênero em sua trilogia Eastrail 177. Meio qual Moore, conseguiu dar uma "desconstruída" no nicho. Tudo começou em 2000, em Corpo Fechado. Mais recentemente, concluiu sua ideia em Fragmentado (2016)  e Vidro (2019). E, assim, prestou grande homenagem aos nossos amados quadrinhos, especialmente ao gênero super-herói, nos fazendo parecer possível a existência, entre nós, de superseres benevolentes e gênios do mal.

Na trilogia apelidada de Eastrail 177 - referência ao acidente de trem mostrado em Corpo Fechado -, três homens encarnam estereótipos de comics. David Dunne é o herói típico, dotado de superforça e que, ao seu modo, combate o crime trajando capa (embora de chuva). Elijah Price mostra-se, mais à frente, o vilão brilhante, incapaz de muito esforço físico e dotado de imensa capacidade cognitiva. Kevin Crumb é o múltiplo, cuja personalidade "A Fera" é praticamente impossível de se abater. E no meio de tudo isto está Ellie Staple, psiquiatra que invoca histórias em quadrinho para apontar sua tese de delírios de grandeza. À frente, a trama se mostra mais complexa do que parecia inicialmente, uma organização global oculta sai das sombras e, ao final, uma modesta loja de HQs encerra, em Vidro, o que se iniciou em Corpo Fechado.

Confesso não gostar de filmes de super-heróis. Ainda não vi, por exemplo, nenhum de Thor, os últimos dois de Vingadores, nenhum Liga da Justiça, dentre tantos. Não consigo gostar daquelas histórias divertidas onde, em momentos de vida ou morte, o Homem de Ferro soltará piadinhas que farão toda a platéia sorrir no cinema, enquanto come pipoca no super-balde customizado, ostentando óculos 3D. Respeito opiniões em contrário, mas acho essas produções puro lixo. Há quase quarenta anos, gente como Alan Moore e Frank Miller, e.g., estavam desconstruindo o gênero para extrair de um universo aparentemente pobre algo soberbo. E hoje, nos cinemas e em diversos títulos impressos, retrocedemos para retirar todo o potencial edificado às custa de tanto esforço artístico e intelectual.

Há quem alegue que os blockbusters DC/Marvel se destinariam às crianças e por isso têm essa pegada mais retardada. Não é tanto o que vejo em salas de cinema. Os marmanjos estão em grande maioria, com suas camisetas ostentando logotipos de heróis. E, na tentativa de nos mostrar um super-homem possível, acho que a trilogia Eastrail 177 consegue tal façanha melhor que todos os milhões investidos em efeitos especiais nas produções arrasa-quarteirão.

Fica, enfim, minha sugestão de cinema para quem ama quadrinhos com seus heróis heroicos e as vilanias dos vilões. E, em tempo, destaco que a palavra "Übermensch" é utilizada expressamente por Moore em Miracleman e Zaratustra também é o nome escolhido pelo malvado Doutor Gargunza no projeto para criação de super humanos.

Super abraços e até a próxima.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Graphic MSP: Louco - Fuga & Turma da Mônica - Lições [ HQs ]


Acompanho o selo Graphic MSP desde seu lançamento. Após o sucesso da triologia MSP por 150 artistas, parecia natural um projeto assim. Meu receio, no início, era que se tornasse caça-níquel, com publicações medianas e até mesmo ruins. Para uma linha especial, com números editados ao léu, poderiam ter mais zelo. E foi o que houve: os álbuns surgem sem cerimônia e não parecem passar por crivo exigente. Há a imagem de que a MSP está mais preocupada com quantidade do que qualidade. Claro, já se passaram uns três anos e só tivemos dez títulos prontos e quatro anunciados. Mas, realmente, parece muito quando procedemos à filtragem exigente das obras. Até o momento, apenas não li Turma da Mata - Muralha, por Roger Cruz, Davi Calil e Artur Fujita. E, do que li, acho que apenas quatro volumes foram muito bons, com um mediano. Resenhei algumas obras e as destaquei no blogue anterior. Dois álbuns lidos mais recentemente ganham opiniões nesta postagem.

Nos extras da edição Louco: Fuga, conhecemos as influências de Rogério Coelho: Dave McKean e Bill Sienkiewicz. De certa forma, é mais ou menos o que encontraremos em suas mais de oitenta páginas. A arte é competente, muito bonita; e a colorização, a cereja do bolo. Mas o roteiro é tão fraco quanto a graphic Penadinho - Vida. Falta conteúdo e a trama se arrasta desnecessariamente, exibindo belos painéis com leiaute inovador (tomando como paradigma o selo, claro) numa trama que poderia ser condensada, sem perda, em talvez vinte páginas. As referências à mitologia da Turma e especialmente às publicações anteriores do selo Graphic MSP foram boas e apontam que o autor se deu ao menos ao trabalho de pesquisa; ou, então, é verdadeiramente fã da turminha. Resumindo: achei uma HQ dispensável, mas não ruim. Se você estiver com grana farta e tempo sobrando (bem como espaço para estocar quadrinhos), compre. A beleza da arte agrada a visão e pede umas repaginadas.

Um ponto interessante de Fuga foi recorrer à doutrina maniqueísta, onde há bem e mal claramente definidos. Também há um pouco de gnosticismo, onde um gênio superior teria criado o mal, dando-o aos homens. Presente de grego! Na trama, contudo, a maldade é vista como "positiva", para engrandecer o heroísmo. O lance dos Guardiões do Silêncio é legal; recordei alguns filmes de fantasia de minha infância. O mote da HQ, nas mãos de um bom roteirista, poderia ter dado melhor resultado.

Quando anunciaram que os irmãos Cafaggi fariam uma nova HQ para o Graphic MSP, pensei: lá vem continuação insossa de Laços. Mas surgiu Lições. E é um bom álbum, recomendável a todos que curtiram a primeira aventura. O traço, leiaute e colorização da equipe estão lá como antes. Mas o roteiro deu uma guinada, foi algo realmente novo: enquanto Laços tratava de amizade e união, Lições faz o mesmo, mas com a turminha dividida, enfrentando, cada um, seus próprios dilemas pessoais. As jornadas são solitárias. Pequenos dilemas de gente pequena; mas são justamente aqueles problemas que vão nos mostrando um pouco mais da vida, como ela às vezes parece sair de nosso controle, inexoravelmente.

Na minha infância, a vida às vezes parecia difícil; conquanto, hoje, pareça tão simples. Mudam os tempos. Mudamos nós. Mudam os dilemas. Hoje, sou grato pela boa infância que tive, no saldo geral.

Na trama, os quatro camaradas esquecem de fazer o dever de casa e ainda conseguem se meter em mais problemas fugindo da escola. A solução é drástica: Mônica vai outra escola por sugestão da diretoria; Cascão e Magali matriculam-se em atividades extracurriculares: natação (!) e etiqueta, respectivamente. E Cebolinha, sem a dentuça para defendê-lo, fica à mercê do valentão mais valentão dos quadrinhos infantis: Tonhão. Já a magricela da Magali conhece o Quindim, filho do padeiro, apaixona-se, mas não tem com quem desabafar, exceto por meio de curtos bilhetes trocados com Mônica por meio da lancheira de Dudu (o garoto que lança água pelos dedos!).

As últimas quatro páginas, além de fechar brilhantemente a história, não a fecha realmente. Entenderam? Bem, é que os autores conseguiram um final emblemático, mas cujas respostas os verdadeiros fãs da Turma conhecem de antemão. Assim, Magali faz sua primeira investida junto a Quindim, mas não sabemos a resposta. Cebolinha traça planos (in)falíveis contra Tonhão, seu valentão escolar, mas não sabemos se darão certo. Cascão reflete acerca de sua hidrofobia irracional; ele tocará o dedão do pé nas águas da piscina? E, por fim, Mônica desperta num bonito sábado de sol, onde não irá à nova escola e poderá ficar com seus velhos amigos. A HQ conclui-se como a vida: seguindo em frente.

No final de 2017, a dupla de irmãos lançou a HQ Lembranças e, atualmente, os três volumes podem ser adquiridos em um box.

Republicação de postagem de 05 de abril de 2016