Mostrando postagens com marcador Divagando. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Divagando. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

E por este ano é só, pessoal

Disse-lhe Jesus: sou a ressurreição e a vida; 
quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;
e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá. 
Crês isto?
João 11:25,26

A Anunciação de Fra Angelico, c. 1438-47, Convento de São Marco, Florença.

A blogosfera anda cada vez mais moribunda. Quase cadavérica. Aparentemente, as pessoas desanimaram em ler e manter blogues. O público migrou para vlogues há tempos. De qualquer forma, isso não importa tanto aos blogueiros, pois a quase totalidade deles mantém o espaço apenas para compartilhar interesses, escrever amenidades ou realmente bostejar. Assim, ter acesso expressivo - e o mais desafiador: mantê-lo - torna-se irrelevante. Claro que quando compartilhamos algo queremos chegar ao maior número de pessoas. É, de certa forma, um dilema de blogueiro.

Confesso não gostar tanto de vlogs. Não necessito tanto ver a carafuça de ninguém enquanto comenta acerca de livros, filmes ou HQs. Há exceções, pois certamente alguns vídeos conseguem passar aquela sensação de intimidade e isso é bom. No entanto, quase sempre isso, em vídeo, sai meio superficial. Por mais que alguns vlogueiros tentem seguir um roteiro, editem o material e se esforcem para ser concisos, ficamos com a sensação de "faltou algo" ou "falou demais para monetizar", sem contar os jabás das editoras sacanas. 

Acho legal vídeos para ver o produto com mais minúcias. Mas, em regra, só. Tentei uma breve experiência com vlog sem rosto, apenas para indicar coisas que gosto com direcionamento a este blogue. Mas não aguentei alimentar o canal por nem um mês. Cancelei. Não deveria tê-lo fechado, talvez, porque havia uns vídeos incorporados ao site. Mas o que é meia dúzia de vídeos entre mais de mil postagens? Preferi, mesmo, cortar laços com o aquele canal. Fracassei só de tentar lidar com o meio vlogueiro. Não parece ser para mim! Depois, criei um novo canal onde tentei, aos poucos, postar acerca de assuntos que considero bacana compartilhar. Fechei novamente. Hoje, mantenho um canal apenas para complementar o blogue em alguns assuntos, e quase não o utilizo. Mas, creio, o equilíbrio certo entre vlog e blog é algo que poderia ser melhor aproveitado.

A natividade com os profetas Isaías e Ezequiel de Duccio di Buoninsegna, c. 1120-40, National Gallery of Art, Washington, D.C.

Os rumos deste blogue não me importam tanto. Sua versão anterior surgiu ainda no auge do Orkut e suas postagens eram divulgadas especialmente na comunidade do Universo HQ, arbitrariamente moderada. Rolavam boas conversas por lá, contudo; assim como célebres barracos envolvendo até editores de revistas e suas nobilíssimas esposas. Saudades do Orkut. Isso foi em junho de 2011. Oito anos passaram-se voando. Para mais acerca da história do Blog do Neófito, recomendo a postagem Overture.

Não levo internet a sério. Costumo dizer que meus colegas de verdade têm meu contato telefônico ou sabem meu endereço quando quiserem me procurar. No entanto, como negar ter conhecido boas pessoas em razão da blogosfera? Praticamente todas as pessoas que conheci por este meio são legais. 

Acho improvável que blogues voltem a "bombar". Parece que o desinteresse pela leitura migrou até mesmo para estes espaços. Mídias informativas escritas vão cada vez mais definhar, ainda mais com a ascensão da banda larga proporcionando a postagem de vídeos em Ultra HD, 4k etc. Parabéns a nós, blogueiros, por insistir neste meio. Somos persistentes. Enquanto pessoas caírem de paraquedas em nossos sites, através de pesquisas no Google, ainda valerá a pena. Quando, algum dia, o acesso for inexistente, então - talvez - chegue a hora de abandonar o barco.]

                      Intermission...


O vídeo acima condensa a famosa canção da propaganda do Banco Nacional que invadia nossas TVs durante aquela infância onde o mundo parecia ser melhor. Ficou fofa, hein? Seria mais fofa se a instituição não houvesse passado a perna em seus clientes e credores e, ainda por cima, se dado bem com ajuda de nosso Governo Federal. Mas não pensemos nisso agora.

Sempre desejei feliz Natal, em blogues, de maneira mais jocosa, com a imagem de uma bela "mamãe Noel". Agora, não. Por isso desde o início desta postagem optei por representações bíblicas. A data é comemorada, há séculos, em homenagem ao nascimento de Cristo. Mesmo em sua fase pré-cristã, possui conotação divina, de graças à natureza. Desde que me entendo por gente, contudo, aparenta mera festividade no calendário, onde beberemos e comeremos usando roupas bonitas. Você pode não ser cristão; contudo, utilize esta data para reflexão sobre os ensinamento atribuídos a alguém que - mesmo enquanto homem - trouxe luz a um mundo que, hoje, estaria dominado pelas trevas; que inspirou o surgimento da Igreja (autora de coisas boas, como o zelo pelo conhecimento, elaboração de um sistema público de ensino e anfitriã das mais belas criações do homem).


Em 25 de dezembro de 1642 nasceu Isaac Newton. No Natal de 1990, Tim Berners-Lee e  Robert Cailliau implementaram a primeira comunicação bem-sucedida entre um cliente HTTP e o servidor através da internet. No Natal seguinte, caía oficialmente a sangrenta União Soviética. E, para mim, o fato mais espiritualmente relevante à humanidade: foi no Natal de 1914 que combatentes alemães e britânicos celebraram o simbólico armistício numa guerra. Além de tudo: minha filha nasceu num dia 25.

É no cristianismo que se prega o amor, a tolerância e, sobretudo, a resignação. É no Natal onde festejamos o nascimento de quem deu a própria vida por todos nós. Cristo, mesmo enquanto ideia, é a entidade mais poderosa na existência humana; talvez, a responsável pela nossa longevidade.

Não sei bem o porquê, mas resolvi encerrar esta postagem com a cena abaixo, já compartilhada aqui quando falei da filmografia de Stanley Kubrick. Trata-se do último momento de Glória Feita de Sangue (Paths of Glory). A história começa como típico filme de guerra, passa à narrativa de tribunal e conclui com o insensato fuzilamento de soldados franceses condenados - de maneira notoriamente injusta - por um plenário de seus compatriotas. Após o fuzilamento, vários militares vão se divertir numa área recreativa, onde a grande atração é a garota alemã (Christiane Kubrick/Susanne Christian) levada ao local contra sua vontade. Os homens, há tanto tempo sem mal ver uma mulher, exaltam-se e ofendem-na, ainda mais por pertencer à nação rival. Para entretê-los, ela começa a cantar, e nos dá uma das cenas finais mais bonitas do cinema: nenhum daqueles homens queria estar ali. "O amor tudo vence" é a lição.



Enfim, ad hunc modumper summa capita, sem mais delongas, um bom Natal para todos vocês, colegas meio humanos, meio eletrônicos.

Abraços festivos e até a próxima.

Republicação, adaptada, de postagem de 21 de dezembro de 2015 do blogue anterior 

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Simulacro e simulação: a beleza de Red Dead Redemption II



"Mais e mais civilização. Que confusão maldita estamos fazendo!"
- Arthur Morgan

O mundo está mudando com a chegada do novo século. Mais moderno, com novas tecnologias, grandes cidades pavimentadas, novos costumes. Mundo cada vez menor devido à expansão das ferrovias e novas embarcações para novos portos. Não há mais espaço para o velho jeito caubói, para velhas gangues de roubos a trens, sobre cavalos e com bandanas na cara. E Arthur Morgan, membro da gangue de Dutch van der Linde, começa a perceber isso, não sabendo mais como se posicionar no mundo em transformação ao mesmo tempo em que reflete sobre suas escolhas e baliza suas ações por viés moral, julgando a si mesmo e tentando redimir-se antes do fim de sua vida. Isto, entre outras coisas, é Red Dead Redemption II.
Meu primeiro contato com videogame foi na casa de Diego, amigo de infância. Não recordo bem minha idade, mas era bem pequeno. Console Atari 2600; ficamos maravilhados com aqueles jogos eletrônicos, a interação com o televisor nunca antes vista, onde qualquer figura esquisita e mal formada em pixels despertava nossa imaginação. No início dos games, havia este apelo à imaginação. Você precisava crer, por exemplo, que um quadradinho era uma espaçonave alienígena tripulada.

Alguns anos depois, Rodrigo nos apresentou ao Master System, o magnífico sistema mestre da Sega que nos chegou através da Tec Toy. Logo após, seu pai (um rico escriturário do Banco do Brasil, para quem se lembra o que era status na década de '80) lhe deu o Mega Drive 16 Bits. E, cara, que console. A cor negro profundo, o joystick em meia lua quedando bem nas mãos... Boas recordações. E, ainda com Rodrigo (hoje, funcionário do Banco do Brasil igual ao pai, sem o glamour e o holerite de antigamente), tivemos acesso ao Phantom System, cópia brasileira do Nintendo, onde jogamos bastante Super Mario Bros. e tantos outros, muitas vezes indo às locadoras nos finais de semana para alugar cartuchos (hoje, sei, quase tudo cópia pirata).

Com o tempo, perdemos o interesse por consoles e veio a época de poder ir ao centro na cidade, no Play Time situado à Avenida Rio Branco, entupido de marginais que roubavam nossas fichas sob ameaça de nos dar porrada, mas muita porrada. Ali, tínhamos os gigantescos arcades com Street FighterMortal KombatAliens vs. Predator e tantos outros. E, claro, diversas máquinas de pinball, as quais chamávamos de fliperama. Lembro bem das máquinas com temática Alien e Drácula. Esse tempo também esmaeceu. Na mesma época, eram moda os mini-games de origem obscura.

Alguns anos após, conheci o Super Nintendo e me apaixonei novamente por jogos eletrônicos, especialmente Donkey Kong Country 2: Diddy's Kong QuestDisney's AladdinSide Pocket e, claro, Mario novamente. Jogava por R$ 0,50 a hora perto de casa. Nunca tivemos consoles, pois eram caros e meus pais estavam de acordo que seriam supérfluos, perda de tempo, máquinas de fazer burros e que, de leva, ainda quebravam os televisores.

Outros jogos com menção honrosa em minha vida: caçadas a trombadinhas e senhores do crime em Streets of Rage, matança de nazistas em Wolfenstein, a fantasia disneyana de Castle of Illusion estrelando Mickey Mouse e X-Men: Mutant Apocalypse. Sempre tive um apego ao gênero briga de rua (Beat 'em up), em assunto de games. E este dos mutantes era bom no segmento.

Depois do Super Nintendo, acho que permaneci uns sete anos sem contato com games. Isso voltou no meio de minha graduação, quando joguei um tempo Tomb Raider no PC e comecei a ficar meio viciado naquilo, novamente. Também rodava alguns emuladores. Aí, devido a estudos e estágio, abandonei a atividade quase por completo. E só agora, em 2019, voltei jogar após comprar um XBox One S para minha filha, a qual vem demonstrando interesse na jogatina digital. Em resumo, parei com games quando os consoles estavam em sua denominada 4ª Geração e só retorno agora na oitiva, com a nona já batendo as portas em máquinas como Nintendo Switch, PlayStation 5 e o aguardado Atari Arcadia Stellar Vision.

Recordo ainda que, em meados de 2010, começaram a divulgar jogos para PC interessantes. Também havia versões para consoles, mas eu estava totalmente alheio a isso. Fiquei maravilhando como alguns carinhas geniais estavam reinventando meus saudosos jogos de plataforma de maneira aparentemente simples (ao menos na superfície) e, no âmago, complexa. Foi o caso de Braid do projetista Jonathan Blow. No jogo, Tim manipula o tempo de diversas maneiras, em seis mundos, enquanto coleta peças de sua memória afetiva para, ao final, tentar recuperar o amor perdido. O autor/artista do game deixou abertas outras acepções na trama. Assim, por exemplo, também podemos estar diante de algum aspecto do Projeto Manhattan e do arrependimento pela manipulação do poder atômico. Penso, também, que se poderia tratar do eterno dilema humano entre a busca, a conquista e o domínio do conhecimento e a ulterior sensação de perda durante esse trajeto. De qualquer forma, para mim, Braid sempre será a história do amargurado buscando, em vão, desfazer erros passados para ter novamente a mulher amada nos braços. Além de tudo, é uma bela homenagem à antiga estética dos jogos de plataforma e, em especial, ao Mário da Nintendo. A manipulação do tempo, por sua vez, veio de Prince of Persia: The Sands of Time (2003), outro jogo presente em minha infância quando mais simples (o primeiro, de 1989).



Na esteira de Braid também ganhamos Limbo, uma pequena obra de arte meio gótica, meio expressionista que lida com cadáveres de crianças na borda do inferno, bullying e medos personificados na figura de uma aranha gigante. Na história do jogo (plataforma com design sombrio e belíssimo trabalho sonoro, assim como foi o jogo de Jonathan Blow e seus violinos com céus pós-impressionistas ao fundo), o garotinho tentar encontrar sua irmã numa espécie de purgatório, perambulando florestas soturnas, escombros e antigos parques fabris abandonados. Outra relação com Braid é ser um jogo de quebra-cabeças (puzzle), embora não tão complexo quanto seu antecessor nas decifrações. Zerei ambos os games e acho uma pena não existirem em mídia física para que possamos guardá-los. Eu compraria, dinossauro que sou apegado a objetos táteis.

Pensei que, atualmente, os jogos acima mencionados teriam se multiplicado e deixado herdeiros. Mas parece que não. Ao menos, não muitos. Acho que, diante do poder computacional dos consoles modernos, as corporações ainda preferem dar ênfase a imensos projetos com gráficos arrojados, mundos abertos com mapas colossais que, mesmo assim, parecem vazios, destituídos de conteúdo. RDRII parece, às vezes, fazer parte disso, com seu mundo quase sem fronteiras, missões em excesso e longas horas dedicadas a cavalgadas, cuidados com alimentação, higiene (sua e de sua montaria), limpeza de armas, caçadas e pescarias, fabricação de remédios, contabilidades (quanto você roubou e quanto é devido à gangue, para compra de insumos diversos) etc. Mas, penso, isso faz parte da poética do jogo. O vazio nesta obra é, de certa forma, apenas o banal, qual reflexo, da vida real.

Diferentemente de quando eu era guri, hoje conheço benefícios dos jogos ao desenvolvimento humano. Otimizam  visão e atenção, estimulam criatividade e, sobretudo, retardam a deterioração cerebral em pessoas de idade avançada. Sem contar, claro, serem bens culturais dignos de apreciação. Em alguns casos, verdadeiras obras de arte. Quem em dado momento ouviu as composições de Gustavo Santaolalla (Babel, Brokeback Mountainpara The Last of Us (PlayStation) sabe do que falo. O trabalho em roteiros também é intenso.

Na primeira semana, fiquei apenas fuçando o console, abismado com a capacidade computacional. Aí coloquei uns "roms" em minha conta One Drive e matei a saudade de jogos da infância. Também comprei joguinhos na loja on line, como Mônica e  A Guarda dos Coelhos. Ainda aproveitei para jogar algumas coisas novas e, um dia, estando nas Americanas, vi Red Dead Redemption II. Havia visto imagens desse jogo por acaso no Youtube e fiquei maravilhado. Então, por que não comprar? Foram duzentos paus bem gastos. Nunca poderia supor que a tecnologia de games tivesse chegado a algo assim.

Red Dead Redemption 2 possui ótima trama, bem construída, belos e impecáveis gráficos, jogabilidade a qual considero boa para um iniciante e bastante interação com tudo à volta do jogador. E, para melhorar, no ambiente que amo: o velho oeste (não tão velho na história) americano e sua edificação em sangue, suor e lágrimas. Para um fã de faroeste igual a mim, como é bom ver estradas carroçais, revólveres Colt, coldres, selas e demais apetrechos em couro, bem como parrudas facas bowies, planícies ora secas, ora esverdeadas. E as nevascas são um espetáculo. Jamais imaginei que os games chegariam a um nível onde a neve parece mais real do que a real.

Sei haver jogos onde se procura extrair o máximo de interação entre usuário e algoritmo, como nas produções da francesa Quantic Dream, por exemplo. Mas não é a mesma coisa. Penso que um ambiente como o de RDR2 acaba por nos dar maior interação e ressonância emocional. No entanto, claro, esse ponto de vista é puramente íntimo.

Estou indo aos poucos neste retorno ao mundo dos videogames. Não gasto horas e horas do dia. Jogo quando posso e dá na telha. Acho que estou pegando o jeito e não tenho pressa, pois realmente esses controles atuais são extremamente complexos em vista dos de antes. Aos poucos, chego lá. Ao menos estou me divertindo e isso é o que importa. E, creio, as definições para simulacro e simulação nunca se aplicaram tão bem numa produção humana como na beleza de Red Dead Redemption II.

Abraços renderizados e até a próxima.

Postagens sugeridas:
  1. Era uma vez no Coração da América
  2. Onde os velhos não têm vez

domingo, 20 de outubro de 2019

Coringa, Movimento Antimanicomial e Anarcocapitalismo


"Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo." 
(Ludwig Wittgenstein)

"Pensava que minha vida fosse uma tragédia, mas agora me dou conta de que é uma comédia."
(Arthur Fleck)

Faz dias que vi Coringa e fiquei de alma lavada. Após tantas produções meio-boca e marromenos realizadas sobre personagens de quadrinhos - onde, em momentos de vida ou morte, o super-super bem apessoado encontra tempo para piadinhas infames -, surgiu Coringa, com toda uma estética impecável de época, sombrio e destituído de quaisquer romantismos sobre bandidos e mocinhos. Embora, na trama, os pais de Bruce ainda estejam vivos, a imagem do herói fica a cargo do médico e magnata Thomas Wayne, que não nos desperta empatia, é arrogante e, aparentemente, mau caráter. 

Muitas coisas ficam no ar acerca da paternidade de Arthur Fleck (o doente mental problemático, psicótico, que viria a se tornar temido vilão de Gotham). E este vilão, por sua vez, conquanto violento, impulsivo e quase desumano, igualmente não nos desperta nenhuma empatia. Não há beleza no Coringa. Ele não é sagaz. Chega, aliás, a ser burro, quando não consegue sequer compreender o funcionamento do mundo à sua volta, como quando está numa apresentação de comédia stand up e não entende nada do que se passa ali. Suas anotações no que deveria ser um diário não possuem nexo, nenhuma lógica. O cara é apenas um asno porra-louca que, abandonado pela sociedade (cada um cuide de seu próprio traseiro), explode e começa a dar pipoco para todos os lados.

Similar ao Batman de Tim Burton (1989), jogam para o palhaço a origem do Cruzado Encapuzado. Comentei um pouco sobre isso na postagem Já dançou com o demônio sob a luz do luar?, onde o vilão, bem mais velho que Bruce, não só tem origem inventada por Sam Hamm (roteirista) como lhe é atribuído o famoso duplo homicídio no Beco do Crime. Na obra de 2019, tentam, de outro modo, fazer o mesmo. Nesta última trama, Arthur Fleck dá início à onda de revoltas na ruas, a qual culmina nos homicídios. E o resto... Bem, o resto é uma história que dura quase oito décadas.

Os guerreiros da justiça social, detentores do monopólio da virtude, fizeram lobby contra o filme. Então, outro motivo para querer vê-lo. E fiz questão de ir ao cinema. Valeu cada centavo. É natural que a turma do "mimimi" não goste de produção com temática subjacente "incel" ou "mgtow" (termos modernos que, francamente, não me agradam). E mais: Coringa possui natureza essencialmente anarcocapitalista, voltando-se contra o sistema representado por Thomas Wayne: endinheirado com poder político, ícone do corporativismo estatal; essencialmente, um metacapitalista (termo e definição cunhados por Olavo de Carvalho).

Devido a esse ativismo acéfalo, esqueceram do ótimo mote, trazido pelo filme, para discussão mais oportuna: a doença mental, em todos os seus aspectos mais tenebrosos: dor, solidão e violência. Fleck é vítima do Movimento Antimanicomial, luta da esquerda global que, essencialmente, busca apenas o caos e a desordem familiar, a miséria das cracolândias brasileiras e sofrimento humano.

Valeria a pena ter se investido tempo nessas discussões, e não se perguntando por que Coringa não come ninguém.

Fico por aqui. Abraços insanos e até a próxima.

domingo, 13 de outubro de 2019

Eastrail 177 Trilogy e o Übermensch possível


"Vede; eu anuncio-vos o Super-homem: "É ele esse raio! É ele esse delírio!"
De Assim falou Zaratustra, por Friedrich Nietzsche

Em 1982, Alan Moore nos contou uma grande história de super-heróis. Nela, Micky Moran - homem de meia idade fora de forma que faz bico de repórter para sobreviver - descobre ser Miracleman, líder do time de "supers" cujas aventuras passadas ninguém recorda. Suas aventuras envolviam o que há de mais ingênuo no gênero. Para começar, recebeu seus poderes de um astrofísico que se tornou deidade e lhe deu a "palavra mágica" para quando precisasse salvar o dia. Não era Shazam, mas sim Kimota (atomik). Ele e seus amigos - incluídos aí Kid Miracleman e Miraclewoman (!) - viviam em luta constante com o maquiavélico Gargunza, gênio científico do mal. Para variar, ninguém se machucava realmente, todos contavam piadinhas em momentos de tensão e, no "número seguinte", o vilão retornava para encher o saco.

Mas como Micky Moran viveu tudo isso e ninguém se recordava da existência de superseres? Simples, as maravilhas existiam apenas em HQs infantis e ele foi cobaia num longo experimento, onde viveu quase oito anos em sono constante, sendo alimentado com aventuras pueris retiradas de gibis. Só que, um dia, ao se recordar de tudo, despertar na plenitude de seus poderes e buscar sua origem, os super-heróis e os mega vilões estarão no mundo real. Entretanto, as histórias não serão mais tão bobas: estupros (masculino e feminino), pedaços de corpos caindo dos céus, orgias celestiais e totalitarismo estarão presentes. E até mesmo suicídio do alter ego de Miracleman, numa das passagens que considero a mais tocante dos quadrinhos. Num dado momento, Micky Moran quer morrer: perdeu esposa e filha e se vê como inútil. Então, sobe uma montanha, retira as roupas e deixa um bilhete. Pronuncia a palavra Kimota e torna-se Miracleman. Este lê seu epitáfio e, desde então, nunca mais voltará ao corpo de Moran. Na mitologia criada por Alan Moore, a "transformação" se dá pela troca de corpos clonados, quando pronunciada a palavra-chave. Mike perecerá no limbo do infra-espaço, para sempre. Seria algo como Clark Kent se matar e deixar apenas Superman vivo.

"Suicídio" de Mike Moran em Miracleman #14

Num dado momento da saga (texto em prosa), Miracleman nos diz que, em seu aniversário de renascimento, o mundo comemorou queimando gibis, livros e filmes de ficção científica. O faz-de-conta, penso, não era mais necessário. Os deuses estavam entre nós e sonhar com homens voadores não fazia mais sentido. Alan Moore repetiu isso posteriormente em Watchmen - os gibis mais vendidos, ali, eram de pirataria, como Contos do Cargueiro Negro, por exemplo, pois heróis realmente existiam.

Ao seu modo, o cineasta Shyamalan M. Night fez o mesmo com o gênero em sua trilogia Eastrail 177. Meio qual Moore, conseguiu dar uma "desconstruída" no nicho. Tudo começou em 2000, em Corpo Fechado. Mais recentemente, concluiu sua ideia em Fragmentado (2016)  e Vidro (2019). E, assim, prestou grande homenagem aos nossos amados quadrinhos, especialmente ao gênero super-herói, nos fazendo parecer possível a existência, entre nós, de superseres benevolentes e gênios do mal.

Na trilogia apelidada de Eastrail 177 - referência ao acidente de trem mostrado em Corpo Fechado -, três homens encarnam estereótipos de comics. David Dunne é o herói típico, dotado de superforça e que, ao seu modo, combate o crime trajando capa (embora de chuva). Elijah Price mostra-se, mais à frente, o vilão brilhante, incapaz de muito esforço físico e dotado de imensa capacidade cognitiva. Kevin Crumb é o múltiplo, cuja personalidade "A Fera" é praticamente impossível de se abater. E no meio de tudo isto está Ellie Staple, psiquiatra que invoca histórias em quadrinho para apontar sua tese de delírios de grandeza. À frente, a trama se mostra mais complexa do que parecia inicialmente, uma organização global oculta sai das sombras e, ao final, uma modesta loja de HQs encerra, em Vidro, o que se iniciou em Corpo Fechado.

Confesso não gostar de filmes de super-heróis. Ainda não vi, por exemplo, nenhum de Thor, os últimos dois de Vingadores, nenhum Liga da Justiça, dentre tantos. Não consigo gostar daquelas histórias divertidas onde, em momentos de vida ou morte, o Homem de Ferro soltará piadinhas que farão toda a platéia sorrir no cinema, enquanto come pipoca no super-balde customizado, ostentando óculos 3D. Respeito opiniões em contrário, mas acho essas produções puro lixo. Há quase quarenta anos, gente como Alan Moore e Frank Miller, e.g., estavam desconstruindo o gênero para extrair de um universo aparentemente pobre algo soberbo. E hoje, nos cinemas e em diversos títulos impressos, retrocedemos para retirar todo o potencial edificado às custa de tanto esforço artístico e intelectual.

Há quem alegue que os blockbusters DC/Marvel se destinariam às crianças e por isso têm essa pegada mais retardada. Não é tanto o que vejo em salas de cinema. Os marmanjos estão em grande maioria, com suas camisetas ostentando logotipos de heróis. E, na tentativa de nos mostrar um super-homem possível, acho que a trilogia Eastrail 177 consegue tal façanha melhor que todos os milhões investidos em efeitos especiais nas produções arrasa-quarteirão.

Fica, enfim, minha sugestão de cinema para quem ama quadrinhos com seus heróis heroicos e as vilanias dos vilões. E, em tempo, destaco que a palavra "Übermensch" é utilizada expressamente por Moore em Miracleman e Zaratustra também é o nome escolhido pelo malvado Doutor Gargunza no projeto para criação de super humanos.

Super abraços e até a próxima.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Púrpura


"Acho que Deus irrita-se quando você passa pela cor púrpura em um campo e não a percebe."

De Shug Avery para Celie em A Cor Púrpura

domingo, 6 de outubro de 2019

A estrada de Bill Gates


Recordo bem do sucesso d'A Estrada do Futuro de Bill Gates, quando eu ainda era imberbe (palavra linda!). Via unidades à venda na vitrine lateral da banca de revistas Terceiro Mundo e na Livraria Estudantil, pontos comerciais de minha antiga cidade. Também era figurinha fácil circulante em mãos de pessoas antenadas com o mundo digital, interessados por internet e computação quando este terreno era insipiente em nosso país. A capa do livro - o qual nunca li - ficou marcada em minha massa cinzenta. O próprio Gates é figura sempre recorrente em minha vida. Meu primeiro computador - AMD K6 2 500rodava o Windows 98 e, neste exato momento, utilizo o Windows 10. Mês passado comprei um XBox para minha filha. Enfim, se você habita este planeta, não há como desconhecer Bill Gates e sua criação.

Esses dias assisti ao documentário original Netflix O Código Bill Gates e achei proveitoso. Gostando ou não do magnata - e é sempre esporte divertido entre pobres tentar diminuir as realizações dos ricos -, conhecer um pouco das figuras mais proeminentes da História nunca é tempo perdido. Veja bem: o sujeito pode realmente ser até um tremendo filho da mãe, vai-se saber. Mas e daí? Convivo com pessoas escrotas no cotidiano cujas contribuições à humanidade são comer, cuspir e defecar. Ao menos Gates fundou a Microsoft e, assim, popularizou o uso dos PCs.

Achei o filme meio capenga em alguns momentos; envernizado na maior parte do tempo mas, no geral, aproveitável. Não me deixou com sensação de tempo perdido, conquanto seja puramente um material de propaganda política da Microsoft e da Fundação Bill & Melinda Gates. Então vamos a alguns apontamentos pessoais, minhas modestas impressões.

Tentaram dar ênfase ao Gates pai de família, preocupado com o tempo destinado aos filhos e, como todos os mortais, com pontuais crises conjugais. Seu lado engajado, claro, é focado nas obras humanitárias ao redor do globo, tentando encontrar destino limpo para cocô africano ou combatendo a poliomielite, isso quando não está preocupado com o aquecimento global. Como todo metacapitalista, o "nerd" da terceira idade adotou a agenda e o jeito ONU de ser, gastando com ações sociais globais enquanto aumenta suas relações com o poder político. Destaco: essa estratégia remonta à dinastia Rockefeller que, ao ser vítima do poder estatal em seu monopólio energético, resolveu se fazer mais presente na vida social americana e se atrelar, mesmo nos bastidores, ao poder burocrático. Gates, aliás, quase se deu muito mal devido a ações anti monopólio. Esperto, fez o dever de casa e não errou mais. Ao menos, claro, está gastando milhões  com vacinas na Nigéria. Já eu precisei dividir em seis vezes a imunização de minha filha contra meningite B e ACWY, as quais não são ofertadas na rede pública e custam R$ 1.600.00.

Gates é pintado como um gênio da programação. E realmente o foi desde criança, como dito no documentário. Mas em momento algum, ao falarem do sistema DOS, citaram Tim Paterson e focaram apenas no dotes do executivo. Achei isso meio rasteiro. Citar Paterson não diminuiria a genialidade de seu contratante. Este, sim, tinha visão a longuíssimo prazo e sabia o que estava construindo para o mundo e para seu bolso.

Paul Allen é citado com parcimônia. E por um lado foi bom. Sempre o vi como mais um hipócrita: contrário ao regime de mercado no discurso, mas que não abria mão do caviar. Como é sabido, o co-fundador da Microsoft saiu da empresa porque alegava não querer fazer parte de algo grande, que movimentasse tanta grana. Era romântico (da boca pra fora). Na prática, morreu podre de rico, dono de uma bilionária carteira de investimentos e ostentando luxos como nem o próprio Gates ostenta. Lembrava bastante Steve Jobs, com discursos holísticos na ponta da língua e de alma podre, maltratando até mesmo amigos pessoais no afã de ampliar seu império tecnológico.

A grande sacada do filme, penso, foi associar os desafios de Gates quando à frente da corporação com os entraves encontrados por ele em suas obras humanitárias. Muitas vezes, as mesmas estratégias aplicadas para se tornar o homem mais rico da Terra foram aplicadas para gastar essa grana com fezes humanas e imunização. Também chama atenção o lado analógico do homem pioneiro nos computadores domésticos: gosta de papel, anda com sacolas de livros, não é visto com smartphones e costuma usar anotações de punho. Além disso, gosta de cartas e jogos de tabuleiro nas horas vagas.

Após ver a produção, continuo enxergando o magnata como alguém extremamente sagaz, capaz de tecer mil e uma probabilidades em sua cachola, dotado de grande poder de visão no longuíssimo prazo. Ainda o vejo como um ser humano fleumático, destituído de grande empatia pelo humano mas sedento por embates e aventuras. Gates, obviamente, é daqueles exemplares que adotam a racionalidade quase como um monastério. Do contrário, não teria fundado a Microsoft e certamente a História recente seria diferente. O Windows foi crucial para o acesso dos meros mortais à chamada microinformática.

Enfim: no catálogo de documentários da Netflix, acho que este é um dos que valem a pena.

Abraços cibernéticos e até a próxima.

  • P.s.: The Bill & Melinda Gates Foundation, ao lado da Open Society Foundations e tantas outras fortunas modernas, são os grandes financiadores dos Guerreiros da Justiça Social ao redor do globo.

Somos a turma da Justiça Social [ Reflexão gratuita ]


Da novilíngua de George Orwell e o nadsat de Anthony Burgess, chegamos a este presente mais tenebroso do que os futuros distópicos previstos em 1984 e Laranja Mecânica. A linguagem do politicamente correto foi o elemento chave para a engenharia social que nos deu a atual geração de burros imprestáveis. O patrulhamento do politicamente correto é o instrumento mais perigoso presente na agenda da chamada Nova Ordem Mundial. Este patrulhamento amordaça as pessoas, enrijece quaisquer possibilidades de debate sério sobre temas relevantes à estrutura social de uma nação. Se você endossa o "não me toque" ou o "todos são iguais" sem refletir acerca do alcance dessas colocações, assista ao vídeo acima, escrito, dirigido e protagonizado pelo humorista Neel Kolhatkar. Depois, ignore! Escola de Frankfurt, flawless victory.

Postagens sugeridas:

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Cultura pop com verniz de erudição

A postagem a seguir abordará o romance Forrest Gump de Winston Groom. Ali, eu comentaria sobre a influência do personagem do cinema (não do livro) na cultura pop em geral, desde comercial de automóvel - Volkswagem Golf, o qual estranhamente exibiu-se pouco na TV brasileira - até Os Simpsons. Iria inclusive postar o vídeo abaixo, um dos melhores comerciais que já vi.

Tomei conhecimento desta pérola quando lançado, pois divulgaram num site de arte, design e propaganda. Em apenas uma tomada, os caras prestaram justas homenagens a grandes obras da cultura pop, mas sem esquecer o erudito. Aliás, em meu blogue anterior, esta era a chamada: "Cultura pop barata com verniz de erudição". 

Amo muitas coisas: arte, comida e bebida (embora esteja de dieta há certo tempo, vez que a idade chegou), mulheres etc. Posso resumir tudo isso em: beleza e informação. No ápice de meus amores, certamente, está minha filha, um querer inexplicável. Mas, logo após ela, colocaria esses dois elementos da vida. E o comercial do The Sunday Times - jornal do Reino Unido - sintetiza perfeitamente tudo, sendo ele em si é uma grande realização cultural. O curta recebeu o título Icons e constava inclusive numa antiga postagem minha. Achei oportuno reproduzi-lo aqui novamente. "Old but gold", dizíamos na época do saudoso Orkut.

Abraços icônicos e até a próxima.

domingo, 15 de setembro de 2019

Pensando em Deus

Foto de Alem Sánchez no Pexels

Prefiro o paraíso pelo clima; o inferno, pela companhia.
Mark Twain

Em verdade te digo que ainda hoje estarás comigo no Paraíso.
Lucas, 23:43

O quanto perco em luz conquisto em sombra.
Carlos Pena Filho

Sua falta de fé é perturbadora.
Darth Vader

Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.
Fernando Pessoa

Não sigo nenhum sistema religioso, embora simpatize com algumas ideias até mesmo oriundas das religiões mais dogmáticas. Reconheço, contudo, que acho interessante algumas premissas do Gnosticismo mesmo antes de saber o que seria isto e conhecer um pouco de suas vertentes. Sinto, há bastante tempo, que a existência humana é antinatural, especialmente por ser baseada em temor e sofrimento ou alegria em torno de um ser sobrenatural. Quem criou esta cápsula de vida baseou-se em ilusão e nos deixou ao léu, aptos somente a agradecê-lo pelo que é bom e lhe pedir socorro ou perdão por tudo de mal que nos cerca. Sempre me pareceu que a existência material faz parte de um viés de puro egocentrismo, de puro egoísmo. Só que também sinto ser possível a libertação desse estado prisional por meio de uma ascensão espiritual. Como? Ainda não sei. Provavelmente, passa pela meditação profunda.

Mesmo com dito acima, às vezes me vejo pensando em Deus de outras maneiras.

Penso no sobrenatural. Não tenho religião e acredito que jamais terei. Simpatizo, também, com alguns preceitos do Budismo; entretanto, para mim, sua doutrina é mais filosofia de vida que religião. Mesmo divagando sobre esse tema, evito ingressar em debates. Parece perda de tempo. Cada pessoa é guiada por sua crença. E fé não se discute; expõe-se. E até a mera exposição de uma inclinação religiosa pode terminar em discussão ferrenha; ou agressão física. Nunca vi debate racional em torno de crenças espirituais. Vemos cristão dirigir-se a ateu: “Como você pode não crer em Deus? É óbvio que Ele existe”. E o ateu revidar da mesma forma, apenas invertendo a colocação. Com olhos adolescentes, tento compreender o ateu, neste ponto, já que o ceticismo possui um aspecto pragmático: cremos no que vemos, no que ouvimos, no que se apresenta aos nossos sentidos. Mas, homem maduro que sou, sei que a existência – ou a não-existência – é mais complexa do que como o mundo físico se nos mostra. Há magia em tudo. Os arroubos dos ateus de boutique são apenas isso: arroubos imaturos.

Às vezes, imagino o mundo sem religião do cínico bon vivant Lennon. E não gosto da imagem que se forma em minha cabeça. Talvez necessitemos de religião. Precisamos crer em algo que nos garanta a vida eterna num Paraíso coberto de gramado sempre verde, frutas à vontade e fonte de água pura; ou num Paraíso imaterial. Nada conforta mais que a crença num Deus preocupado conosco. Se você é cria de uma entidade poderosa, responsável por edificar todo o Universo destinado à sua existência, à sua alegria, você é ou pode ser feliz. É mais fácil suportar a vida de dor, doenças e injustiças se o Reino do Senhor lhe tem lugarzinho reservado. Compreendo perfeitamente quem precisa se achar amado por Deus, quem tem fé – quem crer por crer; e ainda acredita que sua fé é mais verdadeira do que a dos demais. Afinal, são tantas as religiões e os deuses que as guiam. Mas, se você não crê em nenhum Deus institucionalizado, um católico pode se admirar por você não crer na verdade materializada na figura de Jesus Cristo. E o muçulmano o condenará por dar as costas aos preceitos de Maomé. Todo mundo crê em “sua verdade”, na verdade que melhor atende aos seus anseios, às suas circunstâncias, pois não é fácil aceitar que a vida acabará definitivamente. Ou melhor: a vida pode até acabar; mas o espírito – eterno - terá um lugar guardado pertinho de Quem tudo criou.

Por vezes, divago em relação ao Espírito. Nossa alma possui forma, uma projeção similar ao nosso corpo? Uma autoprojeção? Parece Matrix! Fomos criados à imagem e à semelhança de Deus, então nosso espírito também seguirá essa forma divina? Sempre gostei da ideia de perpetuação de nossa consciência; que, após a morte, nossa memória não se destruísse, vez que tudo encontraria um lugar na natureza, assim como a fria carne machadiana devorada por vermes. Seria interessante uma união cósmica de consciências, e ainda mais se provida de alguma finalidade. Para alguns, nossos espíritos têm forma - e destino: o céu ou o inferno. No Inferno, sua alma queimará; no Éden, o homem descarnado caminhará entre os seus: os bons, os melhores, os escolhidos para a eternidade ao lado do Senhor, com direito a levar o cargo que ocupa, o carro de luxo quitado e o gordo saldo bancário.

Algumas almas mais inquietas vagariam pela Terra, perturbando os vivos, fazendo barulho pelos corredores e abrindo torneiras no meio da madrugada. Incrível essa ideia! O sujeito poderia vagar pelo Cosmo, admirando toda a sua beleza. Mas, não: prefere passear em terreiros de candomblé e dar nós em cabelos de criança malvada e crina de cavalo. O que manteria uma consciência viva sobre a Terra? Talvez a gravidade, somente; assim como apreende até mesmo o oxigênio que nos mantém vivos. Complicado, hein? Por isso, é melhor não pensar muito acerca do assunto. E que a Força esteja conosco!

A existência é tão absurda e improvável quanto seu inverso. Podemos evitar pensar muito a fundo sobre o assunto, certos de que não chegaremos à conclusão alguma. Immanuel Kant destacou, em seu conjunto de obras, que há limite para nosso conhecimento empírico. Logo, não adiantaria esquentar os miolos, pois jamais chegaríamos, racionalmente, a nenhuma conclusão sobre o que foge ao mundo físico. Restaria, então, apenas a fé para preencher esse vácuo. Você pode viver com o que tem em mãos: um mundo até agradável, celeiro de coisas ruins, mas também fonte de prazeres para todos os sentidos e cheio de beleza, muita beleza. E isso basta (ao menos, para mim está dando certo seguir este caminho de contemplação e de viver um dia de cada vez, aproveitando-o sem aguardar os aparentes benefícios da imortalidade). Carente de algo mais, continue optando pela fé no porvir, no pós-morte. Isso, provavelmente, oferecerá mais conforto às noites insones.

Em diversos momentos, penso que a coisa complica mais ainda quando divagamos acerca da natureza de Deus. Ou dos deuses (sempre me interessaram as culturas politeístas). O que impulsionaria algo tão poderoso a criar tudo, a edificar um universo conduzido por leis aparentemente tão rígidas, a criar vidas incomunicáveis em pequenos planetas tão distantes entre si? Talvez Ele tenha cansado de sua existência inexplicável e, farto de tanta perplexidade diante da ausência de respostas, deixara de existir pela simples vontade, e sua energia fora distribuída no que hoje chamamos de Cosmos. É que Deus poderia cansar. Um dia, Ele despertou: estava consciente, mas sem entender como existia. De onde Ele veio, Ele mesmo jamais saberia. Angustiado, espalhou-se pelo espaço existente à sua volta, como uma centelha que precede o fogaréu. Não é muito improvável que Ele tenha sido tudo o que precedeu ao chamado Big Bang. Ainda não sei como não surgiu uma religião adoradora da Grande Explosão que a tudo deu origem, ou louvando Aquele que retirou a própria vida e, assim, a tudo que conhecemos deu vida. É que, diante de tantas seitas esquisitas, só falta algo assim (se é que já não existe, vai saber!). Se bem que, de certa forma, o Deus encarnado morreu por nós em diversos sistemas religiosos.

E, na conclusão deste pensamento confuso, ratifico minhas quase convicções gnósticas, diante de minha falta de força de vontade em tentar mudar dentro de mim mesmo e, assim, abraçar o cristianismo ortodoxo como forma de fazer minha parte por uma existência melhor; sendo mais fácil, como sempre, apenas culpar o mundo em si por todas suas mazelas.

Enfim. Faber est suae quisque fortunae. Ad astra et ultra. Deo vindice.

sábado, 14 de setembro de 2019

Overture - Um pouco sobre o antigo Blogue do Neófito




Chegado, pressinto em vós
que não nos afastemos.
Trazei-me sua comida
e comendo conversemos.

(Jorge Wanderley, em Gesta)

Meu primeiro site foi no ano de 2002 ou 2003, utilizando o HpG (Home Page Grátis), serviço do iG que permitia criar e hospedar conteúdo. Havia limitações, certamente. Mas era o adequado para época onde meu acesso à internet era discado por modem de 56 kbps em meu AMD K6 2 500 com Windows 98. A página chamava-se Miscelândia, uma brincadeira minha com as palavras "miscelânea" e "lândia". Seria uma terra onde haveria de tudo um pouco, dentre assuntos que me interessavam. Assim, eu postava crônicas, poesias e muitos fichamentos redigidos no computador durante a fase inicial de meu bacharelado em Direito. Era interessante porque as postagens se faziam com uso de um programa de FTP e, assim, eu escrevia links para o material transferido.


A jornada com o HpG não durou bastante tempo. Acho que sequer um ano. Apenas abandonei o projeto e nem me dei conta quando o serviço foi extinto. Era uma empreitada divertida, mas meio inútil. Acho que ninguém acessava site pessoal, entre nós, naquela época, mas apenas grandes portais (Uol, Terra, AOL etc.). As próprias ferramentas de busca não auxiliavam nisso, pois só tínhamos os ineficientes Yahoo!AltaVista para busca. Apenas em 2005 a Google instalou seu escritório brasileiro e - salvo engano - em 2000, com sua versão já em português, ainda demorou um tempo para se tornar conhecido entre nós como buscador. Então, via busca geral, dificilmente minha home page seria encontrada.

Anos e anos após é que resolvi inaugurar uma nova página, desta vez pelo serviço Blogger do Google. E então surgiu o Blog do Neófito.

Para evitar bagunça com centenas de marcadores, procurava reunir todas as postagens do antigo blogue em somente seis seções/categorias. Mais do que isso tornaria o site uma zona, com conteúdo desconexo e sem público aparente. E um público (mesmo pequeno) é necessário. Caso contrário, isto seria um diário, não blog de acesso público e irrestrito. Após poucos meses de uso e conhecendo a plataforma, optei por leiaute simples, limpo, cujo cabeçalho/logo (enfim, identidade visual) era a imagem acima.

A inspiração em manter outro blogue veio, especialmente, porque passei a acompanhar o que muita gente criativa vinha realizando no Blogger. Salvo engano da memória fatigada, o blogueiro divulgava alguns links  de suas postagens em comunidades do Orkut, e foi por ali que o conheci. Ele escrevia mais acerca de quadrinhos de linha infanto-juvenil e eu adorava ler suas impressões, conferindo imagens etc. Aquele toque pessoal, íntimo, me levou a buscar mais blogues relacionados, saindo aos poucos dos grandes sites - como, e.g., Universo HQ e Omelete -, os quais passaram a me despertar desconfianças e desagrados. Pelo Socializando, conheci o Paulo Gibi, escrito por Paulo Augusto, outro grande sítio que deixou saudades e era mais voltado para HQs Disney e Turma da Mônica. A partir daí, achei que seria interessante começar algo à minha maneira, com algum espaço para gibis e livros, além de apontamentos pessoais diversos.

A primeira postagem - intitulada Das Glasperlenspiel - foi realizada em 24/06/11, com referências ao livro O Jogo das Contas de Vidro de Hermann Hesse O Diabo Enamorado de Jacques Cazotte e até mesmo uma "ponta" de Joe Camel, o camelo dos cigarros.


No início do espaço, seriam postadas apenas as Sincronias e Sincronicidades com as quais já havia elaborado um esboço no álbum de fotografias do finado Orkut (requiescat in pace). Era legal acompanhar essas postagens do início, pois o afã do projeto foi justamente uma evolução na amarração de referências, de informação. Signos sempre me interessaram. E essas “sincronias” foram responsáveis pelo batismo do blog, respaldadas na alusão de imutabilidade – mesmo diante do acúmulo de informação – de nosso grau humano de eternos neófitos. Essencialmente, sintetizei essa ideia a partir de trecho retirado de obra de Fernando Pessoa (Do Ritual do Grau de Mestre do Átrio; epígrafe ao seu poema Eros e Psique, retirada pelo autor do restrito volume "Rituais", do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal):



...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades
que vos foram dadas no Grau de Neófito, e
aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto
Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. 

Com o tempo, adicionei o marcador Poética a diversas postagens das "sincronicidades", em razão de haver textos de minha autoria exclusiva junto às imagens. Assim, consegui uma organização ainda maior, pois pude separar trabalhos autorais para quem, conhecendo o site, tivesse interesse em consultá-los.


De início, o site se chamaria “Garagem Hermética”, diante, em especial, de funcionar como depósito para quinquilharias mentais, desde resquícios de erudição à cultura pop barata. Quando o quadrinista francês Jean Giraud (o Moebius) faleceu, pensei em rebatizar o site, novamente, com esse título, em razão de ser, também, o título de seu trabalho individual mais cultuado. Mas a “Ordem” já estava bem avançada para essa mudança, mesmo sendo a Ordem de um homem só. Com o tempo, notei que Ordem do Eterno Grau de Neófito era um título extenso demais e poderia reduzi-lo sem danos à ideia primeva. Em razão do número de acessos cada vez maior, certamente indicava que várias pessoas que - talvez - acompanhavam aquele espaço já conheciam a intenção inicial por trás do "apelido" que lhe dei: simplesmente "Neófito". Daí, Blog do Neófito. Como não podia mais alterar o endereço eletrônico, sob pena de perder backlinks e o pagerank, que ajudavam a dar maior visibilidade à página, acrescentei meu nome ao cabeçalho. De certa forma, isso me fez assumir maior responsabilidade pelo que compartilho; afinal, meu nome estava bem grande, lá no topo.

É natural que quase todo mundo inicie blogs para falar de um assunto específico: livros, cinema, jardinagem, colecionismo etc. Mas, com o tempo, começam a utilizar o espaço para se aventurar em outros temas e dar pitaco sobre quase tudo. Daí, o que é um bom espaço se torna patuscada. Quando isso começa a ocorrer, o negócio é repensar novo formato para o site e a maneira de mantê-lo nos trilhos. Assim, como o volume de postagens sobre os principais trabalho de Alan Moore era substancial, mantinha uma seção apenas para o barbudão, da forma mais organizada possível e com recapitulações e sub-índices no interior de algumas postagens. Depois de uns anos, optei por excluir este marcador do site. Com o número de postagens crescendo, tornou-se necessário detalhar melhor a guia Artigos e Resenhas; daí, deixei de utilizar esta e passei a marcar as postagens como LivrosQuadrinhosFilmes e Séries de TVComo decidi compartilhar alguns bonecos de minha coleção (não consigo chamá-los de action figures ou figurines), criei novo marcador Brinquedos etc..


Acreditando na força de algumas passagens literárias, cinematográficas, versos de canções e demais formas de expressão de arte, destaquei o espaço Grandes Momentos. Era algo diverso das “sincronicidades”, pois não concatenava mídias e conhecimento. Apenas destacava pontos relevantes de uma dada obra.


Com o tempo, achei interessante disponibilizar alguns trabalhos jurídicos, da época em que a vida acadêmica me atraia, bem como notícias relevantes sobre essa vasto mundo do Direito. A saída foi abrir a seção (marcador) Iuris et de iure (no melhor latinório de porta de fórum). Com o tempo, notei que o acesso a esse marcador foi diminuindo. É que o Direito é estéril e - afora seus temas mais gerais, abrangentes e principiológicos - é alterado constantemente ao capricho do legislador (Constituição e leis modificadas de acordo com o poder do lobista) e dos Tribunais oligofrênicos (interpretações ao sabor do momento). Meus apontamentos logo tornaram-se desatualizados; ergo, inúteis. Resolvi, assim, excluir a sessão. Então, adeus ao Iuris et de iure.


Todo o refugo (bobagens diversas, como notícias irrelevantes, imagens e vídeos desnecessários, citações bobas etc.) necessitava de repositório, para manter a organização. Daí, o nicho “Tranqueiras e afins” foi criado. No entanto, aos poucos, fui depositando fotografias com este marcador. O volume ficou até expressivo. Depois, para voltar e remarcar tudo com a tag "Fotografias" seria bastante trabalhoso, de maneira que, entre as "tranqueiras", havia considerável material fotográfico de boa qualidade. Falando em fotografias, além das postagens reunindo trabalhos de um mesmo artista ou modelo, também reuni, em várias outras, diversas imagens de aspecto erótico com modelos femininas. Não creio que isso conferiria viés pornográfico ao blog, pois acredito na distinção "erotismo x pornografia". De qualquer maneira, no dia 03 de maio de 2013, criei página destinada a adultos. Assim, acredito que obtive melhor organização de meu espaçoPara quem tinha sangue nas veias, recomendava o site resultado dessa mudança: Blog da Maçã (desativado há anos).


Como acabava fazendo propaganda gratuita de tudo o que gosto, em especial livros e quadrinhos, nada mais básico que também divulgar meu "mini livro eletrônico", escrito em quinze anos. Sim, quinze anos de minha vida para escreve algo em torno de oitenta páginas. Escrevo devagar e medito sobre o que vale a pena deixar à mostra. Já temos muito lixo jogado na grande rede e nas prateleiras das livraria para contribuir com essa poluição estética e intelectual. Vez ou outra, escrevo algo novo e não o incluo no e-book, postando somente no blog. Talvez um dia atualize o livro com algo que achei muito bom. Enfim, para divulgar esse trabalho, abri a página “Invenção Noturna”. No dia 05 de julho de 2013, abri nova página para disponibilizar dois trabalhos voltados ao público infantil. O complemento a essa divulgação veio com a criação do terceiro blogPoesia Ilustrada (atualmente desativado), onde publicava apenas material integralmente autoral, dentre textos, desenhos e fotografias.


Durante algum tempo, minhas grandes realizações literárias (!?) ficaram no Scribd, sendo elas Invenção Noturna (poética) e Bloom Mais Feliz (prosa infantil). Hoje, tudo encontra-se disponível na Amazon, onde regularmente ingressam em promoções para aquisição gratuita, juntamente com alguns outros títulos que escrevi.

A partir do dia 19 de julho de 2012 (voltemos no tempo...), passei a colaborar, como coautor, do blog Comunidade Resenhas Literárias, com reprodução, ali, de postagens minhas sobre livros em geral. Tal espaço ligava-se à comunidade, no finado Orkut, de mesmo nome. Em agosto de 2013, por falta de tempo em contribuir, acabei saindo do site. Ainda sobre contribuição, no primeiro ano de existência do antigo site, me tornei colaborador de uma ainda pouco conhecida página chamada Pipoca & Nanquim. Hoje, como sabemos, uma editora caprichosa e canal bastante conhecido no Youtube.


Quem ingressava na Ordem, era em regra bem vindo. Sempre mantive espaço livre para comentário, inclusive anônimo. Após um ano e meio de existência do espaço, adicionei o gadget seguidores. Neste blogue atual, como podem ver, não o utilizo mais. Na mesma época, disponibilizei a estatística do blog, com número de acessos, pois achava que tais informações poderiam interessar a alguns parceiros (talvez). E os número eram bons: chegamos a ter em torno de dois mil acessos por dia. Era a época de ouro da blogosfera... Hoje, tudo isso anda meio moribundo e, creio, o Google pode extinguir a plataforma a qualquer momento.


Quem por aqui navegar, topará com diversas postagens relacionadas a Umberco Eco e sua obra. É deste grande romancista e semiólogo a célebre citação "Redes sociais deram voz a legião de imbecis". E ele tem razão. Antes da internet, apenas os imbecis executivos de mídias (TV, cinema, rádio, livros e revistas, indústria fonográfica etc.), editores idiotas e políticos corruptos tinham voz. Apenas âncoras de jornalecos endinheirados eram ouvidos pela telinha. Hoje, ao menos, qualquer outro imbecil tem seu canal para se expressar. E, se isso não for positivo, não sei mais o que poderia sê-lo. Retorno às cavernas? Pode ser... O importante, creio, é saber: somos eternos neófitos, nada mais.

Enfim, é isso. Um dia, sem prévio aviso, o Blogger achou por bem remover minha conta por descumprimento de regras mesmo sem apontar quais regras seriam estas. Por um tempo, pensei em não voltar a postar mais nada. Contudo, manter um site sempre me ajudou a organizar as ideias. É uma ótima terapia. Então, aqui me tens de regresso, vida blogueira. Entretanto, acaso este site caia novamente, não farei outro. Apenas deixarei para lá. Interpretarei como um sinal do Cosmo para deixar de escrever amenidades na internet.


É isso. Fico por aqui.

Abraços neófitos e até a próxima.