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terça-feira, 8 de outubro de 2019

Réquiem para um sonho (Requiem for a Dream, 2000)


Apenas recentemente, após dezesseis anos, assisti a Réquiem para um sonho (Requiem for a Dream, 2000). Estava interessado em vê-lo há uns dois anos, mais em razão de Jared Leto, que me chamou atenção desde Capítulo 27, onde deu corpo (obeso) ao debiloide Mark David Chapman, e, claro, por sua excelente atuação em Clube de Compras Dallas. Mas, enfim, confesso que foi perda de tempo. O único mérito da produção é assistir à peladona (e peludona) Jennifer Connelly em cenas relativamente provocantes. Mais nada.

É interessante notar que o filme parece inútil, sem objetivo. A princípio, estamos assistindo apenas a uns drogados mimados se picando, cheirando e trepando. Mas há uma intenção por trás de tudo. Confesso que Hollywood não deixa de me assustar. Durante a trama, a mãe do protagonista vive melancólica em seu apartamento velho, viciada em programas televisivos de auditório. Ela é pré escolhida para ir à TV, participar de um show. Para caber novamente em seu querido vestido vermelho, ingressa numa dieta à base de anfetaminas pela manhã e sedativos à noite. Logo, está viciada; em pouco tempo, louca. Com isso, os iluminados roteiristas afirma: a sociedade americana está corrompida pelas drogas; estas, vão desde heroína até produtos dietéticos, TV (hoje, seria internet, acho) e comidas gordurosas e viciantes. E tudo seria a mesma coisa. Esqueceram apenas uma brecha: a pobre mamãe ficou debilitada a tal ponto após anos de sofrimento nas mãos de seu filho mimado, que não pode ser educado de maneira mais incisiva (pois o Estado proíbe), acuando-a várias vezes em busca de grana para se picar. Não adianta associar. Esse discurso não cola. Ninguém comete latrocínio nem se prostitui para abastecer o vício em McLanche Feliz. E as anfetaminas para controle de apetite foi um lance infeliz da medicina, apenas.

Alguns cinéfilos tentam encontrar na película um grande feito, com significados e significantes profundos. Um filme gnóstico? Uma denúncia de um tempo cruel e viciante, onde programas familiares de televisão equivalem a pico na veia? Podem força a barra. Mas não é nada disso. Trata-se apenas de um filme "marromenos" (com cenas pesadas) para entreter.

Este, claro, é apenas meu humilde ponto de vista.

Republicação de postagem de 05 de abril de 2016

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Forrest Gump de Winston Groom



"Preciso fazer xixi."
Gump, Forrest

Eric Roth levou para casa o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por Forrest Gump, desbancando Frank Darabont pelo trabalho em Um Sonho de Liberdade. Acho esquisito isso, pois penso que deveria ser Melhor Roteiro Original, considerando sobretudo que seu trabalho magistral não tem quase relação alguma com o livro mediano de Winston Groom. Este, certamente teria caído em total esquecimento se não fosse pelo filme. São raros casos assim, mas existem. Às vezes, a adaptação para o cinema fica melhor que a obra primeva. Podem me criticar e achar o contrário, só creio, por exemplo, que livros como Clube da Luta, A História Sem Fim e Entrevista com O Vampiro (dentre outros) só vendem bem porque tiveram roteiro adaptado superior ao original.

Não falarei tanto sobre o brilhante filme de Robert Zemeckis porque, se você nunca o viu, falta algo em sua vida. Corra atrás urgente! Acerca do livro, destaco de plano ser escrito tentando emular a linguagem coloquial, com supressões inclusive de letras. Nada de novo sob o sol, vez que, aqui mesmo no Brasil, autores modernos tentavam artifício similar há décadas. A trama é narrada em primeira pessoa e não tem nada a ver com o cara num banquinho de praça contando sua vida extraordinária. São memórias de uma vida de alguém classificado como idiota savant. Basicamente, um burro prodígio. E assim é Forrest, incapaz de se sair bem numa prova escrita de Educação Física porém brilhante em cálculo avançado. Aliás, esse seu dom para matemática foi posto de lado no filme. No livro, bom número de páginas é dedicado à sua fase estudantil, onde praticamente vivia isolado e sem amigos. Até mesmo Jenny Curran não foi grande presença em sua infância. Sequer sua mãe o foi em sua vida, sempre se dirigindo a ele qual um reles idiota. E tampouco Gump foi um filho tão bom como o construído no cinema.

Deveras, o Gump de Winston Groom se envolveu em feitos extraordinários: a) jogou bem futebol americano e, aliás, é dotado de grande porte físico; b) teve papel importante na abertura comercial chinesa jogando pigue-pongue; c) foi ao Vietnã e retornou com honras; d) viajou pelo espaço acompanhado de uma cientista e um orangotango que o acompanharia pelo resto de sua vida; e) perdeu-se na África por anos, quando sua espaçonave caiu, convivendo com canibais; f) ganhou muito dinheiro com camarão; g) se mostrou grande músico, integrando até mesmo uma banda; h) foi exímio enxadrista; i) abandonou tudo para acabar sua vida tocando em ruas, a troco de... trocados, sendo sempre acompanhado pelo Tenente Dan e o gigantesco símio.

Forrest Gump é um livro para mero entretenimento, cheio de trechos que não convencem, às vezes mal construído e com único propósito de tentar ser cômico. Não espere sequer uma página dramática. Até mesmo seu reencontro com Jenny e seu filho, ao final, é rápido e por mero acaso, vez que ela está bem casada e o marido mostrou-se bom padrasto para o garoto. Não há muita relação com o Gump de Roth/Zemeckis, a não ser poucos aspectos. Não compreendo sequer por que a capa do livro traz o icônico banco de praça do cinema, já que a narração se dá à toa, a esmo, sobre toda uma vida. O próprio narrador-protagonista nos diz, ao final, que de repente envelheceu, chegando aos 60 anos de idade. E é só. Ele não narra sua vida a ninguém, mas a si mesmo.

O filme de 1994 ficará para sempre na História. Às vezes eu preferiria nem ter lido o romance, pois parece sujar as vivas imagens que possuo da trama desde que, adolescente, loquei o VHS assim que lançado e, anos à frente, o gravei quando exibido pela primeira vez na Tela-Quente da Globo. Mas foi uma leitura rápida e não tomou bastante tempo. E serviu para reforçar minha visão sobre o Cinema enquanto nobre forma de arte, jamais abaixo da Literatura, como teimam alguns.

A edição comemorativa de 30 anos de Aleph, por sua vez, é linda. São 392 páginas de papel pólen bold 90 g/m² em capa dura com relevo e sobrecapa dupla face, com generosas fontes coloridas que respeitam nossa visão cansada. O projeto gráfico é impecável e tenta nos remeter à alma americana, com suas cores, listras, estrelas e um trabalho tipográfico entre capítulos similar às chamadas de época (parabéns ao Pedro Henrique Barradas). As ilustrações de Rafael Coutinho são razoáveis vez que o próprio artista é apenas razoável. A tradutora Aline Storto Pereira deve ter suado bastante para encontrar, em nosso idioma, o tom coloquial e simplório buscado pelo autor.

Em resumo: se algum dia estiver com bastante tempo livre e certa curiosidade, leia este romance. O filme, veja e reveja até as imagens colarem em seus miolos. Ah, e a caixa de bombons também está lá, no primeiro parágrafo, apenas para situar o narrador como alguém de ideias desconexas: "Deixa eu te dizer uma coisa: ser idiota não é nenhuma caixa de chocolate.".

Abraços achocolatados e até a próxima.







sábado, 28 de setembro de 2019

O Homem que Caiu na Terra, por Walter Tevis e Nicolas Roeg


Bebeu água? Não! 
Tá com sede? Tô! 
Olha, olha, olha, olha a água mineral

Walter Tevis publicou seis romances e, destes, três foram adaptados com sucesso para o cinema. A Cor do Dinheiro (1986), aliás, deu ao grande Paul Newman o Oscar de Melhor Ator e ajudou Tom Cruise a impulsionar sua carreira. Mas penso que seu trabalho mais cultuado, tanto na literatura quanto na ida à telona, é mesmo O Homem que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth). O filme (1976) tornou-se cultuado como um dos essenciais à ficção científica e por ser o trabalho de estréia de David Bowie num grande papel. E penso serem justos todos os elogios à produção, pois não deixa a desejar em momento algum, nem mesmo nas lacunas propositadamente deixadas pelo diretor Nicolas Roeg, em relação ao romance escrito.

O filme foi o mais fiel possível à obra escrita. O mote é simples e, hoje, pareceria batido. Um alienígena humanoide chega à terra e se torna multimilionário arrendando patentes de alta tecnologia. Seu objetivo é dispor de muito dinheiro para, em até cinco anos, estar com uma espaçonave construída e assim, retornar ao seu planeta. Logo, sua natureza alienígena, mesmo a contragosto, vai-se perdendo e ele sente que está se humanizando. Para piorar, torna-se alcoólatra e sente que está desenvolvendo problemas emocionais similares aos humanos, como paranoia e depressão. Para piorar, é descoberto pelo Governo americano e posto sob vigilância constante, sendo condenado a viver na Terra até o final de seus dias enquanto conta, igualmente, os últimos dias de seus conterrâneos, amigos e familiares que permaneceram no planeta primevo.

A escolha de Bowie para dar vida ao humanoide Thomas Jerome Newton não poderia ser melhor. Quando lemos o romance de Tevis (1963) o cantor se encaixa perfeitamente no que poderia vir à nossa mente. E essa relação de David Bowie com o ET possui prévia e pós com o filme. The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972, ou seja, de quatro anos antes do filme) - um dos melhores disco que conheço, ao lado de Pink Floyd's The Wall -, por exemplo, conta a história do alien que, na Terra, torna-se astro do rock, multimilionário, e, depois, conhece a bancarrota espiritual. Depois do filme, Bowie deu continuidade ao personagem de Thomas Newton em dois álbuns, inclusive utilizando imagens do cinema nas capas. Não seriam bem o Thomas de Tevis/Roeg, mas extensões dele. 

No início da trama, vemos Tommy (como sua "amiga" Betty Jo o chama) vendendo anéis de ouro em pequenos comércios para conseguir dinheiro. Após um tempo, procura o advogado Oliver Farnsworth com uma pasta cheia de grandes projetos óticos, químicos e eletrônicos para que lhe dê suporte jurídico. Em pouco tempo, seu nome torna-se conhecido mundialmente e ele passa a contar com a amizade de dois empregados: a governanta Jenny e o Engenheiro Nathan Bryce. Este sempre desconfiara da natureza alienígena do patrão e, no romance, acaba obtendo a prova definitiva devido a um raio X obtido clandestinamente. Algo que chama atenção no filme é como o alien gosta de água. Por viver numa terra seca, próxima do colapso, ele bebe água como um rito cerimonial. Ninguém ama água como aquele cara. Creio que ele tomaria até água da privada só para não vê-la descer para o esgoto.

No filme não temos muitas informações de seu planeta natal. Apenas vemos, às vezes, cenas rápidas do que seria sua família, esposa e filhos, minguando em terras devastadas pela seca, onde necessitariam de roupas especiais para reaproveitar fluidos corporais. No romance, Tommy nos fala a respeito deste planeta frio. Em eras atrás, costumavam explorar outros lugares. Num dado momento, chega a pensar que nossa crença em deuses celestes se deve, lá nos primórdios, a alguns antheanos quando estiveram por aqui em contato com nossos antepassados primitivos. Tais viagens se tornaram raras com o tempo diante da escassez de combustíveis. Seu planeta está moribundo, destituído de recursos naturais. Chega a nos dizer que passaram por várias guerras para que chegassem a isso. Antes, três espécies distintas que habitavam Anthea conviviam até em certa harmonia. Com o tempo, restara apenas uma delas e com menos de trezentos exemplares. E, aí, nos dá outra revelação ausente no filme: a espaçonave - ou balsa - construída por ele tem o intuito de levar combustível aos seus companheiros para que, na Terra, espalhem-se, ocupem postos de destaque na política, negócios e ciências e, assim, de forma discreta, orientem o mundo no caminho que eles acham melhor.

Também é interessante destacar que, no romance, o mundo encontra-se à beira de uma nova Grande Guerra. O próprio Thomas a estima em algo entre dez ou trinta anos, com grandes chances de devastação total. Crê ele que, junto com o remanescente antheano, poderia impedir isso. Até mesmo nosso país é citado neste imbróglio internacional: "Foi até à cozinha e preparou duas xícaras, usando as pílulas de café que era praticamente o máximo que você conseguia comprar naqueles tempos, já que o país tinha cortado relações com o Brasil.". Seria, enfim, uma década de '80 distópica, numa Guerra Fria mais morna do que realmente o foi.

Também se destacam as referências à literatura erudita, as quais, creio, se devem à formação de Walter Tevis e seu posto de professor de literatura na Universidade de Ohio durante mais de década. O trecho abaixo é interessante de se destacar para exemplificar como Thomas recorre à nossa cultura para expressar seus sentimentos, vez que fora treinado por vinte anos para poder vir à Terra e assimilou de tudo, desde programas banais domingueiros até alta cultura.
O carro os esperava com um chofer uniformizado. Quando estavam confortáveis dentro dele, Bryce perguntou: "Está gostando de Chicago?". Newton olhou para ele por um momento e respondeu: "Tinha me esquecido de toda essa gente". Com um sorriso fino, recitou Dante: "Não sabia que a morte tinha desistido de tantos". Bryce pensou: Se você é Dante, entre os condenados - e provavelmente o é -, então sou Virgílio.
Em resumo: o filme de Nicolas Roeg é tão bom quanto o livro de Walter Tevis, e tenta segui-lo à risca, dentro do possível. Recomendo tempo investido nessas obras. Além disso, a edição brasileira da Darkside é caprichada: tradução de Taissa Reis, capa dura, corte laranja, papel amarelado similar ao pólen, com letras generosas, bom espaçamento e margens não econômicas. O livro fora lançado por aqui, antes, em 1988, pela Editorial Caminho. Lembro que, antes da edição da Darkside, esta brochura era vendida a preços elevados em sebos. Hoje, percebo que alguns não conseguiram vendê-la e, agora, estão com encalhe. Depois as pessoas se perguntam porque sebos estão morrendo.

Enfim, é isso. Poderia escrever mais sobre este pequeno livro (224 páginas) e o excelente filme. Mas ficaria cansativo. Fico por aqui logo após recomendar a leitura da postagem Terror Elegante: Fome De Viver e Coração Satânico, onde também cito dois ótimos romances adaptados para igualmente ótimos filmes; e um deles com David Bowie. E, mais abaixo, aproveito para postar imagens de meu exemplar e também do David Bowie Está Aqui da finada Cosac & Naify. Embora se destine mais ao público fashionista (não é o meu caso), tenho mais por amor ao artista e pelo belo trabalho da editora.

Abraços extraterrenos e até a próxima.








domingo, 22 de setembro de 2019

O Aprendiz, Conta Comigo e Um Sonho de Liberdade [ do livro às telas ]

Capa da edição nacional pela Suma de Letras. Li a versão eletrônica.

Há muito tempo, meu irmão comentou, ao ver anúncio de filme na TV: "Esse Stephen King só escreve bobagem de monstros etc.". Foi mais ou menos isso que ele disse. Como ele nunca leu nada de King, não poderia fazer essa avaliação por meras adaptações cinematográficas. À época, eu também não lia nada dele, mas sabia que não há como julgar um escritor por adaptações roliudianas. Por exemplo: It e Sob a redoma são romances estupendos; entretanto, suas adaptações para cinema e televisão, respectivamente, são realizações dispensáveis - no mínimo. Na hora, ainda o lembrei da existência de filmes que o agradaram baseados em livros de Steve: Um Sonho de Liberdade (1994) e Conta Comigo (1986) - os dois que vieram rapidamente à mente). No momento me fugiu outro filme que gosto bastante e sem nenhum toque de sobrenatural: O Aprendiz (1998).

As três produções acima mencionadas surgiram da adaptação de contos da antologia Quatro Estações: Primavera Eterna - Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank, Outono da Inocência – O Corpo e Verão da Corrupção - O Aluno Inteligente. Já Inverno no Clube – O Método Respiratório é um conto que comentarei noutra postagem. Aqui, pretendi apenas abordar narrativas adaptadas ao cinema. Farei apenas breves apontamentos, destacando pontos que me chamaram a atenção. Não há como traçar paralelos entre obras escrita e cinematográfica sem soltar revelações do enredo. Assim, se você sequer assistiu aos filmes e tem spoilerfobia, não prossiga nesta leitura. Vamos lá?



Primavera Eterna - Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank. O banqueiro Andy Dufresne é condenado à prisão perpétua pelo assassinato de sua esposa e de seu amante, famoso jogador de tênis. Na temida prisão de Shawshank, no Maine, ele torna-se amigo de "Red", homicida irlandês conhecido por facilitar o acesso a bens de consumo de fora do xilindró. É o cara do mercado negro. Aos poucos, Dufresne vira peça importante junto ao último Diretor que comandou o presídio durante sua estada: Samuel Norton, ao auxiliá-lo no sistema de lavagem de dinheiro obtido por meio de propinas em obras e serviços prestados à população por Shawshank. A fuga espetacular é apenas um detalhe dentro da narrativa agradável de King.

Na mitologia do Oscar, afirmam que Um Sonho de Liberdade foi a produção mais injustiçada da história, pois mereceria boa parte dos prêmios das sete indicações a que concorreu. Entretanto, notem bem: também era o ano de Forrest Gump, Quatro Casamentos e Um Funeral e Pulp Fiction. Páreo duríssimo! No IMDb, o filme de Frank Darabont, regularmente e há anos a fio, está na posição de melhor obra de todos os tempos, ao lado de O Poderoso Chefão.

Penso que Redenção em Shawshank é um manual de como tentar ser feliz. Veja bem: você tem a liberdade de ir e vir ou de não ir a lugar algum se assim quiser. Você tem a opção de vadiar ou produzir. Nunca foi trancafiado por duas décadas numa prisão imunda com trabalhos forçados mesmo sendo inocente - e isso após todo mundo saber que você era corno. Além disso, não tem que ficar se preocupando todos os dias com quem vai enrabá-lo à força. E ainda reclama da vida? Andy Dufresne suportou tudo isso por anos e mesmo assim manteve a cabeça erguida: "Lembre-se de que a esperança é uma coisa boa, Red, talvez a melhor coisa, e as coisas boas nunca morrem.", escreve ao amigo.

Diferentemente do cinema, no romance, Red é irlandês; daí, sua alcunha. Além disso, a penitenciária passa pelas mãos de vários diretores. O hipócrita Norton é apenas um. No conto, o protagonista não foge com a grana dos investimentos escusos de Norton. Durante anos, ele teve ajuda de um amigo fora das grades que cuidou de seus próprios investimentos e fez a grana de Andy render. O Diretor, aliás, tem até um final bonzinho, apenas sendo afastado da gestão após uns quatro meses da fuga. Não conseguimos sentir muita simpatia por Red quando descobrimos que ele matou a esposa por grana do seguro, causando também a morte de uma vizinha e de seu bebê no acidente planejado de carro. E, por fim, não sabemos se Red encontrará seu amigo. A história conclui com ele furando a condicional para ir ao México, com este belíssimo derradeiro parágrafo: "Espero que o Pacífico seja tão azul quanto em meus sonhos".


Verão da Corrupção - O Aluno Inteligente não se passa no Maine, mas no sul do Estado da Califórnia, na fictícia Santo Donato. Também é fictício o campo de concentração nazista de Patin. O mote é simples: estudante americano exemplar, de classe média alta, descobre que morador da região é criminoso de guerra foragido, sob nome falso. Sádico, passa a chantagear o velho nazista, prometendo não lhe revelar a identidade em troca de histórias acerca do Holocausto. Para amarrar a trama, o ex oficial nazista Kurt Dussander diz que sua renda atual vem de dividendos de ações compradas pela consultoria de Andy Dufresne. O fato deste ter assassinado a esposa também é mencionado. Durante a narrativa deste conto, Dufresne ainda está encarcerado na "Primavera Eterna".

Como é natural, pegaram leve na adaptação. Geralmente, os estúdios optam por isso para atrair mais público, em razão da ausência de restrição por faixa etária, ou de sua redução. Hoje, com filmes baixados sem controle pela internet, é uma tremenda babaquice fazer isso. Mesmo assim, em alguns casos, insistem neste vício comercial onde o tiro sai pela culatra.

Acho que todos os eventos narrados por Dussander acerca do holocausto são dignos de atenção, prendendo o leitor. Os momentos que mais me despertaram interesse foram quanto à burocracia do genocídio. Essencialmente, todo oficial do Reich era um burocrata. Assim, Dussander se orgulha de sua economia com uniformes de prisioneiros, feitos em papel. Em sua gestão, cada vestimenta foi reaproveitada por até quarenta confinados. Já as mortes precisavam ser rápidas e a baixo custo. À época, o Führer considerou cartucho recurso nacional essencialíssimo. Isso é natural em nações à beira de conflitos ou em guerra declarada. Às vezes, por exemplo, o gás Zyklon-B era substituído por outro experimental. O resultado, várias vezes, pedia a intervenção armada, com desperdício de munição.
Meus homens chamavam o Pégaso de gás de falsete. Finalmente caíam e ficavam lá no chão, deitados na própria imundície, ficavam lá, sim, deitados no concreto, gritando em falsete com narizes sangrando. (…) Finalmente, mandava cinco homens com rifles porem fim à agonia.
Os métodos utilizados por judeus endinheirados para guardar bens e bobagens como tabaco (algo raro à época onde só se cultivava mais o básico à sobrevivência) também são interessantes: "Uma mulher (…) tinha um diamante (…). Engoliu-o antes de entrar em Patin. Quando saía nas fezes ela o engolia de novo. Continuou fazendo isso até que o diamante começou a cortá-la e ela começou a ter hemorragias.".

A natureza desumana (ou excessivamente humana?) de Todd começa a despontar quando seus primeiros sonhos eróticos envolvem estupros e experimentos sexuais diversos em campos de concentração, assim como no seu primeiro namoro com uma garota judia de uma família amiga; para Todd, uma vadia que merece nada mais do que a degradação em quaisquer formas possíveis. Em pouco tempo, Todd está transformando um pássaro ferido em pasta sob as rodas de sua bicicleta, indo e vindo sobre o pequeno cadáver. Mais à frente, começa a assassinar mendigos com facas de caça e a marteladas. Seu grande sonho, contudo, é, bem acomodado com vista à via expressa, munido com rifle ganho de seu pai, atirar no máximo de motoristas que vê na rodagem.

Denker/Dussander também começa a se divertir matando mendigos em sua cozinha. Tudo começou com pequenos animais, como cães e gatos. Inevitavelmente, chegou aos bêbados das ruas que fariam qualquer coisa por cinco ou dez dólares, inclusive transar com um “próspero veado velho com queda pela mendicância”. Pensando que vão à casa do nazista para comer e beber em trocar de meter no velhote, sempre acabavam com a faca de cozinha estocada entre a nuca e o pescoço. O porão transforma-se em cemitério e, de certa forma, é essa sanha por matança que complica a vida do nazista e seu pupilo. Dussander mata-se com overdose medicamentosa antes de levado a julgamento e execução em Tel Aviv. No cinema, foi sufocando-se após engolir instrumento ambulatorial. Todd enlouquece definitivamente, matando seu ex-conselheiro escolar e saindo para o que der e vier, com seu rifle em punhos, em direção à via expressa mencionada, após ver-se sem saída diante da aproximação das investigações policiais.

No livro também encontramos a célebre cena da marcha, disponibilizada no vídeo mais acima.


Em Outono da Inocência – O Corpo, quatro amigos viajam sozinhos pela mata para ver o cadáver de um garoto, atropelado pelo trem. Deste mote simples, temos a bela história de amizade imortalizada no Brasil pela Sessão da Tarde na Globo. A adaptação para o cinema fez bastante sucesso aqui, tornando-se clássico da televisão. Nós, crianças do início da década de '80, crescemos encharcando os miolos com o refugo pop norte americano quando já éramos crianças bem adiantadas na década seguinte. E, quer saber? Foi bom.

Enquanto O Corpo se passa na geografia fictícia do Maine, Conta Comigo manteve o nome da cidade Castle Rock, mas no Estado onde ela realmente existe: Oregon. Além disso, Chris Chambers ainda estava na faculdade quando foi morto com uma facada no pescoço. Gordon Lachance nos diz que seus dois outros amigos também morreram tragicamente. Teddy Duchamp, quando capotou o carro e Vern Tessio em meio a um incêndio, onde só foi reconhecido pela arcada dentária. O gordinho chamada de Bola de Sebo presente na história dentro da história (artifício bastante utilizado pelo autor), chama-se David "Lard-Ass" Hogan - num português claro: Rabo Grande. Além da história de Rabo Grande, também há outra meio sem graça, um drama familiar escrito pelo então jovem escritor Gordie quando estudava redação criativa.

Na prosa, a vida profissional de Gordie tem maior destaque. Fica claro que ele se tornou autor de best sellers odiado pela crítica erudita. Logo, alguém bem similar à figura do próprio King. Num determinado momento, o maduro Gordon nos diz que isso não importa, já que ele quer apenas escrever boas histórias para entreter. Isso me recordou Bill Denbrough em It: A Coisa, onde o personagem também discorre algumas vezes acerca da escrita e seu alcance, discutindo se a literatura não poderia se destinar, apenas, ao mero entretenimento.

Há dois elementos sutis de ligação entre O Corpo e Redenção em Shawshank: citações a Bruce Springsteen e, outrossim, o fato do assassino de Chambers ser ex-presidiário de Shawshank, solto há poucos dias antes do acontecido.

Eu poderia escrever mais sobre esses três contos e suas versões para os cinemas. Mas acho que está bom parar por aqui. Ficam as sugestões aos colegas: leiam o livro, assistam aos filmes. Há uns quatro anos falam que O Método Respiratório também será levado às telas. Não estou por dentro de como andou isso.

Por enquanto é isso. Abraços assombrados e até a próxima.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Onde os velhos não têm vez [ Romance de Cormarc McCarthy ]

Imagem de meu exemplar com selo Anton Chigurh de aprovação.

No meio do deserto texano uma negociação milionária de heroína marrom dá errado. Todos morrem. Um veterano do Vietnã - Llewelyn Moss - está caçando na região, depara-se com a cena e leva para casa mais de dois milhões de dólares. Em seu encalço, é enviado Anton Chigurh. Sua função é recuperar a grana. O cartel, com medo da atuação solitária e talvez inconsequente de Chigurh (Sugar?) contrata Carson Wells para entrar na busca. E, seguindo os rastros de todos, está o Xerife Bell (Ed Tom para os íntimos), homem deslocado de seu tempo e assustado com a natureza dos crimes que vêm despontando à sua volta e até mesmo no aparentemente pacato condado onde reside com a esposa Loretta. E esse "deslocamento" tem a ver com título original da obra (No Country for Old Men), obviamente. Mesmo assim, gostei da tradução brasileira para a adaptação cinematográfica: Onde Os Fracos Não Têm Vez. Achei mais abrangente para a história de uma sociedade acuada e bestificada, cada vez mais consumida pela violência gratuita ou por motivos torpes. Quando o livro saiu pelo selo Alfaguara, o filme dos irmãos Coen ainda estava em produção. Acredito que, se já estivesse ao menos em fase de exibição, a editora Objetiva teria optado pelo título cinematográfico brasileiro.

O que mais chama nossa atenção ao primeiro contato com o livro é sua estrutura formal confusa. Parece roteiro mal escrito de cinema. Dentro de um parágrafo narrativo, falas surgem abruptamente sem travessão ou aspas. Numa sequência de diálogos, citações são organizadas sem auxílio de pontuação regular. Se o leitor não ficar atento, acaba se perdendo em meio à bagunça. Contudo, não chega a ser uma dificuldade hercúlea como já falaram por aí. Basta, somente, compenetração com a leitura, nada mais. Acredito que deve ter dado trabalho à escritora Adriana Lisboa na tradução. A prosa é curta (em torno de 250 páginas, com fonte e espaçamento generosos) e dá para ler tranquilamente em duas noites. O papel amarelado similar ao pólen também auxilia bastante a ler tudo rapidamente sem cansar a visão.

Acho que um grande mérito (são tantos) do romance é a "construção vazia" do pistoleiro Anton Chigurh, muito bem interpretado na película por Javier Bardem (Friendo?). Levando consigo um tanque de pistola pneumática para matar gado e uma carabina de alto calibre com silenciador, deixa rastros de sangue sem dó por onde passa. E, quando não tem arma à mão, vai com essas limpas mesmo, como na primeira execução da trama: algemado, por estrangulamento. Ele não age por grana. Seu interesse é meramente profissional. Sua profissão é sua filosofia de vida. Isso fica mais evidente no romance, onde conhecemos até mesmo o destino dado ao dinheiro recuperado e à outra passagem também suprimida no filme: como ele foi preso inicialmente, o que o levou a ser detido por uma simples patrulha local para fugir logo em seguida. O personagem contraponto é o Xerife Bell. Assim como Chigurh, ele também é exímio profissional, e tenta ser o melhor no que faz: aplicar a lei, atuando de forma ética em respeito a cada centavo pago pelo contribuinte de seu condado. Seu código moral é rígido: honrar a memória de seu falecido pai, fazer sempre o correto, manter elevados valores conservadores atualmente tão em baixa (adiante falarei melhor disso). Não foi mostrado no cinema, mas o personagem possui um fantasma do passado o sufocando desde que retornou da Segunda Grande Guerra. E esse detalhe só engrandece ainda mais o personagem.

Tanto no livro quanto na adaptação, vemos o Texas como o principal personagem de toda a trama. Isso me lembra um pouco o nordeste brasileiro. Num determinado momento, o tio Ellis comenta como aquela terra é cruel e, mesmo assim, todos a amam. Quanta ingratidão! A religiosidade texana está presente no xerife Bell, em seu temor divino como fundamento de disciplina, na crença de que toda a violência crescente possui contornos apocalípticos.

Sem dúvidas, é uma grande obra. Vale a pena tê-la na estante para reler. Até onde sei, não teve reimpressão desde 2006. Vi que em várias livrarias já está rareando. Então, se você pensar em comprá-lo, o faço logo. A não ser, claro, que possa ler a versão original em inglês ou goste da plataforma eletrônica. Meridiano de Sangue (romance considerado por muitos sua opus magnum) esgotou. Entretanto, informaram que teria reedição para logo. Talvez façam o mesmo com Onde os velhos não têm vez. Mas... uma curiosidade: de McCarthy possuo apenas este livro na estante. Li A Estrada (adaptado para o cinema com Viggo Mortensen no papel principal) e Meridiano de Sangue no formato eletrônico. Esta postagem é republicação de alguns anos e, até hoje, não vi tais relançamentos. Então já sabem, né? Alguns livreiros estão pondo a brochura de Meridiano de Sangue à venda por até trezentos reais! Depois ficam com a edição encalhada e se queixam da queda de vendas nos sebos.



Como falei acima, Ed Tom possui valores ético rígidos. Isso fica evidente a cada linha. Ele não é um fanfarrão. É honesto mesmo. Algumas pessoas acreditam que Cormarc McCarthy denuncia o genocídio indígena do oeste americano em Meridiano de Sangue. Ele não denuncia nada. Ele apenas narra fatos e tem conhecimento de que não haveria expansão ao pacífico mediante diálogo com nativos. Estes, aliás, tão sanguinários quanto seus opositores. A América pertencia às nações indígenas assim como pertencia aos filhos e netos americanos do que chegaram ali para colonizar. É só História de um tempo de expansão e mudanças. Não há marco sem sangue. E, no princípio, Caim matou Abel - a um custo alto. Para quem acredita que o maior escritor vivo americano quer "denunciar", "problematizar" ou, pior, mudar o mundo a todo custo (ao invés de compreendê-lo e fazer sua parte), transcrevo o trecho abaixo, onde o Xerife Bell responde a uma progressista o que o futuro lhe reserva. Cormarc McCarthy é, essencialmente, um conservador descrente no porvir.
Há um ano ou dois eu e Loretta fomos a uma conferência em Corpus Christi e eu me sentei ao lado dessa mulher que era esposa de alguém mais ou menos importante. E ela ficou falando que a ala da direita isso e a ala da direita aquilo. Não tenho nem mesmo certeza sobre o que ela queria dizer. As pessoas que conheço são na maioria gente comum. Gente simples. Eu disse isso a ela e ela me olhou de um jeito estranho. Achou que eu estava dizendo uma coisa ruim sobre as pessoas, mas é claro que isso é um grande elogio na minha parte do mundo. Ela continuou e continuou. Por fim ela me disse o seguinte: não gosto do rumo que este país está tomando. Quero que a minha neta possa fazer um aborto. E eu disse bem minha senhora não acho que precise se preocupar com o rumo deste país. Pelo que eu vejo não tenho muitas dúvidas de que ela não só vai poder fazer um aborto como vai poder fazer com que sacrifiquem a senhora. O que mais ou menos encerrou a conversa.
Os monólogos a seguir também são interessantes.
Loretta me disse que escutou no rádio sobre o percentual de crianças neste país sendo criadas pelos avós. Esqueci qual era. Bastante alto, achei. Os pais não queriam criar. Conversamos sobre isso. O que nós pensamos foi que quando a próxima geração vier e eles também não quiserem criar seus filhos quem vai criar? Seus próprios pais vão ser os únicos avós disponíveis e esses pais não quiseram criar nem os próprios filhos.
(...)
Tinha um questionário perguntando quais eram os problemas em dar aulas nas escolas. (...) Os maiores problemas eram coisas como conversar em sala de aula e correr nos corredores. Mascar chicletes. (...) Quarenta anos depois. Bem, eis que chegam as respostas. Estupro, incêndio criminoso, assassinato. Drogas. Suicídio. Então eu penso sobre isso. Porque boa parte das vezes em que eu digo qualquer coisa sobre como o mundo está indo para o inferno as pessoas meio que sorriem e dizem que estou ficando velho. Que esse é um dos sintomas. Mas meus sentimentos a esse respeito são que alguém que não saiba a diferença entre estuprar e assassinar pessoas e mascar chicletes tem um problema maior que o meu.
Bem... pessoas de movimentos sociais psicopáticos não gostam muito quando encontram trechos como os acima na obra de um grande autor contemporâneo, ainda vivo. Incomoda saber o óbvio, para onde toda a atuação de grupos cada vez maiores de pessoas sem o menor resquício de espiritualidade (logo, de humanidade) está nos levando. E, vejamos: a trama se passa no início da década de '80, com primeira publicação em 2005. Diferentemente do escritor, não me considero um completo conservador em amplo aspecto (social, político etc.). Mas, como ele, sou descrente na maioria das vezes. Acho que, por mero medo e preguiça, não podemos mais recuperar o que perdemos. Acabou.

Em todo o volume, encontrei apenas um erro. Não de tradução (até porque nem tenho parâmetros para isso), mas de digitação e, logo, revisão. Está no primeiro parágrafo da página n.º 233, onde se repete a passagem "Xerife Bell, ele disse" uma vez.

No cinema, chama atenção como a beleza árida presente nos romances de Cormarc McCarthy foi transportada, o que nos surpreende logo na cena inicial (vídeo abaixo), em brilhante trabalho do diretor de fotografia Roger Deakins, vencedor do Oscar por Blade Runner 2049.

Basicamente, é isso.

Abraços e até a próxima, friendos.

sábado, 7 de setembro de 2019

Anônimo [Cinema] [ Postagem de 26/04/2013 ]



Sempre fui curioso quanto à autoria das obras atribuídas ao nome William Shakespeare. Mas nunca corri atrás para pesquisar nada. Só me parece improvável que o autor mais importante para a língua inglesa tenha vindo de berço popular, numa época onde a educação era privilégio da nobreza ou, ao menos, de quem tivesse as bençãos da Corte. Exemplos que fogem a essa minha ideia inicialmente posta não faltam, claro. Afinal, Machado de Assis - filho de uma lavadeira de roupas e de um pintor de paredes - tornou-se o maior escritor brasileiro que conhecemos (para mim, o maior gênio da Literatura mundial, o que não vem ao caso agora, pois daria margem para amplas discussões). Mas acreditar que um homem comum, há mais de quinhentos anos, pudesse ser o autor de peças e sonetos que até hoje chamam a atenção do público especializado, utilizando de linguagem às vezes rebuscada e ampla erudição, realmente não me desce. Me pergunto quais os meios de ascensão intelectual que um pobre poderia ter no século XVI e não chego a lugar algum nesse esforço mental. Acho que seria algo praticamente impossível, a não ser que você fosse gentilmente "adotado" por alguma congregação religiosa que cultivasse a educação e o conhecimento (o que não foi o caso da pessoa indicada como William Shakespeare de Stratford-upon-Avon). Durante um tempo, imaginei que as obras de Shakespeare seriam fruto de criatividade coletiva. Já atribuíram a autoria de obras como Hamlet e Macbeth a intelectuais do porte de Francis Bacon, por exemplo. Há algum tempo, no entanto, o favorito dos especuladores é Edward de Vere, 17º Conde de Oxford. E é nesta figura histórica que o filme Anônimo aposta, numa trama bem elaborada, recheada de elementos históricos, lugares e personagens reais. Para ficha técnica, imagens, sinopse e críticas, indico o link do IMDb. Minha intenção, aqui, foi apenas destacar as razões me levaram a assistir a esse bom filme que recomendo!

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Penny Dreadful, feminismo e MGTOW


Por falar em terror, estou concluindo a terceira temporada de Penny Dreadful e fiquei mais assustado pelos toques de feminismo esquizofrênico (quase redundância, né?) do que pelos vampiros e monstros diversos da trama. Como sabemos, em tramas de horror/terror o feminino sempre tem lugar de destaque. Na verdade, é quase sempre o núcleo da narrativa. Não existiria Drácula sem Mina ou os Cenobitas de Coração Condenado sem o atrito entre Julia e Kirsty, pano de fundo da trama, por exemplo. Mulheres são poderosas por natureza, não precisando de discurso globalista fajuto justamente para lhes tolher a feminilidade em nome de um vago "empoderamento". Não existe família organizada sem poder materno. O alegado "patriarcalismo" pelas feministas é engodo. Uma família se sustenta e prospera sem a figura paterna; sem uma mãe forte, o bagulho degringola. Senti na pele isso. Minha mãe quase destruiu nossas vidas por meros caprichos. Assim, nunca me causou espanto a força da poderosa protagonista Vanessa Ives, encarnada por Eva Green, mais bela do que nunca. A presença forte de Vanessa é natural numa trama de horror. Só que, a partir da terceira temporada, deram ênfase ao progressismo feminista e sexista encabeçado pela personagem Brona (ou Lily Frankenstein), aliada a Justine (saída, creio, da obra homônima de Sade).

Como afirmei acima, é "femismo/feminismo" de dar medo. Lilly começa a reunir uma penca de putas londrinas para matar homens pelo simples fato de serem homens. Ela quer se vigar por ter feito tanto boquete em becos sujos a troco de mixaria, como se a culpa por isso fosse integralmente do mundo machista, e não também pelo simples fato de que ela gostava de ser puta. Justine torna-se outra tresloucada que pretende passar a navalha em tudo quanto é pênis. A analista de Vanessa conta que seu marido era violento, então ela fez bem em matá-lo na cozinha, ao invés de afastar-se do dito cujo ou acertar melhor seu dedo podre para homens. Sufragistas são espancadas pela Scotland Yard, quando na verdade o pleito do movimento era ouvido e o Parlamento masculino deu atenção aos protesto e, consequentemente, o voto feminino às mulheres, deixando para trás o preconceito antiquado e ridículo. Entretanto, esse viés do seriado não deixou as feminazis felizes. É que o criadores nos mostraram uma Vanessa Ives que se espelha em Joana D'arc (espiritualizada e seguidora do cânones ocidentais, ao invés de ser uma mera iconoclasta), cujo único sonho terreno era ser uma mãe de dois filhos ao lado do marido que nunca poderia ter (como vemos do final da segunda temporada). E a dupla Lilly/Justine são evidenciadas como psicopatas, monstrengas de dar medo até mesmo em Dorian Grey. 

Amiúdes: Penny Dreadful continua um bom programa. Espero que continue na TV enquanto o criador e sua esquipe de roteiristas possuírem boas ideias. O mote é interessante: reunir na mesma história célebres personagens da literatura fantástica, como Drácula, Allan Quatermain (na figura de Sir Malcom), Victor Frankenstein e suas criações, Dr.° Jekyll, Dorian Grey, Justine entre outros. Alan Moore desenvolveu isso com maestria na Liga Extraordinária, sem dúvidas. Seu trabalho é incomparável no aspecto literário, erudito e de muita pesquisa vitoriana e cultura popular. Penny Dreadful fica aquém; mesmo assim, serve para entreter com alguma decência. E, agora, com um novo monstro para assustar os mais incautos: o sexismo misandrista e suas ativistas esquizofrênicas.

P.s.: Esta postagem é republicação do antigo blogue, datando de 14 de jun de 2016. Hoje, percebo que não é à toa o crescimento de uma filosofia de vida como o MGTOW (Sigla do inglês para Men Going Their Own Way; em português, Homens Seguindo Seu Próprio Caminho). 

sábado, 31 de agosto de 2019

Os livros de Murphy Cooper


Apenas recentemente assisti a Interestelar (2014), filme de Christopher Nolan que aborda um possível futuro apocalíptico onde a raça humana é quase devastada quando a própria natureza volta-se contra nós. O filme é bom, aborda temas interessantes sobre sistemas de espaço-tempo e, claro, acerca da necessidade humana em sobreviver a qualquer custo, a Força da Vida de que nos falaram gênios como Eisner e Viktor Frankl. Não me estenderei bastante sobre a produção, pois há várias postagens a respeito por aí. O que me chamaram atenção foram os livros na estante da personagem Murphy Cooper. A biblioteca do quarto da garotinha é utilizada como um relevante núcleo da trama (não falarei muito porque seria spoiler). 


Acredito que a escolha dos títulos depositados nas prateleiras de Murphy não foi aleatória. Dentre dezenas de volumes, o Diretor destacou as obras: A Dança da Morte (The Stand) de Stephen King (1978), Moby Dick de Herman Melville (1851) e uma coleção de Sherlock Holmes de Sir Arthur Conan Doyle. Vejamos: A Dança da Morte aborda um futuro igualmente apocalíptico onde - estima-se - quase 99% da população mundial teria sido dizimada pelo vírus Capitão Viajante. No romance de King, dois grupos antagônicos lutam pela sobrevivência, chefiados por Mãe Abby (o Bem) e Randall Flagg (o Mal). De qualquer forma, o objetivo do remanescente humano é um só: perpetuar-se, repovoar a Terra e, assim, não permitir nossa extinção. Há, pois, uma clara relação com o mote de Interestelar.


O romance enciclopédico de Herman Melville trata, essencialmente, da força humana contra as forças da natureza. O velho marinheiro Ahab dedica sua vida, a bordo do navio The Pequod, a perseguir a poderosa baleia cachalote que dá nome ao livro, em mares violentos. Gosto de chamar Moby Dick de a "origem" épica para a novela O Velho e O Mar, de Ernest Hemingway. A premissa é a mesma que a do filme ora abordado: a resistência humana frente ao querer das forças naturais.


Já as obras de Conan Doyle também merecem lugar entre os livros de Murphy Cooper. Interestelar é, além de ficção científica de alto nível, uma história detetivesca, onde a perspicácia humana é posta sempre a prova, em vários momentos do Tempo, para plantar e decifrar enigmas que salvarão nossa espécie da extinção. É Sherlock Holmes do começo ao fim.


Não encontrei, contudo, nenhum exemplar de 2001: Uma Odisseia no Espaço de Arthur C. Clarke. Pode estar lá na estante da garota, difícil de ver. Só que merecia, mesmo, algum destaque. É que o filme é direta referência a obra literária/cinematográfica de Clarke/Kubrick. Da mesma forma que o núcleo da trama é a criação de um hipercubo em 2001 (na forma de hotel para o astronauta David Bowman), na produção de Nolan isso se dá na arquitetura do quarto de uma garota, com ênfase nos livros. A relação íntima entre o personagem Matthew McConaughey (Cooper, pai de Murphy Cooper) e o computador TARS remete à relação de David Bowman com HAL 9000. A cena em que o astronauta Cooper escala o hipercubo de livro remete a Bowman flutuando dentro do controle de memória de HAL. Em vários momentos, Interestelar faz referências estéticas a 2001 de Kubrick.


Enfim: para quem ainda não viu o filme, recomendo. É um bom investimento de quase três horas de duração. Mesmo que você fique perdido nos aspectos científicos, vale a pena pelo deleite estético e filosofia de vida, persistência e força de vontade.


Abraços cósmicos e até a próxima!


Postagem publicada originalmente no ano de 2015

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Blade Runner na Netflix e nos quadrinhos


Eu vi coisas que vocês não imaginariam. 
Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. 
Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. 
Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. 
Hora de morrer. (Nexus-6 Roy Batty)

Fiquei feliz em ver Blade Runner no catálogo da Netflix esses dias, assim como Cobra com Stallone em toda a sua masculinidade hoje dita "tóxica" pela turma do patrulhamento ideológico acéfalo. Ando meio afastado da plataforma, assistindo a praticamente nada e pondo a leitura em dia. Por isso, suponho que estejam ali há certo tempo. Ao ver a disponibilidade, comentei, em relação a Blade Runner, com as pessoas próximas a mim - todas mais jovens - se tratar de um filme excepcional, um dos melhores realizados independentemente de gênero. Contudo, ninguém se interessou a vê-lo.

Pois é... Aquela obra prima da sétima arte, realizada de maneira soberba numa época de recursos tecnológicos limitados, com trama envolvente mesmo falando de coisas tão distantes, banhada em clima que transita entre o noir e o cyberpunk, em plena sintonia com a trilha embalada por Vangelis... encontra poucos interessados dentre o público mais jovem. Não podemos fazer nada quanto a isso. Talvez tenha se tornado algo datado demais, em termos de ficção científica. Contudo, não encontro nenhum exemplar no sci-fi contemporâneo que esteja à altura da obra de Ridley Scott. Aliás, quando vi o filme pela primeira vez foi na Globo, possivelmente na segunda ou terceira vez que o exibiram. Ele foi lançado quando eu nasci então certamente deveria ser algo já meio datado para mim. Talvez ajudasse se a Netflix dispusesse, concomitantemente, da sequência com Ryan Gosling. Isso atrairia mais gente, quem sabe. Ou o problema é mesmo estético. Pessoas mais jovens raramente se interessam por estética "analógica", mesmo que o conteúdo seja de elevado nível artístico. Ainda assim é algo que não compreendo, pois, esteticamente, é daquelas realizações insuperáveis, como o 2001 de Kubrick, cuja sequência se mostrou graficamente mais pobre, embora dispondo de mais recursos digitais.

Quem cresceu lendo quadrinhos na década de "90 sabe bem como a produção teve influência naquele nicho. Boa parte da produção nacional de ficção científica era inspirada no filme. Você constata isso em diversos trabalhos de Watson Portela, por exemplo, cujo traço tentava "emular" o de Moebius. Nas HQs infantis também tivemos referências bem divertidas. Assim, possuí, quando criança, quadrinhos com paródias. O d'Os Trapalhões não tenho mais. Perdi todas as minhas HQs com As Aventuras dos Trapalhões, inclusive a fantástica e bem escrita e desenhada Graphic Trapa Didi Volta Para O Futuro. É uma pena que César Sandoval e equipe, bem como as famílias envolvidas em direitos autorais, não busquem contato e cheguem a um entendimento para republicações daqueles quadrinhos em formato almanaque ou luxo. Creio que teria compra certa de um grande público saudosista. Felizmente, posso ler quase tudo publicado no título em arquivos digitais. Já da Disney, possuo na coleção Zé Carioca n.° 2369, com a ótima paródia estrelada pelo malandro emplumado numa Vila Xurupita do ano de 2034. É muito bacana esta história lançada pela Abril em 2012. O Zé começa se apresentando como Zé Deca, em referência ao Rick Deckard de Harrison Ford. Seria Zé DecaRioca (rs). Na icônica cena da briga no telhado com o monólogo de Rutger Hauer, o androide da paródia acaba "morrendo/pifando" porque molhou-se na chuva. E, no final, fica em aberto o suspense de que quase todo mundo na Vila Xurupita seria replicante, até mesmo o Zé Deca.

Na história Bode Ranner - O Caçador de Trapalhóides, achei a aplicação do fictício teste Voight-Kampff aplicado por Didi Deckard um dos melhores momentos, assim como a substituição da ameça dos replicantes pelo terror dos "atrapalháveis trapalhóides". Vale a pena a leitura. É bem divertida sem ridicularizar nosso intelecto com patrulhamento politicamente correto.

Se você nunca viu, aproveite. Curta esse grande filme, embriagando-se na trilha envolvente de Vangelis e na beleza natural de Sean Young quando jovem, em seu auge e quando ainda não era procurada pela polícia por furtar lojas de produtos eletrônicos.

Curiosamente, hoje, após publicar esta postagem, vi as notícias do falecimento de Rutger Hauer, o Nexus 6 Roy Batty. Ele faleceu no dia 19 deste mês, acometido por um mal não divulgado pela família, a qual apenas hoje divulgou à grande mídia seu óbito. Requiescat in pace, grande ator que encantou minha juventude com filmes como O Feitiço de Áquila e A Morte Pede Carona.

Abraços e até a próxima.