domingo, 15 de setembro de 2019

Pensando em Deus

Foto de Alem Sánchez no Pexels

Prefiro o paraíso pelo clima; o inferno, pela companhia.
Mark Twain

Em verdade te digo que ainda hoje estarás comigo no Paraíso.
Lucas, 23:43

O quanto perco em luz conquisto em sombra.
Carlos Pena Filho

Sua falta de fé é perturbadora.
Darth Vader

Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.
Fernando Pessoa

Não sigo nenhum sistema religioso, embora simpatize com algumas ideias até mesmo oriundas das religiões mais dogmáticas. Reconheço, contudo, que acho interessante algumas premissas do Gnosticismo mesmo antes de saber o que seria isto e conhecer um pouco de suas vertentes. Sinto, há bastante tempo, que a existência humana é antinatural, especialmente por ser baseada em temor e sofrimento ou alegria em torno de um ser sobrenatural. Quem criou esta cápsula de vida baseou-se em ilusão e nos deixou ao léu, aptos somente a agradecê-lo pelo que é bom e lhe pedir socorro ou perdão por tudo de mal que nos cerca. Sempre me pareceu que a existência material faz parte de um viés de puro egocentrismo, de puro egoísmo. Só que também sinto ser possível a libertação desse estado prisional por meio de uma ascensão espiritual. Como? Ainda não sei. Provavelmente, passa pela meditação profunda.

Mesmo com dito acima, às vezes me vejo pensando em Deus de outras maneiras.

Penso no sobrenatural. Não tenho religião e acredito que jamais terei. Simpatizo, também, com alguns preceitos do Budismo; entretanto, para mim, sua doutrina é mais filosofia de vida que religião. Mesmo divagando sobre esse tema, evito ingressar em debates. Parece perda de tempo. Cada pessoa é guiada por sua crença. E fé não se discute; expõe-se. E até a mera exposição de uma inclinação religiosa pode terminar em discussão ferrenha; ou agressão física. Nunca vi debate racional em torno de crenças espirituais. Vemos cristão dirigir-se a ateu: “Como você pode não crer em Deus? É óbvio que Ele existe”. E o ateu revidar da mesma forma, apenas invertendo a colocação. Com olhos adolescentes, tento compreender o ateu, neste ponto, já que o ceticismo possui um aspecto pragmático: cremos no que vemos, no que ouvimos, no que se apresenta aos nossos sentidos. Mas, homem maduro que sou, sei que a existência – ou a não-existência – é mais complexa do que como o mundo físico se nos mostra. Há magia em tudo. Os arroubos dos ateus de boutique são apenas isso: arroubos imaturos.

Às vezes, imagino o mundo sem religião do cínico bon vivant Lennon. E não gosto da imagem que se forma em minha cabeça. Talvez necessitemos de religião. Precisamos crer em algo que nos garanta a vida eterna num Paraíso coberto de gramado sempre verde, frutas à vontade e fonte de água pura; ou num Paraíso imaterial. Nada conforta mais que a crença num Deus preocupado conosco. Se você é cria de uma entidade poderosa, responsável por edificar todo o Universo destinado à sua existência, à sua alegria, você é ou pode ser feliz. É mais fácil suportar a vida de dor, doenças e injustiças se o Reino do Senhor lhe tem lugarzinho reservado. Compreendo perfeitamente quem precisa se achar amado por Deus, quem tem fé – quem crer por crer; e ainda acredita que sua fé é mais verdadeira do que a dos demais. Afinal, são tantas as religiões e os deuses que as guiam. Mas, se você não crê em nenhum Deus institucionalizado, um católico pode se admirar por você não crer na verdade materializada na figura de Jesus Cristo. E o muçulmano o condenará por dar as costas aos preceitos de Maomé. Todo mundo crê em “sua verdade”, na verdade que melhor atende aos seus anseios, às suas circunstâncias, pois não é fácil aceitar que a vida acabará definitivamente. Ou melhor: a vida pode até acabar; mas o espírito – eterno - terá um lugar guardado pertinho de Quem tudo criou.

Por vezes, divago em relação ao Espírito. Nossa alma possui forma, uma projeção similar ao nosso corpo? Uma autoprojeção? Parece Matrix! Fomos criados à imagem e à semelhança de Deus, então nosso espírito também seguirá essa forma divina? Sempre gostei da ideia de perpetuação de nossa consciência; que, após a morte, nossa memória não se destruísse, vez que tudo encontraria um lugar na natureza, assim como a fria carne machadiana devorada por vermes. Seria interessante uma união cósmica de consciências, e ainda mais se provida de alguma finalidade. Para alguns, nossos espíritos têm forma - e destino: o céu ou o inferno. No Inferno, sua alma queimará; no Éden, o homem descarnado caminhará entre os seus: os bons, os melhores, os escolhidos para a eternidade ao lado do Senhor, com direito a levar o cargo que ocupa, o carro de luxo quitado e o gordo saldo bancário.

Algumas almas mais inquietas vagariam pela Terra, perturbando os vivos, fazendo barulho pelos corredores e abrindo torneiras no meio da madrugada. Incrível essa ideia! O sujeito poderia vagar pelo Cosmo, admirando toda a sua beleza. Mas, não: prefere passear em terreiros de candomblé e dar nós em cabelos de criança malvada e crina de cavalo. O que manteria uma consciência viva sobre a Terra? Talvez a gravidade, somente; assim como apreende até mesmo o oxigênio que nos mantém vivos. Complicado, hein? Por isso, é melhor não pensar muito acerca do assunto. E que a Força esteja conosco!

A existência é tão absurda e improvável quanto seu inverso. Podemos evitar pensar muito a fundo sobre o assunto, certos de que não chegaremos à conclusão alguma. Immanuel Kant destacou, em seu conjunto de obras, que há limite para nosso conhecimento empírico. Logo, não adiantaria esquentar os miolos, pois jamais chegaríamos, racionalmente, a nenhuma conclusão sobre o que foge ao mundo físico. Restaria, então, apenas a fé para preencher esse vácuo. Você pode viver com o que tem em mãos: um mundo até agradável, celeiro de coisas ruins, mas também fonte de prazeres para todos os sentidos e cheio de beleza, muita beleza. E isso basta (ao menos, para mim está dando certo seguir este caminho de contemplação e de viver um dia de cada vez, aproveitando-o sem aguardar os aparentes benefícios da imortalidade). Carente de algo mais, continue optando pela fé no porvir, no pós-morte. Isso, provavelmente, oferecerá mais conforto às noites insones.

Em diversos momentos, penso que a coisa complica mais ainda quando divagamos acerca da natureza de Deus. Ou dos deuses (sempre me interessaram as culturas politeístas). O que impulsionaria algo tão poderoso a criar tudo, a edificar um universo conduzido por leis aparentemente tão rígidas, a criar vidas incomunicáveis em pequenos planetas tão distantes entre si? Talvez Ele tenha cansado de sua existência inexplicável e, farto de tanta perplexidade diante da ausência de respostas, deixara de existir pela simples vontade, e sua energia fora distribuída no que hoje chamamos de Cosmos. É que Deus poderia cansar. Um dia, Ele despertou: estava consciente, mas sem entender como existia. De onde Ele veio, Ele mesmo jamais saberia. Angustiado, espalhou-se pelo espaço existente à sua volta, como uma centelha que precede o fogaréu. Não é muito improvável que Ele tenha sido tudo o que precedeu ao chamado Big Bang. Ainda não sei como não surgiu uma religião adoradora da Grande Explosão que a tudo deu origem, ou louvando Aquele que retirou a própria vida e, assim, a tudo que conhecemos deu vida. É que, diante de tantas seitas esquisitas, só falta algo assim (se é que já não existe, vai saber!). Se bem que, de certa forma, o Deus encarnado morreu por nós em diversos sistemas religiosos.

E, na conclusão deste pensamento confuso, ratifico minhas quase convicções gnósticas, diante de minha falta de força de vontade em tentar mudar dentro de mim mesmo e, assim, abraçar o cristianismo ortodoxo como forma de fazer minha parte por uma existência melhor; sendo mais fácil, como sempre, apenas culpar o mundo em si por todas suas mazelas.

Enfim. Faber est suae quisque fortunae. Ad astra et ultra. Deo vindice.

5 comentários:

  1. "religião adoradora da Grande Explosão" - deve ter em algum lugar, existe até uma religião Jedi

    tenho fé em Deus,mas admito que tudo poderia ser um delírio. do ponto de vista prático, passado resolvi tratar a religião como um "software mental" e o que melhor foi compatível com meu "hardware mental" foi o cristianismo, ainda que a religião verdadeira seja a dos pigmeus africanos.

    nunca conseguirei determinar a verdadeira religião então escolhi a que melhor se equilibra comigo.

    teria me cansado da teologia há muito tempo se não fosse o pastor caio fábio, que traz novas luzes a temas obscuros
    https://www.youtube.com/watch?v=Ky5wZpwE308

    enfim, sem fé em uma força superior a vida perde significado


    abs!

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    Respostas
    1. "ainda que a religião verdadeira seja a dos pigmeus africanos"

      Acredito que tudo nos leva ao xamanismo. Até mesmo o cristianismo...

      Tb gosto de Caio Fábio. Deveria acompanhar mais seus vídeos.

      Abraços!

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  2. Fabiano, ótimos comentários.

    Sua forma de como Deus coloca-se em sua vida foi bem exposta. Ou melhor: como a divindade está em sua vida.

    Sobre "sigilos", conheço um pouco da prática. Sempre fui um curioso a cerca de magia e não havia como o trabalho de Austin Osman Spare, dos caoístas e dos Iluminados de Thanateros ficarem de fora de minhas breves pesquisas.

    Acredito muito em fé. Logo, creio em Magia. Magia existe. Quem explicá-la ganha o Nobel de Alguma Coisa. Contudo, não pratico magia em forma de rituais e tenho bastante receio, inclusive, da prática de sigilos.

    Te confesso que sou cristão.

    Abraços!

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  3. "O único perigo é ele não funcionar."

    Discordo de vc nesse ponto. Imagine vc querer fortuna e está vir devido à morte de alguém próximo ou querido, por exemplo?

    Acho possível...

    MAS... espero estar errado. De qualquer forma, o tema e complexo e não há consenso nem entre grandes magistas.

    Abraços!

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  4. Tb conheço servidores.
    Acho-os parecidos com várias entidades da cabala dos hebreus e de alguns místicos islâmicos.
    Fico feliz que vc tenha se encontrado em algo assim que te dá prazer.
    Te recomendo alguns livros da Penumbra, acaso ainda não os conheço.
    Abraços e obrigado pelo ótimo comentário aqui, complementando a postagem.

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