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sexta-feira, 12 de julho de 2019

Era uma vez no Coração da América



Em O Grande Búfalo Branco (The White Buffalo, 1977), Cavalo Louco diz a Bill Hickok que as terras onde eles estão não são para brancos. Bill responde ao falastrão que nenhum "Grande Espírito" a deu à Nação Sioux. Esta apenas a roubou dos antecessores: Cheyennes, Shoshones e Arapahos. Em resumo: em termos de ocupação, todo mundo é filho da mãe e que ganhe o mais forte. O caubói continua dizendo ao índio bonachão não existir verdade absoluta acerca de supremacia moral de nenhum povo. Contudo, o sioux não cede ao seu capricho de superioridade moral e espiritual. Os dois personagens do colóquio deveras existiram na sangrenta história americana. Charles Bronson deu alma a Bill Hickok, na telona. E a história da ocupação das terras de Black Hills é verdadeira e rendeu uma longa ação judicial do remanescente indígena contra o Governo Federal. Não havia nenhuma dúvida de que aquelas terras passaram pelas mãos de diversas etnias, onde a mais forte sempre expulsava a mais fraca. Mesmo assim, o Governo progressista e para acalmar os ânimos ofereceu aos "índios" proposta de indenização quase bilionária, sendo recusada. Afinal, as terras - dotadas de água, madeira, minérios e investimentos em infraestrutura - quase não têm preço calculável. No final, a Nação Sioux perdeu o processo e a bufunfa.

Encontro muitos colegas progressistas abarcando a causa indígena, seja lá o que for isso. Alegam que o Brasil pertence aos índios. Nós, malvados, lhes tomamos a terra. Atualmente, eles possuem 12,5% do território nacional para explorar, arrendar e depredar como quiserem. Igual a nós, "brancos", fazemos com o meio ambiente (!). Mas encontram no discurso vitimista seus defensores, querendo cobrar supostas dívidas histórias - outra para a conta do operário brasileiro que acorda cedo todos os dias para trabalhar e pagar pesados tributos. Aos meus colegas politicamente corretos, sempre digo: isso é fácil, venda suas posses, doe a uma ONG indígena para os caciques comprarem carrões e uísque 18 anos e, depois, afoguem-se em alto mar, oras. Até hoje, nenhum tomou tal coragem para quitar seu quinhão de dívida histórica e devolver a terra dos índios. E um adendo: meu colega mais esquerdista (no discurso) é o maior investidor em imóveis com quem já trabalhei. Pão duro até a alma.

Não existe civilização sem dor, sangue e bastante sofrimento. É isso que esta geração floco de neve desconhece. É como os ambientalistas de apartamento que parecem desconhecer não haver vida moderna sem aço, concreto e energia. Infelizmente, cinema e TV se perdem em conceitos politicamente corretos e regam com pétalas de rosas os devaneios dessa turma desmiolada. Às vezes dá vontade de abandonar o cinema contemporâneo e sobreviver de reprises de produções da época, quando os estúdios ainda não estavam abarrotados de ativistas veganos que fingem desconhecer que até a ração dos "pets" é feita com carcaça animal e que alimentos orgânicos são caros e para poucos. Não dá para alimentar 7,7 bilhões de pessoas com orgânicos.

Sergio Leone, embora italiano, conhecia o coração americano e todos os seus filmes deixam claro que aquela civilização nasceu e floresceu banhada em sangue. Não importavam origem, credo ou raça. Nunca houve santo e só, talvez, alguns poucos bons homens que queriam seguir em paz seus caminhos, mas sempre com aquela pequena sede de ganância ou de vingança. E sem vergonha ou julgamentos. As pessoas apenas sobreviviam. Esta é a natureza da América, essencialmente. A maioria das pessoas destaca que sua obra prima seria Três Homens em Conflito (The Good, the Bad and the Ugly, 1966). Certamente, é um dos maiores filmes realizados de todos os tempos, com nota 8,8 no IMDb, o que não é pouco. Mas sempre terei um carinho a mais pelos filmes Era Uma Vez no Oeste (Once Upon a Time in the West, 1968) e Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, 1984). Para mim, ao lado de The Godfather (Partes I e II) e de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), estão dentre as realizações máximas da sétima arte.

Filmes como os acima mencionados retratam o mundo como ele é, não como deveria ser. Não se perdem em devaneios "por um mundo melhor" onde teorias de gabinetes tentam reorganizar a fórceps a tecitura social. Hoje, deveriam ser matéria obrigatória a todos os jovens assisti-los ao menos dez vezes.

Não canso de me surpreender com os arroubos eternamente infantis de minha geração, que parece teimar em não crescer, em não aceitar o mundo como ele é, que a vida é naturalmente difícil, inexistindo fórmulas mágicas para resolver os "problemas mundiais". Aquele velho discurso meio boca sobre tudo. Meus pares foram formados sob a mordaça do politicamente correto, sob a ditadura da espiral do silêncio. Colegas de minha idade (perto dos 40), hoje, são homens frouxos, dormindo com luzes acesas por medo do bicho papão, criados para serem delicados e não assumirem postura masculina. A masculinidade tornou-se "tóxica". E olha que falo de minha geração. Os garotos que conheço em torno dos quinze anos de idade me dão arrepios. Como destaquei aqui numa postagem anterior, "Somos apenas crianças crescidas, querida, que ficam aborrecidas ao perceber a hora de dormir", para citar Lewis Carroll. Filmes como os realizados por Sergio Leone mostram outro tempo tão próximo e ao mesmo tempo tão distante, onde homens eram criados para ser homens, e não feministos cheios de parcimônia, medos, subserviência e frustrações com o próprio sexo.

Em Era Uma Vez no Oeste, a expansão para o pacífico leva a um rastro de sangue no mesmo ritmo que a ferrovia segue seu caminho. Disputas por terras, roubos, prostituição e vinganças. Ninguém é poupado, adulto ou criança, homem ou mulher, seja mexicano ou tenha olhos azuis, todos enfrentam a mesma sina árida em terras tão desoladas. Anos após, em tempos mais "civilizados", a mesma história se faz presente em Era Uma Vez na América, numa trama de busca por poder e riquezas, traição, violência desenfreada e o velho conto do garoto pobre que obtém grande ascensão social e econômica para, ao final de tudo, numa crise ética, dar a si mesmo aquele que considero um dos finais mais sombrios e trágicos do cinema.


Foi ontem, mas parecem séculos, quando cinema mostrava que você pode ser homem e assumir responsabilidades de homem sem receio de críticas. E não me refiro à opção sexual. É como diziam há certo tempo: "Seja gay mas seja macho". Macho no sentido de erguer a cabeça e enfrentar as durezas da vida sem tanto chororô ou, como fazem agora, textão fanfic em rede social.

Outro bom filme da época esquecida do cinema, em Desejo de Matar (Death Wish1974)  o arquiteto Paul Kersey (Charles Bronson) leva uma boa vida de classe média alta na violenta Nova Iorque. E parece não se alarmar com a onda de crimes assolando a pocilga onde vive. Progressista, pacifista e desarmamentista, é apontado por um colega de trabalho como "liberal de coração mole", ao que ele responde apenas se preocupar com os menos privilegiados e crer, realmente, que a violência é apenas corolário lógico de problemas sociais. Enfim, um romântico que não coloca na conta do banho de sangue algo tão simples e natural como a mera crueldade humana. Um dia, sua casa é invadida por vadios que assassinam sua esposa e violentam sua filha, a qual ingressa num estado de paranoia crônica e acaba sobrevivendo dopada em instituições psiquiátricas. Numa viagem de negócios a Tucson, se depara com a cultura armamentista e retorna à sua cidade portando um revólver calibre 32, pequeno e fácil de usar. Então começa a sair maquinado à noite, passando o rodo em tudo quanto é maloqueiro. É, sem dúvidas, um grande filme como não mais se faz (teve remake com Bruce Willis ano passado), mostrando o estado de torpor a que foram submetidos os americanos almofadinhas após décadas de cultura progressista inculcada a fórceps em seus miolos laceados. De um bundão crente no Governo e nas pessoas naturalmente boas, Paul Kersey retorna ao estado natural típico do americano conhecedor que seu país foi fundados em sangue e assim continuará até o fim dos tempos. Paul Kersey desperta o instinto mais básico humano: sobreviver.

Charles Bronson, ator que aprendi a amar e admirar, foi em si um grande exemplo do que é ser homem, erguer a cabeça e encarar o cotidiano sem vitimismos. Filho de imigrante lituano, cresceu nos Estados Unidos sem falar uma palavra sequer em inglês e seu destino quase certo seria o trabalho em minas de carvão. Tornou-se lenda do cinema ainda relativamente jovem e, resignado, envelheceu mal e afastado dos holofotes, falecendo demente após os oitenta anos. A filmagem mais antiga onde o vi foi no magnífico episódio Two  da série The Twilight Zone. Recentemente, tive o prazer de revê-lo, pela segunda vez, no filme Assassino a Preço Fixo (The Mechanic, 1972, de onde veio a fotografia do cachimbeiro acima).

Aliás, é bom relembrar The Mechanic, pois recentemente ganhou remake com Jason Statham no papel principal e isso reflete bem nossos tempos. Enquanto o filme da dobradinha Bronson-Winner nos deu uma trama refinada com personagem central intrigante e de aspectos morais complexos, o novo filme se propõe ao mainstream atual comum: produção para desmiolado, onde Statham faz suas caras e bocas de bad boy para explodir as coisas à sua volta e ainda posa de bom moço que apenas executa pessoinhas malvadas, merecedoras de morte violenta. A versão de Michael Winner ainda se destacava por, na década de "70, abordar de maneira bastante discreta a relação de conotação homossexual entre os dois personagens principais, sem amarras morais, politicamente correto ou peso na consciência quando o assunto é traição e mundo do crime.

No coração das Américas, havia fé, coragem e resiliência. Agora não passamos de um imenso playground onde marmanjos choram o dedão encravado e os simples e pequenos dilemas do cotidiano. Outra obra com Bronson a insistir neste aspecto seria Lutador de Rua (Hard Times, 1975), onde o pugilista Chaney sobrevive durante a grande depressão americana batendo, apanhando e lidando com todo o tipo de gente escrota nas docas de Nova Orleans, sem abaixar a cabeça e encontrando, em meio a escória, momentos de amor e para atos nobres.

Basicamente, é isto. Não pretendo me estender mais neste assunto. O objetivo com esta postagem foi apenas divagar um pouco e indicar os ótimos filmes nela mencionados.

Abraços e até a próxima.



terça-feira, 11 de junho de 2019

Labirinto Verde ou Twin Peaks franco-belga


- O que você quer?
- O que todos querem, Louis: Perrier com limão, 
paz mundial e pescaria no Caribe.

Comecei a assistir à série Zone Blanche e achei interessante parar para, aqui, recomendá-la. Não é uma daquelas grandes produções que ficarão na posteridade. Contudo, sai do lugar comum e, por minhas impressões, bastante se assemelha a Twin Peaks, quanto à essência mágica. Na trama, a pequena cidade de Villefranche chama a atenção do Parquet francês diante da imensa quantidade de homicídios ali ocorridos. O Procurador chega ao local para tentar compreender isso, junto à Delegacia chefiada por Laurène Weiss, cujo passado é tão sombrio quanto a densa floresta onde encrava-se o vilarejo. E aí chegamos à obra icônica de David Lynch e Mark Frost: o primitivo que caminha entre as árvores e toma quando quer. Algo divino: concede e retira.

Na trama, tudo em gira em torno da floresta. A economia local é movida pela madeira cercada de sortilégios. Alguns habitantes parecem conhecer mais do que dizem e o lugar é chefiado pela família Steiner. Aparentemente, tudo ali é conectado por magia ancestral; ou melhor: xamanismo, a arte mais pura e primeva da relação entre o homem, a natureza e o divino. Destaco: o xamanismo é pré-pagão e, creem alguns magistas, o Graal a ser redescoberto por nós, pobres cidadãos da era do consumo vazio. Isso tem tudo a ver com Twin Peaks, seriado comentado por mim desde o blogue anterior e, aqui, nestas postagens: Twin Peaks e a Magia RúnicaA História Secreta de Twin Peaks por Mark FrostTwin Peaks na NetflixAleister Crowley, capetas e Fábio Assunção.



Em sua agradável fotografia fria, Villefranche também nos arremessa à psicogeografia, sendo a região um vórtice perpétuo para a violência, de certa forma.

Certamente, por se tratar de série engajada com preceitos da atual ordem mundial acéfala onde vivemos, algumas abordagens desagradam. Assim, por exemplo, o grupo terrorista de ecodesocupados que chega à cidade para lutar pela Mãe Natureza é visto com parcimônia. Nos quinto e sexto episódios, a temática sexista se revela mais forte que tudo, onde todo macho é escroto e as mulheres são boazinhas. Desta forma, uma bandida procurada por seu antigo bando e seu ex companheiro, mesmo sendo equivalente aos demais, é agraciada com desfecho misericordioso. Noutro momento, um homem casado que curte BDSM e outras porcarias deve ser punido por satisfazer suas taras com as vadias locais, mesmo que tudo ocorra consensualmente. O ritmo é mais ou menos esse, para nosso desgosto.

Enfim: fica a breve sugestão a quem pretende assistir a algo novo. As melhores sacadas dos realizadores foram: temporadas curtas, com apenas oito episódios cada e, dentro de cada um desses, o acontecimento e a resolução de um crime específico, sem ganchos chatos.

Abraços mágicos a todos e até a próxima.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Boca [ Cinema Brasileiro ]


aquela caverna
triste, fria e sombria
é seu espelho

Marcelo Santos Silvério

Hiroito de Moraes Joanides viveu quase toda sua vida na noite, traficando e utilizando drogas injetáveis - quando nem se falavam acerca dos riscos de compartilhamento de agulhas -, trocando tiros com bandidos rivais e com a polícia (isso quando não a estava corrompendo) e dormindo com praticamente todas as prostitutas da Boca do Lixo, região não-oficial do centro da cidade de São Paulo. Após sua queda como Rei da Boca, ficou trancafiado numa insalubre prisão brasileira por quase dez anos. Próximo aos sessenta anos de idade, após publicar sua autobiografia, faleceu de causas naturais. Ou seja: teve a almejada "morte de passarinho", como se diz em meu sublime torrão. E assim é a vida: você pode procurar a morte durante toda ela e ter apenas um óbito tranquilo, durante o sono, quando perto da imprestável vida chamada de "terceira idade". 

Foi sobre a autobiografia de  Hiroito  Joanides que Flavio Frederico realizou o filme Boca, cujo título em alguns pôsteres, à época (e salvo engano de minha má memória), saiu como Boca do Lixo. Para quem desconhece este cara, trata-se do mesmo cineasta responsável pela porqueira Em Busca de Iara. Ou seja: um diretor que gosta de filmes sobre bandidagem, mas obviamente sem o brilho e a genialidade de Martin Scorsese.

Apenas recentemente assisti a este bom filme. Nada excepcional, mas também não desperdiça nosso tempo. Possui ótima produção de arte e o leva, realmente, para a época "pílula-dourada" do centro paulistano. A atuação de Daniel de Oliveira nos agrada bastante. De início, pode nos parecer meio forçada. Contudo, após breve pesquisa, você descobre que ele realmente encarnou, como pode, Hiroito, em seus trejeitos e arrogância. Uma figura curiosa merecia essa encarnação meio bruta, meio pedante. Seu nome, homenagem de seu pai ao nipônico Imperador Showa, fazia jus - guardadas as devidas proporções - aquele que também se tornaria monarca, conquanto da torpeza. Hiroito foi gângster, viciado em drogas, sexólatra, bem educado, relativamente culto, leitor voraz. Foi um porra-louca que viveu como quis e não pagou a conta, diferente de minha amiga Mariana que, aos quarenta anos de idade, sem fumar ou beber, está amargando câncer de pulmão. C'est la vie.

Não sou grande entusiasta do cinema brasileiro, o qual quase nunca consegue nos entreter descompromissadamente ou, acaso se proponha a mais, tecer algo relevante acerca da natureza humana. O objetivo primeiro da maioria das realizações nacionais é apenas fazer uma "crítica social foda" (como dizem os aventureiros da justiça social), que de fodástica não tem nada e apenas repete os velhos mantras ideológicos de sempre, jamais conseguindo ir além das aparências, jamais chegando ao âmago das questões abordadas. Contudo, neste curto filme Boca, não desperdicei tempo. Trata-se de película curta, objetiva, esteticamente atraente (como afirmei alhures, com boas fotografia e produção de arte) e consegue, sem pretensão, levá-lo ao charme outrora existente de uma grande metrópole, mesmo em seus recônditos mais sombrios.

domingo, 12 de maio de 2019

Border / Gräns : Film Review


Não enxergo sentido no mal.
Tina

Gosto muito de filmes gore, trash e porqueiras em geral. Não saberia sequer enumerar a quantidade de filmes e HQs cretinos consumidos apenas neste ano. Sendo assim, comecei a assistir a Gräns sem receio. A indicação do filme me chegou ao acaso e, apos ler algumas críticas, percebi que ele é como a fictícia Sucupira de Dias Gomes: você odeia ou ama. Pela sinopse e trailer, achei se tratar de algo entre terror e fantasia. Visto o filme, não sei mais onde encaixá-lo. Mas ficaria apenas no drama. E, longe de meus filmes "B", acabou se tornando uma das mais sensíveis obras vistas nos recentes anos. Aqui vai um pouco de spoiler, então se você for muito cheio de frescura, pare aqui. Estamos diante de uma história de trolls. Sim, trolls convivem entre nós e apenas poucos humanos sabem disso. E como uma narrativa assim pode dar certo e encontrar em nós enorme ressonância emocional, apenas o talento do cineasta Ali Abbasi poderia explicar.

Na trama, Tina é uma gabaritada oficial alfandegária que, igual a cães farejadores, não deixa passar nada. Ela sente cheiro de tudo: drogas, bebidas, produtos ilegais etc. E vai além, sentindo o odor de sentimentos e estados de espírito humanos: culpa, medo, raiva, desejo... entre outros. Ela é estranha, também, fisicamente: quase elo perdido entre o homem atual e de neandertal. Um dia, ela topa com alguém fisicamente parecido, Vore. E aí sua vida muda. Esse Vore acaba invadindo seu cotidiano. Na alfândega, após revista íntima, Tina havia descoberto que "ele" na verdade seria "ela", ou sabe-se lá o quê. Ambos possuem a mesma cicatriz sobre o cóccix, o que mais tarde ela descobrirá se tratar de antiga cauda, removida cirurgicamente. Num final de tarde, farão amor, e um pênis que Tina nunca conhecera surgirá do meio de suas pernas. Vore, então, lhe dirá serem eles trolls. Daí a aparência aberrante, o íntimo contato com a natureza (terra, animais e vegetação), a força e os dons como farejar até mesmo humores. Ao longo do tempo, comunidades de trolls vêm sendo destruídas, com eles mantidos em cativeiro até a morte. A própria Tina obtém de seu pai, mais à frente, que realmente fora retirada de seus pais biológicos enquanto eram mantidos em centro de contenção escondido num manicômio local, onde - veremos ao final - cada pedra no jardim corresponde a uma lápide.


Parece meio bobo ler algo assim: trolls entre nós. Como afirmei acima, não é. Parece tudo muito real. Tudo nos chega como se realmente pudesse ser daquela forma, naturalmente. E, ao meio deste assombro fantástico, o mundo real que conhecemos: dor, medo e, como pano de fundo, abuso sexual de crianças e tráfico de crianças com pornografia infantil. E, pior, com o envolvimento de trolls (não entregarei mais o roteiro a partir daqui). Aliás, de um troll com alma revolucionária, acreditando piamente que assim age para machucar os humanos e cobrar eventual dívida histórica, embora faça isso por safadeza mesmo e em troca de algumas coroas suecas. É mais ou menos o que sempre digo: seja branco, preto, rico, pobre, humano ou troll, quase todo mundo é filho da puta. No mundo, há todo tipo de gente e de troll. Não se guie por clichês e esteriótipos.

Achei sobretudo interessante os aspectos biológicos do filme. O troll enquanto uma criatura em franca simbiose com a terra, com a natureza. E tais seres nos chegam quase como ornitorrincos: tem um pouco de tudo do reino animal em sua constituição. Assim, por exemplo, a piroca de Tina esconde-se no corpo, similar ao aligátor. Vore põe fetos-ovo (hiisi), como a galinha pondo ovos não galados, acaso não tenha sido fecundada. Aliás, destaco que tais "ovos" são elementos essenciais na trama, conforme descobriremos próximo ao final.

Não me estenderei mais. Gräns é um filme esquisito, de câmera trêmula e estética fria, com ótimas maquiagem e fotografia, roteiro bem construído e, do início ao final, nos toca a alma, deixando um retrogosto de inquietação. Confesso que o vi pela madrugada e, durante o sono, tive um sonho/pesadelo insólito de ganho e perda com a mulher amada. Vai-se entender...

Abraços insólitos e até a próxima.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Glória Feita de Sangue [ Cinema ] e Filmografia de Stanley Kubrick [ Livro ]


Glória Feita de Sangue (Paths of Glory) é um daqueles filmes que nos fazem ter vergonha de ser humanos, em razão dos temas abordados: guerra, falta de caráter, mentiras, oportunismo, inveja, vaidade e egoísmo. Aliás, esta ideia é transmitida pelo Coronel Dax - protagonista interpretado por Kirk Douglas - quando se pronuncia ao seus pares, em um julgamento fajuto no Tribunal Militar onde três inocentes serão condenados à morte apenas para satisfazer o ego dos Oficiais superiores e como forma de abafar o grande equívoco que fora a missão suicida, de um regimento francês, em tentar invadir o domínio germânico - durante a Primeira Grande Guerra - sobre a colina "Formigueiro", próximo à fronteira. Esta produção de Stanley Kubrick é curta e data de 1957, mas já podemos conhecer a genialidade do Diretor/Roteirista, bem como o perfeccionismo que se lhe tornou marca registrada.

O roteiro foi adaptado pelo próprio Kubrick do romance homônimo de Humphrey Cobb. A história começa como um típico filme de guerra, passa à narrativa de tribunal e conclui com o insensato fuzilamento de soldados franceses condenados - de maneira notoriamente injusta - por um plenário de seus compatriotas. Após o fuzilamento, vários militares vão se divertir numa área recreativa, onde a grande atração é uma garota alemã levado ao local contra sua vontade. Os homens, há tanto tempo sem mal ver uma mulher, se exaltam e a ofendem, ainda mais por pertencer à nação rival. Para entretê-los, ela começa a cantar, e nos dá uma das cenas finais mais bonitas do cinema: nenhum daqueles homens queria estar ali.

Aproveito estes comentários a Paths of Glory para sugerir uma ótima publicação acerca do cineasta e sua obra: Stanley Kubrick - A Filmografia Completa, da Coleção Taschen 25 Anos. O trabalho caprichado da editora de arte fundada na Alemanha agrada ao tato: capa dura com sobrecapa, papel cuchê, e ótima impressão em suas quase 200 páginas, no formatão 31,0 x 25,0 cm. O livro começa destacando os trabalhos fotográficos de Kubrick para, após, seguir cronologicamente cada uma de suas realizações no cinema. Trabalho para fãs, com textos bem escritos (no português lusitano, infelizmente), informações úteis e fotografias bem legais dos bastidores de cada um de seus filmes.






sábado, 6 de abril de 2019

Joaquin Phoenix e Alexandro


Pensava que minha vida fosse uma tragédia, 
mas agora me dou conta de que é uma comédia.

Acho curioso como filmes baseados no universos de meus amados personagens multicoloridos em papel jornal fazem sucesso atualmente, lotando sessões no cinema. Hoje, aliás, são impressos em formatos luxuosos, em álbuns com papel especial de elevada gramatura e capa dura. Às vezes, rola até sobrecapa. Mas meu primeiro contato com esses universos foram em formatinhos com miolo tipo papel jornal e impressão de má qualidade. Eu precisava ficar sem comer na escola para juntar dinheiro e comprar um gibi. Recordo disso com o coração inflado pela nostalgia, mas sem saudosismo. Eram tempos duros, onde tudo era inacessível. Convenhamos, por mais que você tenha apego à sua infância, este tempo é fantástico: produtos culturais à sua disposição a um clique, em suas mãos, num telefone celular. Como é gratificante poder comprar belas edições sentado no conforto de sua casa ou assistir a tanta coisa até mesmo gratuitamente, em boa resolução. Às vezes, sento à toa em frente da TV e fico vendo toneladas de filmes (A, B, C, D, E...) no Youtube, Nexflix ou Amazon. Isso quando não baixo algo em minutos via torrent ou em algum site.

Outra curiosidade: mesmo grato por essas facilidades, quase não vejo filmes do gênero que, nos quadrinhos, tanto amei. Não sei explicar o porquê. Para mim, são dispensáveis. Nunca assisti aos filmes do Capitão América, Mulher Maravilha, Vingadores e Aquaman, por exemplo. Ainda não vi vários dos X-Men e nem sei como anda a franquia. Contudo, fico feliz com a ascensão do gênero, pois isso estimula o mercado a investir cada vez mais, inclusive em HQs. E, claro, dentre tanta produção, pode sair coisa de qualidade superior. Assim, por exemplo, parece ser o que vi no trailer de Coringa, programado para o mês de outubro. Falaram muito sobre aquele vídeo com menos de três minutos por aí. Falaram até demais. Vi existirem vídeos com mais de uma hora de duração comentando a vinheta. Achei isso uma tremenda babaquice. Gostei bastante da postagem do Ozymandias Realista, especialmente pela associação com Chaplin e por não ter se estendido tanto. No trailer, gostei sobretudo da citação destacada em epígrafe a esta postagem. É que diz muito para mim. E, no dia em que vi o trailer, meu colega Alexandro se matou com um tiro na cabeça no quintal. E, à noite, fui ao seu velório de caixão aberto. Ele estava separado, tomando medicação controlada e, infelizmente, encheu a cara durante a madrugada. Já era fraco para bebida, como sempre me confessou. E no meio de uma crise de depressão e cheio de remédio tarja preta no rabo, não aguentou.

Tenho carinho pelo Coringa. Tanto que mantenho uma estatueta dele em meu modesto escritório há anos. O personagem é bem construído e felizmente esteve em mãos de muita gente competente, as quais lhe proporcionaram boas histórias. Em carne e osso, sempre ficarei com a teatralidade de Jack Nicholson, vez que o Batman de Tim Burton se destacou em minha infância e pude, no cinema, assistir aos seus dois filmes. Meu irmão, aliás, tinha aquela graphic novel com a adaptação oficial do filme. Na TV, criança, vi quase todos os dias o Coringa de Cesar Romero. Igualmente, este foi relevante para mim numa época em que nem gibi de heróis lia. Só que o grande Jack Nicholson dificilmente perderá o topo do pódio em minha memória afetiva. Achei o Jared Leto bicheiro uma porcaria e quanto a Heath Ledger não precisamos falar mais nada, pois sua atuação falou por si. E a visão de mundo de Coringa e "dos Coringas", creio, pode nos ajudar a encarar este mundo cão, insano. E penso que o Coringa de Phoenix poderia ter ajudado meu finado colega Alexandro em seus momentos de dor e talvez próximo à agonia final. Lembremo-nos: "Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo" (Ludwig Wittgenstein).



Embora goste do personagem, não sou imaturo ao ponto de enxergá-lo como alguém "negligenciado pela sociedade", "fruto do meio". Fruto ele é: mas podre. A vida é dura e o mundo é cruel. O estado natural do ser humano é a miséria, acaso não arregace as mangas e se vire nos trinta. Na aurora do homem, pais matavam os próprios filhos por um naco de carne ou por fêmeas para acasalar. Se você está de mal com o mundo, adapte-se a ele, o engula a seco, fuja para o mato e vá encarar a dura vida selvagem ou faça como o Coringa - que não me parece um vitimista: encare que a vida é uma comédia, delicie-se com o humor negro cotidiano e aceite pagar o preço por seus atos, sem esperar afagos e compreensão. Fico realmente cismado com pessoas desta geração floco de neve que teimam em ver coitadismo num personagem tão bem construído, caótico e insano ao máximo quanto o é Coringa.

Enfim. Há pouco tempo comentei da leva de amigos que se mataram. São duas postagens sobre isso: Boa noite e que Deus os abençoeSandman: desilusão, morte e responsabilidade. Muita gente boa buscou a saída mais rápida. A diferença para o ocorrido esta semana é que nunca fui aos velórios. Não gosto. E dessa vez, fui. Assim que acordei recebi a notícia do suicídio e, via Whatsapp, imagens do colega caído, cabeça estourada, de bruços na lama do quintal, entre a vegetação bonita existente por lá. Fiquei sem acreditar e a ficha só caiu mais tarde. Mas quando o vi no caixão, cabeça costurada na lateral, lábios fechados com a cola que dava para perceber e os olhos inchados, fiquei muito triste. Certamente "ficar triste" é o mínimo. Mas, para mim, quando uso esta expressão, é porque fiquei arrasado por dentro, tentando me colocar em seu lugar e tentando remoer em minha cabeça como diabos se chegou aquele ponto. Como se chega aquilo? Onde estamos quando não há mais nada onde se agarrar?

Ainda não tenho quarenta anos de idade, mas conheci o inferno. Fui lá a passeio diversas vezes, a contragosto. E sempre me apoiei em coisas etéreas e físicas para me manter lúcido (até o possível), mas firme e forte sobre as pernas. E justamente por ter sofrido tanto em tantos momentos é que luto pela vida. Se fosse para morrer fácil, que o tivesse sido na infância. Ou logo no pós-parto. Agora que atravessei tantas turbulências, quero mais é viver para, aí sim, sentir o sabor adocicado daqueles maus momentos e gargalhar de tudo enquanto encho a cara ou dou umas boas baforadas em meu charuto. Não curto muito livros de auto ajuda. Na verdade, acho tal linha uma bosta. Mas tenho minha auto ajuda nas coisas que gosto: pessoas amadas e queridas (sobretudo minha filha), meus bichos, obras de arte, natureza, boa comida e boa bebida e, claro, bastante poesia. Falei noutras vezes me apegar bastante a um soneto de Carlos Pena Filho, cujo início é: "O quanto perco em luz conquisto em sombra. / E é de recusa ao sol que me sustento.". Nossa cultura nos fortalece. Até mesmo obras da cultura pop nos ajudam, como a frase lá no alto, dita pelo Coringa de Joaquin Phoenix. Alexandro não precisava ter lido poetas como Bandeira ou Pena Filho para se manter em pé. Se tivesse visto este trailer como eu o vi no dia de sua morte, poderia mentalizá-lo e continuar suportando as porradas da vida. E, após a ressaca de tantos sopapos, sorrir de tudo.

Infelizmente, a vida de meu colega foi apenas uma tragédia, sem direito a deus ex machina que, de última hora, o socorresse. Descanse em paz, meu velho. Afinal, como disse sua mãe: "Agora ele pode descansar".

É isso.

sábado, 30 de março de 2019

Twin Peaks e a Magia Rúnica



Não entendo nada de magia rúnica. Nem tenho a intenção de me tornar iniciado em algo tão distante de minha natureza espiritual e de meu vocabulário. E assim, para mim, são as runas. Não faço pouco caso de quem se dedica a isso, é que apenas tenho pouco tempo (apenas uma vida) para me dar a tudo que gosto. E este tempo é deveras limitado. Mas gosto bastante de todas as mitologias por trás da mitologia de Twin Peaks, ainda mais após a leitura do excelente A História Secreta de Twin Peaks de Mark Frost, co-criador da série junto a David Lynch e seu principal roteirista. Comentei acerca do livro neste link e, ali, tentei indicar como 0 mesmo é essencial a quem pretende compreender o emaranhado de referências mágicas inspiradoras do show. Nada em Twin Peaks foi ao acaso.

Esses dias, lendo o pequeno Uthark - O Lado Noturno das Runas do controverso Thomas Karlsson, me deparei com a runa Odal e seus significados, significantes e significações. Conquanto Mark Frost, até onde sei, não comente este aspecto de sua realização, vi que esta runa possui íntima relação com o núcleo da simbologia da Coruja: anel, caverna e aparições. Esta runa pode se apresentar de maneiras variadas, alterando-se apenas a posição das "asas". Vejamos abaixo.




No livro de Thomas Karlsson, assim sintetizam essa letra, sua natureza e acepções:




Lendo a definição acima, como não recordar da densa floresta de Twin Peaks, seus gigantesco pinheiros (abetos-de-Douglas)? Ou a Dama do Tronco (Log Lady) comunicando-se com seu falecido marido desde que seu espírito ficou conectado aquele pedaço de madeira? Todo o mal emanado do Black Lodge encontra na noite da floresta maior força para perpetrar dor às descendências dos antigos habitantes do local. Aliás, a própria passagem para este espaço negro se faz mediante uma fenda no que nos parece um muro invisível, adornado pelas cortinas vermelhas. O culto às árvores e ao poder ancestral, à energia ancestral, é elemento não apenas implícito, mas explícito em Twin Peaks.

Amiúdes... Gostei de ter contato com este livreto sobre runas. Ao me deparar com a Odal, houve tal lapso com esta que é uma das maiores séries de TV realizadas e constatei, após breve pesquisa, que muitos também fizeram tal associação. Aliás, descobri que, em vários sites, o anel da coruja é vendido como adorno denominado viking. Além de alfabeto mágico, runas são unidades da linguagem nórdica antiga. Twin Peaks, enfim, não é apenas uma baita história acerca do sobrenatural e do confronto entre a maldade e a benevolência, cheia de belas mulheres como não se fabricam mais (imagens abaixo). De tempos em tempos, ao acaso, tropeçamos em novas referências e curiosidades. A cada dia, Mark Frost e David Lynch ganham mais nosso respeito, se é que eles precisam disso.

Fico por aqui. Abraços mágicos e até a próxima.









domingo, 10 de março de 2019

Magnólia


Se você não quiser deixá-lo ir, mandarei sobre todo
 o seu território uma praga de rãs.
Êxodo 8:2

O que podemos perdoar?
Jim Kurring

Não sei se Magnólia é a obra prima de Paul Thomas Anderson. Gosto de tudo o que ele realizou mas, para mim, o auge foi mesmo em Sangue Negro. Também tenho um carinho especial por Embriagado de Amor. Contudo, não há como negar que Magnólia passou batido à época de seu lançamento, injustamente. O vi há quase vinte anos, em VHS (eram duas fitas para caber três horas de película). Na época eu passava por uns momentos de dúvida e fé (nada perto de Pilatos, mas quase lá). Estava melancólico, pensando em largar a faculdade - ainda no início - e buscar o que realmente queria fazer da vida. E assistir-lhe me pôs mais para baixo ainda. Ou seja: veio em boa hora, sendo uma porrada na cara para me fazer acordar.

A razão pela qual o filme se chama Magnólia é simples e mostrada desde o início, no mapa: a banal avenida por onde, perto do final, várias vidas passam e tanto passaram. E a ligação entre todas essas vidas é a morte representada pelo canceroso Earl Partridge. Veja bem: tudo chega até ele, inevitavelmente. Dele vamos a Linda e Frank. Chegamos a Jimmy Gator, sua filha e esposa; e, de seu programa, presente na grade da emissora de Earl, tombamos com o ex garoto gênio Donnie Smith e o atual quiz kid Stanley. A partir da filha de Gator, Claudia, tropeçamos no policial Jim Kurring. E, numa avenida banal à noite, fica a metáfora: essencialmente, entre alegrias e tristezas, nessa banalidade grandiosa que é vida, todos participamos individualmente de algo maior, conectados com um mundo do qual fazemos parte mas que nos ignora. E, ao final, uma chuva de sapos nos dá o insólito, a chamada para que tudo pode acontecer e, assim, despertarmos da letargia ou adentrarmos nela, acaso despertos.

Costumou-se dizer ser Claudia a primeira personagem escrita por Anderson, a partir de onde todas nasceram. Pode até ser verdade e assim caminhou o pré roteiro. Contudo, finda obra, restou realmente o leito de morte do magnata Earl a ligar tantas vidas sofridas. E, da dor, a redenção. Acho que poucos filmes trataram tão bem acerca de redenção quanto Magnólia. E com direito a atuações excelentes, de todos, especialmente de Tom Cruise e Julianne Moore (trechos abaixo). Destacamos de certeza o elemento unificador de tudo e todos: as canções de Aimee Mann, escritas antes mesmo do roteiro e inspiradoras para o nascimento do longa metragem (clipe Save Me abaixo).

Costumo dizer que possuo uma relação íntima com Magnólia, pois me fez realmente muito mal quando o vi a primeira vez e, logo após, como um remédio amargo (venho tomado vários ao longo da vida), me curou. Além disso, gosto tanto de P. T. Anderson que um de meus gatos, falecido com onze anos de idade, chamava-se Paul porque estava passando Sangue Negro na TV quando o peguei ainda filhote. Durante quase um ano inteiro da faculdade, o wallpaper de meu computador K6 2 500 com tela de tubo foi a imagem acima desta postagem. Quando digo que esse filme passou batido é porque, mais à frente, o sucesso estrondoso de Crash (quase plágio da obra de Anderson), estourou. Certamente, Crash aborda tudo o que roliúde gosta: brancos maus, polícia fascista, capitalismo que mata na fila do hospital etc. Já em Magnólia, para variar um pouco, uma das poucas almas decentes é justamente o oficial Kurring.

Agora revi Magnólia na Netflix e fiquei satisfeito por encontrar algo assim numa plataforma tão popular e, quem sabe, dar ao público, em especial aos mais jovens, a oportunidade de apreciar essa maravilhosa obra da sétima arte.



terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A Livraria [ Cinema ] e o Conservadorismo


É curioso até onde chega o mau caratismo de autodenominados "antifascistas" que, no fundo, não passam de mimados criados em apartamentos aderindo, por modismo e ignorância, a discursos clichês e a movimentos esquizofrênicos. Seja lá quem escreve os resumos para a Netflix, por vezes, chega ao limite da canalhice. Ou o ultrapassa. Vejamos a sinopse para o filme A Livraria: "Inglaterra, 1959. Uma viúva decide abrir a primeira livraria da cidadezinha conservadora onde, apesar da oposição dos habitantes locais".

É assombroso ler algo assim, especialmente porque, creio, retardado algum escreveria uma história onde conservadores sanguinários promoveriam ações de represália a uma livraria para "combater as luzes" com suas "ideias tenebrosas" acerca de vida, família, cultura e política. Aliás, a filosofia conservadora é altamente sofisticada e seus maiores expoentes têm o respeito inexorável de qualquer estudioso até mesmo mediano. O conservadorismo político não tem nada a ver com sua opção por se travestir de mulher melancia em pleno meio dia, em horário útil, e ir ao supermercado assim, ainda que barbado. Conservadorismo parte do pessimismo de que a vida é complexa demais para ser modificada por ações experimentais de gabinete. Essencialmente, é isto. E vale a pena correr atrás de mais informações, pesquisar e estudar bastante para sair do lugar comum do “progressismo” de boutique acadêmico brasileiro e conhecer o mundo real, a começar pelo preço do quilograma de carne no açougue e o porquê de tal estipulação de preço. Já viram o preço do feijão esta semana? Procurem saber. Saiam da redoma confortável do discurso politicamente correto, das frases feitas de seu professor esquerdista que ainda mora com a mãe. Arregace as mangas e lute contra a matrix do coletivismo que apenas incha o Estado e os bolsos de políticos e burocratas para se intrometerem em sua vida privada, familiar e comunitária.

Aliás, a sinopse acima transcrita é tão medíocre que, no filme, descobrimos que a cidade possuíra livraria alhures, fechada após uma briga boba e provinciana, até mesmo cômica. E mais: os “malditos conservadores” locais não se voltam contra os livros, contra o conhecimento. Apenas a Senhora Violet Gamart, rica e prepotente, não quer o negócio na Old House, almejada por ela por razões, no fundo, escusas. Tanto que propõe à livreira que a abra noutro local e até sugere outro ponto. E, mais à frente, estimula que um aristocrata amigo seu inaugure concorrência na cidade. A pequena livraria, ademais, é um sucesso. Vive cheia de compradores e apenas Lady Gamart e meia dúzia de seus comparsas se voltam contra o negócio. Num determinado ponto, a publicação de Lolita de Nabokov chega a causar certo alvoroço, como era de se esperar e foi testemunhado por toda uma época. Mesmo assim, dezenas de pessoas adquirem o livro e o único imbróglio sobre sua exposição na vitrine do bookshop é estar causando problemas de aglomeração de pessoas em frente à loja, para passagem de pessoas e veículos. E, durante o início da trama, várias pessoas apenas a advertem que livro não é bom negócio porque as pessoas não gostam de ler, e não por "conservadorismo".

Por fim, destaco que quem arruína a vida da inocente livreira Florence Green é o... Estado, seus políticos e burocratas. Ela é acima de tudo uma empreendedora que arregaça as mangas para seguir com seu projeto lucrativo. Sim, a livraria precisa dar lucro para bancar o investimento e a hipoteca do imóvel. E Lady Gamart, Juíza de Paz, esposa de um General da Reserva e tia de um Parlamentar é quem consegue, mediante leis abusivas sobre setor imobiliário e fiscalizações burocráticas absurdas, fechar o pequeno negócio. Sem o Estado, com liberdade de Mercado, o pequeno negócio prosperaria. Pensem nisso, tolos autoproclamados antifascista, ao ver um filme como A Livraria apenas pelo viés revelado por seu professor #lulalivre ou diante de sinopses descuidadas assim, onde a Netflix dá lições de fascismo ao rotular o pensamento conservador de forma tão pobre e estúpida.

Por fim, destaco que o filme foi adaptado do romance homônimo de Penelope Fitzgerald.

Abraços conservadores e até a próxima.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Dellamorte Dellamore


A melhor saga de Superman escrita é o Supremo de Alan Moore. O filme mais Hellblazer a que já assisti foi Coração Satânico de Alan Parker. E o melhor filme de Dylan Dog feito é Dellamorte Dellamore, baseado do romance homônimo de Tiziano Sclavi, criador do personagem. Só que Supremo não tem Superman, Coração Satânico não possui relação alguma com Constantine e Dellamorte... é sobre a vida do coveiro Francesco Dellamorte e sua incessante luta contra os mortos que teimam em retornar após sete dias do sepultamento.

Dellamorte é Dylan Dog por ter o mesmo pai: Sclavi. E por outras semelhanças. Primeiro, que o personagem dos quadrinhos foi inspirado fisicamente no ator Rupert Everett (protagonista no filme). Além disso, se não fosse pela camisa branca, o coveiro teria idêntica caracterização. E o horrível revólver Bodeo Model 1889 também está presente, assim como o Fusca branco - embora não conversível. Só que, ao invés do Groucho das HQs arremessar o revólver em momentos de tensão, quem o faz no filme é o assistente Gnaghi. E não poderia ficar de fora uma femme fatale, assim como nos quadrinhos. No cinema, Anna Falchi dá corpo a She. Ou melhor: um baita corpaço.

Ainda quanto aos elementos de identidade entre os dois personagens, destaco o mote dos mortos-vivos. Este, creio, é o núcleo da origem, do que está por trás do passado nebuloso de DyD. E, claro, a HQ nunca foi apenas outra história de terror nas bancas. Penso que se trata de um personagem que transita pelo o surreal e o onírico com desenvoltura. A tangibilidade da realidade em Dylan Dog é questionada constantemente. E, igualmente neste ponto, Dellamorte segue a mesma linha.

Na verdade, Francesco Dellamorte foi o protótipo de Dylan Dog. Este surgiu em 1986 e aquele três anos antes. Ainda houve uma edição especial de DyD protagonizada pelo coveiro, trata-se de Orrore nero, de 1989. Nesta HQ, os personagens são apresentados como alter egos recíprocos, em enredos cruzados entre Londres e Buffalora. Ah, e enquanto o investigatore dell'incubo dedica uma vida a montar seu galeão de madeira em miniatura, o zelador italiano nunca conclui o crânio humano em pedaços sobre sua mesa.

Na trama, Francesco Dellamorte mantém em segredo o fato de que todos estão ressuscitando. E o faz por medo de perder seu emprego de zelador do local, onde aliás possui sua residência, também cedida pela prefeitura da pequena cidade de Buffalora. Uma dúvida persiste em sua cabeça: aquele fenômeno ocorre apenas regionalmente ou é mundial? Entre sepultamentos e embates com zumbis, topa com a enigmática "She", que lhe reaparece sob nomes diversos ao longo da história. Aos poucos, de terror, a produção dá uma guinada para o nonsense e, ao final, ainda consegue nos arrebatar questionando a existência, o mundo real.

Eu conhecia o filme mas só achei interessante recomendá-lo, aqui, após as últimas postagens sobre o investigador do pesadelo. É que o filme estrelado por Brandon Routh, além de meio boca, não tem nada de DyD, além do título. Recentemente resolvi assisti-lo novamente e acabei achando de graça para baixar. Para minha defesa: ainda procurei locar no Youtube, sem êxito. Se você tiver interesse em ver este divertido horror digno de medalha de ouro no saudoso Cine Trash da rede Band, visite este site. Ou acesse o canal de nosso parceiro dylandoguiano (vídeo abaixo) e veja pelo link ali disponível.

Foi bom revê-lo. Ainda mais porque eu achava que Rupert Everett falasse italiano. Só que agora, vendo os créditos, descobri que sua voz foi dublada pelo famoso Roberto Pedicini.

Até onde pesquisei, o romance escrito não teve tradução para o português sequer lusitano. É uma história curtinha, quase uma novela. Fica a sugestão para que uma editora como Darkside Books, especializada em terror/horror, o edite por estas bandas. Acredito ser este o momento mais que oportuno, diante da retomada de publicações dylandoguianas em nossas bancas e livrarias.

Abraços e... "Gna"!


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Pastoral Americana e o pensamento revolucionário


As campanhas à Presidência de Barack Obama contaram com pôsteres de Milton Glaser que, no fundo, representam muito bem o progressismo. A face estampada do líder político com slogans do tipo "Hope" ou "Forward". Progressismo é isso: clichês, palavras vazias, frases-feitas e lugares-comuns. Como diz Obama, "Avante, adiante". Mas à frente há um abismo onde cairemos. E daí? Adiante, pois o novo é sempre melhor que o velho e, mesmo sob dor, miséria e sofrimento extremo, chegaremos ao "fim da História", como o preconizado por Marx e Engels em seus estudos permeados de paralaxe cognitiva (para recordar Olavo de Carvalho). Aliás, o marxismo é tão frágil que se converte em seu oposto tantas vezes quanto for necessário, desde que se preste ao momento, para fins políticos de tomada e manutenção do Poder. A isso convencionamos chamar de progressismo, diante da falência de vocábulos como "comunismo" e "socialismo".

Saul Alinsky, agitador comunitário norte-americano, tutor ideológico de Obama e Hillary Clinton, acreditou que, para refazer a América à imagem e semelhança de seus sonhos mais sombrios, modificando toda a superestrutura (social, política e econômica), seria relativamente fácil após a parte mais lenta e difícil: ocupar nichos na fonte real de poder, sendo esta a ética judaico-cristã plantada pelos fundadores da nação. E ele foi muito feliz nisto, de onde resultou movimentos como o Weather Underground, por exemplo.

É enfraquecendo unidades como família, comunidade e pequenas empresas que as grandes fortunas podem prosperar junto a agentes políticos e burocratas que aumentaram cada vez o tamanho do Estado para intervir na desordem que, justamente pela constante interferência estatal, nunca terá fim. É isso, basicamente, que está nos bastidores da trama de Pastoral Americana, filme dirigido e estrelado por Ewan McGregor, baseado no romance homônimo do magistral Philip Roth. Na história, Seymour "Sueco" Levovo - fabricante judeu de luvas e adepto de causas sociais nobres - casa-se com a rainha da beleza local e torna-se pai de Meredith, uma garota com problemas de fala que, bem jovem, vê-se consumida pela cultura revolucionária em sua maior efervescência. Aos poucos, descobrimos que a influência de sua terapeuta - esta, associada a movimentos radicais de extrema violência - foi preponderante para isso. Inicia-se aí a derrocada de uma família branca tradicional norte-americana.

Os Estados Unidos, há décadas, são os maiores exportadores de cultura marxista, sobretudo por meio de pautas politicamente corretas made in ONU e sua agências. A chamada contracultura, de origem em pensamentos como os disseminados pelos expoentes da Escola de Frankfurt, foi fundamental para isso, criando monstros sociais como os Black Panthers, "legenda" que, aliás, possui participação discreta - porém, fundamental - na trama de Pastoral Americana. McGregor foi sutil em referência a essa agremiação supremacista e terrorista. Um pedaço de pôster no consultório da psicanalista Sheila Smith é indicativo de contato com os Panteras e, possivelmente, Meredith teria sido vítima de estupro coletivo por eles, quando em fuga. Aliás, os atos de violência sexual dentro dos Panteras Negras eram corriqueiros, especialmente sobre mulheres brancas. Como exemplo, lembro que a grande crise ideológica de David Horowitz - de fundador da new left americana à voz da corrente liberal conservative - deu-se após o brutal assassinato de Betty Van Patter pelo grupo extremista.

No filme, tomamos contato com a psicopatia do pensamento revolucionário. A amiga de Meredith, Rita Cohen, também serve bem a esse propósito. Em todo o seu devaneio radical chic, é apenas uma jovem bon vivant com frases-feitas e pensamentos pré-formados sobre o mal do "capitalismo" e da família tradicional branca norte-americana. Ela vive curtindo a liberdade do regime de mercado enquanto destila mantras leninistas.

O atentado a grocery local, também posto de gasolina e agência postal da cidade, é emblemático. Na ocasião, um trabalhador que acorda cedo todos dias e rala para sustentar a família - sem devaneios utópicos e com os pés no chão sobre o que são a vida e o mundo - vem a óbito. Ele havia acabado de hastear a bandeira em frente ao seu negócio e sua família amargará para sempre este final trágico devido à esquizofrenia revolucionária. E Seymour "Sueco" Levovo verá sua família se desmoronar. No final, como na revolução, só restarão destroços.

Assisti a este filme por recomendação de meu velho amigo Alex Quintas. E o recomendo a todos. Sua passagem pela Netflix foi estranhamente curta. Porém, dá para encontrar no Youtube para locação. Pretendo também ler o romance.

Abraços e até a próxima.