segunda-feira, 17 de agosto de 2020

O Recruta Zero politicamente incorreto

Ah, Dona Tetê... Não podemos mais objetificá-la.

"Quando a gente acha que chegou ao fundo do poço, sempre descobre que poderia ir ainda mais fundo. Que escrotidão." 

Charles Bukowski

Meu pai não podia entrar dentro de nossa casa quando eu e meu irmão éramos crianças, sob pena de ser assassinado por minha mãe. Esta foi minha infância. Adulto, percebi como era maluco isso; guri, sequer pensava no assunto. Era tudo "normal". E tinha o lado bom, quando meu pai buzinava em frente de casa e íamos com ele dar uma volta nas ruas. Ele gostava de nos levar a uma banca de revistas sediada no imenso terminal rodoviário. Era uma banca enorme. Acho que ocupava uns quatro boxes comerciais ali dentro. Cada um de nós comprava um ou dois gibis, um pacote de salgadinhos (era quando eu comia algo da Elma Chips) com suco de caixinha ou Taffman-E. Os quadrinhos que eu mais comprava naquela época eram Recruta Zero e Turma do Arrepio. Não sei o porquê de não comprar tanto Turma da Mônica naquela fase. Meu irmão, mais velho, optava por super heróis encapuzados ou revistas adultas de terror, como as das editoras D-Arte, Maciota ou Grafipar (acho que eram essas...).

Quando, após meus vinte anos de idade, voltei a comprar antologias de tiras do Recruta, achei tudo meio cansativo. São boas tiras. Mas faltava algo. Então, garimpando scans de gibis antigos, os lidos na infância, descobri que as histórias consumidas por mim eram produções tupiniquins, totalmente brazucas!, com apenas algumas tiras dominicais gringas encartadas no formatinho como "historinhas de uma página". A Globo fazia isso desde a Rio Gráfica Editora, obtendo licença de Mort Walker e do King Features Syndicate para isso. Utilizavam estúdios próprios, com artistas e colaboradores (nunca entendi a diferença entre eles, mas assim vinha no expediente) e estúdios externos, como o Art Nativa e a Nova Sampa. Percebi que alguns números, cuja colaboração externa veio da Alternativa, tiveram substancial mudança na arte e colorização.

As publicações gringas de Zero sempre foram alvos dos guerreiros da justiça social (social justice warriors, ou S.J.W.). Os militantes feministos e desarmamentistas queriam que, no quartel Swampy, os homens fossem politicamente corretos, não portassem armas e sequer pensassem sexualmente na dona Tetê e em tantas outras gostosas. Imaginem se essa turma visse as HQs brasileiras do início da década de '90, justamente as que eu comprava com meu pai? Esse dias, relendo algumas (excelentes!), me deparei com os péssimos exemplos abaixo por mim selecionados.

Sargento Tainha vai estourar os miolos com pistola.

Todo mundo enchendo a lata com cigarros e cachaça.

Taradões importunando sexualmente uma gostosa.

Arremesso de bichanos na careca do idoso.

Não cobiçarás as indígenas alheias.

De qualquer forma, a força dos progressistas endinheirados ganhou a batalha e, hoje, as tiras de Zero (Beetle Bailey, no original) estão sofríveis. O fundo do poço não é o limite! Acabaram as piadas rotuladas pelos S.J.W. como machistas, com indícios de vícios (bebidas, fumígenos e carteados) e ostentação de armas. Quartel, hoje, é um lugar onde as pessoas vão contemplar a vida cor-de-rosa, erguer bandeiras de nichos, subir no topo do arco-íris e lutar pela legalização do pó e do crack.

Tira diária, em 19 de agosto de 2013. Bela ou apenas engajada?

Cresci lendo Recruta Zero na fase Globo. Aparentemente, não me tornei um cidadão inoportuno, parasita, psicopata (acho que não), afim com vícios ao ponto de jogar a vida no lixo por eles e sequer sou um predador sexual, molestador inoportuno de ônibus e metrôs. Mas a agenda globalista politicamente correta sabe disso. Ela não quis o fim de quadrinhos como os acima em prol de algo positivo. O objeto é apenas adaptar pessoas ao porvir globalista de homens frouxos, medrosos e inaptos, carentes do apoio estatal até mesmo para ir ao banheiro durante à noite porque têm medo do escuro.

Ainda acerca da produção nacional, destacamos como nossos estúdios tiveram liberdade para levar os personagens a níveis desconhecidos pela criação americana. Penso que tínhamos bastante liberdade porque, para o King Features Syndicate, seríamos mercado insignificante e os gibizinhos aqui elaborados seriam meros objetos de descarte. No clássico Almanaque do Recruta Zero n.° 01 (1989), tivemos a "saga" de 68 páginas O dia em que o desenhista do Zero sumiu. Nela, houve paródias criativas e divertidíssimas, como O Sargento das Trevas e Zeronin, escritas e ilustradas por um tal Frank Milho. Na história Quem roubou meu coelhinho?, Maurício da Silva - o autor de gibis mais vendido do Brasil - fica à frente das HQs do Zero e nos dá uma trama onde todos, em dimensões diminutas, se esforçam para roubar o coelhinho encardido do forçudo e truculento mini Tainha. De acordo com a própria Globo, numa espécie de editorial ao Almanaque:

"o argumento (...) foi inteiramente criado e desenhado no Brasil e aprovado por Mort Walker, o pai do Zero, que achou excelente a ideia de ver seus personagens incursionando por outros universos além dos domínios do já famoso quartel Swampy, o quartel mais maluco do mundo.".

Enfim. É uma pena ver o que os quadrinhos se tornaram. E isso nas mãos de pessoas que nunca ligaram para quadrinhos e que, aliás, sempre fizeram chacota da legião de "nerds velhos" consumidora de cultura pop. Os S.J.W. venceram. Deles são as batatas podres. Mas não minha grana. Deixei de comprar gibis e livros impressos há algum tempo. Venho restringindo isso ao máximo. O espaço de meu escritório saturou. Tenho filha para sustentar e caiu a ficha que as editoras não gostam de mim, não se importam com meus gostos pessoais de old boy. Fiz apenas uma opção: não verter grana à insanidade e a material ruim de doer.

É isso. Abraços aspirantes e até a próxima.


12 comentários:

  1. Ah, Dona Toninha...

    É curioso que, quando tudo isso em torno da Dona Tetê surgiu, o criador do Zero fez uma tira famosa. Nela, o General Dureza pedia desculpas a Tetê por vê-la como um objeto sexual. Então ela respondeu: "Não tem problemas, eu sou um objeto sexual. Mas não o seu.". Uma conclusão dessa deveria colocar fim a todo o problema em torno do "machismo" ali denunciado. Mas não. A turma do politicamente correto continuou a destilar ódio e, hj, o criador não está mais vivo para responder a nada e sua criação chafunda no lodaçal da falta de criatividade.

    Sempre vi esse machismo cotidiano como uma relação de desejo/respeito com as mulheres. Não há como impedir homens saudáveis de nutrirem tesão por belas mulheres. Simples assim. Mas tb havia o respeito, o polimento, como forma de agradar e, assim, ganhar um pouco de estima daquela mulher admirada. “Ah, mas alguns pões a piroca para fora dentro do metrô”. Esses não são machistas: são tarados, muitas vezes agredidos pelos “machistas”.

    Curiosamente, as mesmas mulheres que criticam homens por externar tesão são as mesmas que veem um homem sarado e gritam "multiplica, Senhor", ou coisas parecidas.

    Esse patrulhamento (já vencedor), ainda dará muita dor de cabeça ao mundo. A tentativa de mudar o mundo a uma visão ideologizada arruinará nosso bem mais precioso, citado por vc: a liberdade.

    Sobre homens frágeis, não quis dizer bem que culpa estaria neles. Mas, sim, no movimento globalista em tornar os homens fracos para que dependam cada vez mais do apoio estatal e corporativo. A masculinidade se tornou “tóxica”. Mas, curiosamente, mulheres continuam correndo a homens viris e, de preferência, meio canalhas. Aliás, até mesmo muitos homens gays querem homens “machos”.

    Adorei seu comentário e, sobretudo, conhecer a Dona Toninha.

    Abraços!!!

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  2. Ótimo post
    Muito bom desencanar esse gibi da Globo
    Nunca ia imaginar q essa edição tivesse tantos detalhes interessantes

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    1. Valeu, Scant.

      "Nunca ia imaginar q essa edição tivesse tantos detalhes interessantes"

      Nossa produção nacional voltada ao público infanto-juvenil e de terror foi bastante feliz, no passado. Os estúdios Abril e Globo nos deram coisa boa: Menino Maluquinho, Recruta Zero, Turma do Arrepio, Os Trapalhões e, arrisco dizer, até mesmo gibis da Xuxa, Faustão, Sérgio Mallandro e assemelhados. Eu lia tudo!

      Vale a pena ler esse material.

      Abraços!

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  3. Para elas, isso é mesmo uma vitória. E de prêmio, ganham as batatas podres.

    Você está correto. Isso, aliás, tem muito a ver com o que comentei na sua matéria sobre O Presidente Negro.

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  4. Um gibi que curti muito foi o Superalmanaque do Zero com a volta do Supersargento de 1982. Tinha lá meus 8 anos de idade e li o tal almanaque até desmanchar. Tenho procurado por aí, quem sabe uma hora encontro com um preço civilizado. Outro personagem que adoro é o Fantasma da época da RGE mas os caras pedem valores inacreditáveis por esse gibis. A produção nacional era muito boa, Turma da Mônica da época da Abril, Os Trapalhões, Sitio do Picapau Amarelo, os gibis dos personagens da Hanna Barbera e por aí vai. Aquele seu artigo - "Histórias [atualmente] impublicáveis do Chico Bento" - mostra bem onde viemos parar. Abraço!

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    1. Salve, Pateta.

      E, curiosamente, aquela postagem sobre o Chico é uma campeã de acessos aqui no blogue.

      Houve uma tentativa, há uns sete/oito anos, em se manter, novamente, publicações Hanna Barbera. Mas não emplacou mais. As bancas de revistas já davam sinais de fadiga. Pouca gente interessada em comprar formatinhos, etc.

      Essas hqs por preços decentes você não encontrará. Há alguns meses, pesquisei muitos quadrinhos similares. No meio das pesquisas, encontrei alguns gibizinhos do Zero por até R$ 50,00 (menores preços, R$ 30,00), da RGE. Acho muita grana para uma leitura tão curta e para se alocar papel velho em casa. Para quem quer fechar uma coleção, vale a pena. Mas se eu quisesse ler 10 gibis fininhos do Zero teria que desembolsar até R$ 500,00, o que é muita dinheiro para estocar papel jornal quebradiço em casa.

      É normal queremos reviver aqueles momentos da infância, tendo em mãos algo da época. Sinto bastante essa sede de nostalgia dos sentidos, e até cedi a ela várias vezes. Hoje, realmente, procuro remover logo essa ideia da cabeça. Inviável.

      "onde viemos parar"... Poderia ser para as estrelas e além. Mas estamos para o fundo do poço e aquém.

      Abraços!

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  5. Primeiro tenho que dizer que adorei a citação a Bukowski ali. Um puta escritor!
    Segundo, nossa, adoro as tirinhas do Recruta Zero mas hoje em dia, quase não vejo mais elas pela internet, ao menos não com a frequência de antes.

    Abraço ♥
    Larissa - Blog: Parágrafo Cult

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    1. Olá, Larissa.
      A citação veio a calhar para o cenário atual de produção de quadrinhos.
      Bem, também adoro as tiras. Contudo, essa produção nacional baseada em HQs longas é MUITO melhor. Quando puder, baixe algo para ler. Você verá como é divertido.
      Quanto às tiras, cheguei a comprar álbuns da Pixel e livrinhos de bolso da editora L&PM. Ainda os tenho bem guardados.
      Abraços!

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  6. Não quero soar como um tolo conspiracionista, mas creio que estamos entrando na era mais tóxica da humanidade desde a Idade Média. A patrulha progressista do pensamento humano (apenas um dos vários tentáculos do pensamento marxista/comunista/socialista que paira sobre a humanidade desde o século XIX) está começando a agir como a Igreja Católica na longa noite de mil anos. Naquela época, a religião conseguiu controlar com mãos de ferro a vida e o pensamentos de milhões de pessoas, cometer atrocidades, usando o temor espiritual de muitos, que eram manipulados e repreendidos com promessas de salvação e ameaças de condenação ao inferno.

    Nos tempos atuais, o establishment começa aos poucos a tentar intimidar as pessoas com utópicas promessas de igualdade e equidade entre todos os seres humanos, aproveitando-se de sentimenos humanos como a empatia e o senso de justiça (assim como a religião no passado usava a fé das pessoas no sobrenatural). Há também tentativas de colocar a humanidade numa crise existencial severa, promovendo conflitos e revanchismos entre grupos sociais diversos. Como eles (agentes políticos diversos) sabem que a única forma de serem derrotados é caso haja uma união entre os povos, a estratégia primordial deles é dividir para enfraquecer. Não duvido que daqui a algumas décadas veremos as primeiras atrocidades graves em nome do progressismo. Mas aí, será tarde demais, já estamos infelizmente em uma Nova Idade Média.

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  7. Caro Anônimo,
    todo o exposto por vc está tão brutalmente exposto, a olhos nus, que me surpreendo é quando alguém rotula essa constatação óbvia de "conspiração".
    Como diria o Canceroso em Arquivo X, a verdade está lá fora, fatalmente exposta.
    Abraços!

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  8. boa tarde,Kleiton!essa imagem da dona Tete é do livro Scrapbook?

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    1. Olá, boa tarde, Felipe.

      Quando pesquisei por esta imagem, a achei com uma referência de que seria de autoria do próprio Mort Walker e que teria sido leiloada. E, realmente, o autor passou anos tentando conseguir grana para manter um museu destinado a cartuns.

      Se foi reunida naquele famoso "scrapbook", não sei informar.

      Abraços!

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