domingo, 9 de maio de 2021

Silent Hill, culpa e punição

 

Quem está preso?

Concluí Silent Hill 2 e 3 há semanas e, ainda hoje, me vejo pensando sobre esses dois jogos, especialmente o segundo. É certamente uma das melhores histórias acerca de culpa e punição que já vi. Dostoiévski teria gostado, creio. Acho difícil resumir a história do jogo e minha percepção sobre ela. Mas tentaremos.

Começo a trama num banheiro sujo de estrada, olhando para o espelho. Sou James Sunderland e estou para ingressar na cidade Silent Hill, após receber carta de minha falecida esposa, supostamente definhada até a morte por alguma doença escrota, há três anos. Mas ela afirma estar viva e quer me encontrar no hotel Lakeview, onde passamos férias em tempos distantes. Para chegar até lá, transito por toda a cidade, topando com ruas interditadas, portas inacessíveis e criaturas esquisitas. E nevoeiro. Bastante nevoeiro. É um parto de labirintos e quebra-cabeças dentre parques, ruelas e condomínios. Os únicos viventes, ali, são Angela, Eddie e Laura (se bem que, creio, esta última existe apenas em minha cabeça). Finalmente, após uma via crúcis, encontro minha esposa na forma de entidade tenebrosa e preciso dar cabo à sua vida. Em resumo (bem resumido e objetivo), é isso.

A história acima, resumida, é simples. Mas há várias camadas sob tudo, assim como a imensa quantidade de portas que precisamos abrir para evoluir no jogo. No trajeto, conhecemos Maria, mulherão no auge de sua beleza e que nos acompanhará (e nos provocará) durante parte da jogatina. Ela adoecerá, mas ficará saudável apenas para morrer, duas vezes, à nossa frente. O carrasco é um estranho estuprador de monstros com pirâmide de metal na cabeça. Precisaremos matar o Eddie (gordinho psicopata) para não morrermos e testemunharemos o suicídio de Angela, jogando-se às chamas, após compreendermos que ela cometeu parricídio devido aos abusos sexuais sofridos na infância.

Silent Hill 2 é sobre isso, então: punição. A cidade atrai pessoas que se sentem culpadas por algo e precisam ir até lá para receberem suas penas. James, na verdade, acabara de matar sua esposa doente e, transtornado, foi à cidade achando que iria revê-la (mas, no fundo, ia em busca de retribuição). Maria existiria apenas em sua mente, como representação do que foi sua esposa, quando no auge da sensualidade. Eddie matava pessoas após enlouquecer devido ao bullying sofrido quase toda a vida; e a cidade também o convidou. Ângela não merecia estar ali. Mas seu estado de culpa (e um pouco de autocomiseração?) a levou para lá. Todos vão compreendendo, aos poucos, que estão ali para sofrer. Mas a ficha só cai para James bem tarde.

O bizarro personagem Pyramid Head (carrasco violador de monstros) - descobrimos mais à frente - foi visto por James há anos e anos, num quadro do museu local, quando de férias com Mary e hospedados no hotel Lakeview. Seria o carrasco perfeito para puni-lo e matar Maria duas vezes na sua frente, para fazê-lo lembrar quando ele próprio matou Mary, após tanto vê-la sofrer e definhar aos poucos.

Quem leu Sandman de Neil Gaiman se recorda de Lúcifer quando, ao abandonar o Inferno, revela a Sonho que nunca levou almas para aquele lugar. As almas iam chegando por suas vontades, de maneira espontânea, como forma de autopunição. Silent Hill, de certa forma, é este Inferno, mas onde não precisaríamos morrer para chegar lá.

Silent Hill 2 possui dois cenários. A matriz é a maior parte, a história do James. Foi subtitulado como Letter From Silent Heaven. O sub-cenário pertence a Maria e chama-se Born From a Wish. Este título diz muito sobre sua origem, oriunda do desejo de James em ter, de volta, sua bela e saudável esposa. É uma história curtinha, onde iniciamos sozinhos na boate local (Heaven’s Nigth) e vamos à casa de Ernest ajudá-lo numa espécie de exorcismo contra si mesmo e sua filha. Foi neste sub-cenário que gravei o vídeo abaixo, apenas para mostrar um pouco da atmosfera do jogo: belo e sufocante.

O mais curioso é que, na história com Maria, esta nos é mostrada como ser consciente, mesmo sendo criada a partir das neuroses de James. De certa forma, ela passou a existir a partir do querer de James. O jogo possui vários finais, aliás. E, num deles, podemos deixar Silent Hill com Maria e, a partir dali, punidos e (talvez) redimidos, continuaremos nossas vidas, mas a dois.

Silent Hill 2 e 3 são jogos difíceis. Travei várias vezes tentando compreender como evoluir nas campanhas e resolver quebra-cabeças complicados (mais devido à baixa qualidade gráfica, penso, onde o mundo à minha volta não ficava tão claro). Mesmo assim, vale a pena. Já ando com saudades e penso em jogar tudo novamente!

Abraços punitivos e até a próxima.

4 comentários:

  1. Olá Neófito, tudo bem?

    Esse é um dos jogos que sempre me martirizei por não ter jogado. Silent Hill foi um grande jogo da época em que eu era mais jovem. Hoje, acho que não consigo mais jogar esses joguinhos com gráficos antigos. Tentei uma vez Resident Evil 4 e já fiquei meio cansado. Acho que me acostumei demais com esses gráficos de "última geração" para voltar atrás.

    Acho que todos nós temos alguns demônios que nos punem. Talvez, buscar redenção sobre nossos atos e pensamentos menos nobres seja o verdadeiro motivo de viver. Caso não consigamos, acabaremos indo ao inferno (se é que a Terra já não seja ele para alguns, tenho minhas dúvidas).

    O inferno é uma escolha, como cita o demônio de Sandman, mas é uma escolha da maioria, devido a falta de coragem para o perdão e para fazer a coisa certa. Pois fazer o certo, o justo, geralmente não nos favorece, não nos é vantajoso.

    Maria é essa coroa da primeira foto?? Digo "Coroa" pois já está com os cabelos esbranquiçados. Essa saia de oncinha não cai bem em uma senhora kkkkk

    Abraços!

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    1. Fala, Matheus.

      Quando retornei a jogar, fui logo para Red Dead II e jogos com gráficos similares. Mas queria jogar muita coisa antiga e não tinha como fazê-lo sem ceder à pobreza tecnológica da época. Foi uma resistência boba e passageira. Logo, estava me dando bem como todos aqueles gráficos e mecânicas antiquados, e me divertindo bastante. O problema é, como dito na postagem, que isso causa dificuldades na jogabilidade. Para solucionar alguns puzzles, precisamos observar bem o mundo à volta. E a pouca qualidade gráfica pode nos confundir.

      Zerei RE4 no PS4. Meu irmão recomendou. Quando comecei a jogar, desisti. Aí deixei o logo de lado uns dois meses. Depois voltei a ele e me envolvi bastante. Recordo que zerei rápido, jogando em torno de cinco horas por dia. Hj, joguei todos os REs, exceto o atual Village (muito caro, no momento) e o quinto, pois não gostei do muito que pesquisei antes de comprar. É muita ação e aventura. Não gosto. O 4 tem bastante aventura. Mas o clima é gostoso.

      “O inferno são os outros”. Ou seja: aqui na Terra ou no próprio inferno, onde seremos condenados a conviver eternamente com almas sebosas. Numa concepção gnóstica, esta existência, em si, não deixaria de ser uma forma de inferno.
      Sobre: “devido a falta de coragem para o perdão”, isso me lembra o Silent Hill 3, não comentado na postagem, pois foquei no segundo jogo. Nele, podemos perdoar a Claudia Wolf, cultista que mata o Harry (o protagonista do primeiro game). Fiz essa opção e tive um final “bom”.

      A Maria é jovem. É tão loira que nas imagens (ainda mais de cutscene), fica com os cabelos quase brancos. É uma tentação de mulher. Se houvesse um remake deste game, acredito que seria espetacular.

      Abraços!!

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  2. https://www.youtube.com/watch?v=BFVY7gt7qWY&ab_channel=allall1987

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