quarta-feira, 10 de novembro de 2021

O motor da História em Isaac Asimov


Imagem de meu acervo particular.

Fundação é uma espetacular série de livros escritos por Isaac Asimov durante décadas esparsas. Sedimentado numa trilogia nuclear (os três primeiros volumes), possui quadrilogia escrita mais à frente, complementando o universo ficcional com maestria (duas sequências e duas prequelas). Confesso que a trilogia primeva nos parece meio anacrônica, nos dias atuais, quando imaginamos o futuro da humanidade. Contudo, isso é comum a toda obra de ficção científica, que pode apenas dar pitacos acerca de nosso avanço tecnológico. O que escrevemos hoje sobre ficção científica, por exemplo, parecerá desconexo num futuro até mesmo próximo.

A mote de Fundação é este: a humanidade dominou as estrela e habita milhões de planetas juntos a milhares de sóis. Não sabemos sequer nossa origem e a Terra é vista, a princípio, como mito. No início da trama, tudo gira em torno do Império Galáctico, com mais de vinte milênios de poderio hegemônico, em todas as áreas da vida humana. Esse, por sua vez, será extinto em poucos séculos e quem descobre isso é Hari Seldon, psicólogo. Por psicólogo entenda um estudioso da psico-história. Por meio desta ciência sócio matemática, é possível antever grandes movimentos de massas sociais, com precisa informação de margem de erro. A ideia, aliás, não é boba. Certamente, não podemos "adivinhar" o que Seu Zé fará amanhã no boteco da esquina. Mas grandes massas podem ter seus movimentos antevistos analisando-se a História e conhecendo-se um pouco da psique coletiva. Além disso, Seldon (e os que viriam após sua morte, herdeiros de seu Plano) teriam milênios de evolução tecnológica para elaborar cálculos precisos (computação quântica?). Sabendo do fim do Império e que mais de trinta mil anos de barbárie seria instaurada em todo o universo conhecido, Seldon tem um plano (O Plano Seldon): fundar duas instituições que não conseguiriam impedir a bancarrota, mas, sim, ao menos evitar que o claro do Império se desse por trinta milênios, mas apenas por unzinho e até mesmo com certa ordem social cósmica durante o período de "trevas". A primeira Fundação é criada no planeta Terminus (nos confins da galáxia); a segunda Fundação permanecerá com localização incerta durante séculos.

Ainda acerca de leis de movimentos sociais massivos, penso bastante no velho provérbio (origem incerta): "Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes". Não seria improvável que gerações mais evoluídas intelectualmente e com poderosos instrumentos de cálculos compendiassem bilhões de diretrizes sociais assim - separando o joio do trigo - para antever o futuro. Acredito piamente que, no futuro, análises assim serão realizadas em realidades simuladas. Isso se já não habitamos alguma simulação, onde esqueceram de me fazer multimilionário e feliz proprietário de um pau com 24 centímetros.

Posteriormente à trilogia inicial (e nuclear), os dois volumes com a sequência do universo enriqueceram a trama substancialmente. Até mesmo o Plano Seldon foi descaracterizado. Nos livros com prequelas, o mesmo foi feito. Mas não foi ruim. Tudo se encaixou no universo literário de Asimov (robôs, expansão espacial, a existência dos Eternos etc.). Mas não vou me estender aqui sobre isso. O importante neste momento é o motor da História na visão de Asimov e como, de certa forma, essa busca por engrenagens em nossa evolução influencia nossas vidas cotidianamente. Grandes fortunas e líderes progressistas trabalham no assunto a todo vapor.

Eu não vinha pensando em Asimov há certo tempo. Mas então vi meramente por acaso a sugestão da série Fundação num aplicativo e constatei ser a adaptação dos romances para série distribuída pela Apple TV+. Não vou assisti-la, obviamente, porque tenho pouco tempo para empreender em algo que tem grandes chances de ser uma bosta. E acho estranho levar Fundação à tela. O tempo passa rápido nos livros. Entre um e outro romance, passam-se séculos (salvo engano, em torno de seis, sendo que após o décimo seria instaurado o Segundo Império Galáctico, conforme o Plano original, não sem antes a intervenção da inteligência coletiva Gaia - mas isso também é outra história...). Levar algo assim para um seriado retira o principal do projeto em tal plataforma: o apego que o público precisa nutrir por personagens, durante várias temporadas). Pode ser que consigam bons resultados, com bastante lacração contemporânea onde até os robôs farão empoderamento pelas cores de suas fuselagem ou porque querem trocar pintos biônicos por vaginas de funil galvanizado. Mas, francamente, não quero mesmo gastar horas e horas para analisar isso.

Asimov foi, essencialmente, crente no mundo sem fronteiras. Foi além: uma galáxia onde todos viveriam felizes, em perfeita comunhão, ouvindo "Imagine" no éter. De certa forma, seria um H. G. Wells cósmico, com todos os vícios sobre a necessária comunhão de povos, mesmo que a fórceps e sob a batuta de classes intelectualmente iluminadas. E isso, para mim, é antinatural e quase maquiavélico. Para mais, sugiro o que já escrevi sobre H. G. Wells

Ver a notícia do seriado me lembrou essa sanha macabra em se dominar o curso da história a todo custo, suprimindo-se a liberdade, sob pretexto de promovê-la. Na trama, a Segunda Fundação evoluiu sem grandes avanços tecnológicos (diferentemente da Primeira, próspera em avanços técnicos). Ela foi pensada como poderio mentálico: o supremo comando do poder da Mente sobre tudo. Assim, semioculta, as forças mentais dos Oradores da Segunda Fundação procuraram contornar todas as possíveis crises sociais e militares para que o Plano Seldon promovido pela Primeira Fundação não saísse dos trilhos. E isso ainda seria pouco para Asimov: outra grande inteligência coletiva (inspirada por antigos robôs super evoluídos) suplantaria tudo, levando a humanidade à homogeneização total, a nível universal. Não haveria mais "eu", mas apenas "nós". Plantas, insetos, estruturas edificadas, todos os animais e até mesmo os homens seriam somente manifestação celular do grande organismo Galáxia (ou Galaksia, superorganismo interplanetário).

Hoje, estamos à beira do abismo da homogeneização social. Você não terá nada e será duplamente infeliz, enquanto grupos iluminados decidirão os limites de sua miséria existencial. Por anos, grandes pensadores sonharam com isso, se esforçando para impulsionar o motor da História a todo custo, promovendo banhos de sangue, miséria e sofrimento de toda ordem para chegar a "reFundação" da Terra. Certamente, os avanços tecnológicos permitiram acelerar o processo. E isso também me recorda como em Fundação e Império (segundo livro da série), alguns mandachuvas da Primeira Fundação pensaram em "acelerar" o processo histórico para instaurar o Segundo Império Galáctico mais brevemente, algo que também foi pensando pela líder de Terminus (Prefeita Harla Branno) em Limites da Fundação.

Atualmente, a editora Editora Aleph (fundada pelo grande Pierluigi Piazzi, o Asimov brasileiro - conquanto nascido em Bolonha) possui diversos formatos para a coleção Fundação, além de outras obras do autor. Há pouco tempo, aliás, saiu belíssimo volume (edição única) com os três primeiros livros. Mas, se você quiser ler todos, recomendo a caixa com os sete livros. Aliás, há algum tempo, venho achando livros volumosos meio incômodos para manusear durante a leitura. Penso que caixas com vários livros finos são mais interessantes. Certamente, não faltam também opções "de grátis" por aí, para ler no conforto dos e-readers. O Kobo, sem dúvidas, foi o melhor presente que ganhei até hoje. Percebo que o Lev sumiu do mapa e que, hoje, o Kindle seria a melhor opção para ler no formato eletrônico.

Para ler Fundação, há mais de um caminho. Você pode ler, antes da trilogia nuclear, as prequelas, sem qualquer prejuízo aparente, por exemplo. Entretanto, recomendo a leitura na ordem de lançamento dos livros, conforme capas abaixo. Para expandir o Universo Asimoviano, recomenda-se a leitura da "série dos robôs" (constituída pelas obras As Cavernas de Aço, O Sol Desvelado, Os Robôs da Alvorada e Robôs e Império) bem como o romance O Fim da Eternidade. Nunca li a série dos robôs, embora tenha vontade. Talvez algum dia retire este atraso.

É isso. Abraços robóticos e até a próxima.

Imagem de meu acervo particular.


9 comentários:

  1. ótimo post
    li alguns livros de asimov na adolescência, inclusive alguns ensaios.
    Asimov provavelmente é escritor mais produtivo da história e tinha uma inteligência fenomenal.

    Asimov, star trek e outros da antiga ficaram anacronicos, mas é natural dada a época da produção e mentalidade: acho que esse sentido de estranheza é um brinde no mundo de hoje hiperconectado em inutilidades

    "Pierluigi Piazzi" - li alguns livros dele e ainda tem palestras ótimas sobre como aprender no youtube

    abs!

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    1. Olá, Scant!
      Nunca li ensaios de Asimov. Sua produção, salvo engano, ultrapassa centenas, dentre ficção e não ficção, além de muitas obras sobre astronomia (embora tenha sido Químico).
      O YT está cheio de material com Pierluigi. Mas confesso que não vi muita coisa dele.
      Abraços!

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  2. Olá, Neófito.

    Também tenho esse box com 3 volumes. Comprei faz muito tempo e nem sabia que haviam esses 4 livros extras.
    De Asimov li a fundação e li também a coleção Eu, Robo. Não sou o maior fã do assunto espacial, mas me diverti bastante lendo fundação durante os primeiros anos de faculdade, quando ficava preso no carro esperando acabar o rodízio dentro da cidade para poder voltar para casa.
    Fico imaginando se isso de realidades e simulações fossem verdade. Poderíamos estar num sonho ou somente dentro de uma máquina e nem saber? Qual o objetivo da máquina em criar gente e dar a possibilidade de pensar a elas? Mesmo pensando, estariam os nossos futuros já desenhados?
    Enfim, muitas perguntas e poucas respostas.
    No fim, essa simulação chamada vida está uma grande de uma bosta, ultimamente kkkk

    Abraços!!

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    1. Fala, Matheus.

      Felizmente, nunca li dentro de um carro paralisado por grandes trânsitos. Detesto trânsito. Detesto mais ainda grandes cidades. Quando estou em uma, deixo meu carro guardado e pego Uber. O motorista que se estresse e corra os riscos.

      Também quase nunca peguei ônibus e metrô em minha vida. Mesmo crescendo numa cidade relativamente grande, morava perto da escola. E esta era a única obrigação que eu tinha.

      Imagino um grande jogo de videogame onde players pudessem interagir conosco, bonequinhos eletrônicos. Algo como no filme 13º Andar. Pq fazer isso? Ócio, pesquisa pura, investigação social, mero lazer. Vai-se saber o que se passaria em mentes evoluídas e possuidoras de computação talvez mesmo além da quântica. É divertido pensar no assunto…

      Talvez sejamos o passado simulado. E o passado dessas pessoas tenham sido mesmo uma bosta.

      Abraços!

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  3. Olá, Fabiano.
    Sim, haverá a a reunião de vários programas sociais em um só, de certa forma. Essencialmente, mudarão o nome Bolsa Família. Espero que aproveitem o momento para recadastrar todos e enxugar o número de beneficiados.
    Creio que vc gostaria da narrativa, mesmo não sendo seu foco de leitura (scifi).
    Curiosamente, "destino" é algo associado à simulação. Logo, bem pertinente seu comentário.
    Sim, há espaço para amor, sexo, amizades, etc. Como é uma obra extensa, destaquei apenas o que chamo de "motor da História".
    Abraços!

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  4. Excelente matéria, Kleiton!

    Tenho q criar vergonha na cara e ler a "Fundação" um dia, rs... O mesmo vale pra "DUNA"!

    Abs!

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    1. Fala, LEO.

      Pretendo ler Duna, mas apenas o primeiro romance. Mas farei isso em alguma versão eletrônica gratuita!

      Abç!!

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  5. Isaac Asimov descreveu Carl Sagan como uma das duas únicas pessoas que conheceu cujo intelecto superou o seu. O outro, segundo ele, era o cientista da computação e especialista em inteligência artificial Marvin Minsky.

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    1. Me interessei por Marvin Minsky quando vi uma referência a seu respeito em Arquivo X. Até então, nem sabia quem era.
      Asimov era humilde, hein? Rs

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