sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Despedida de Avalon [ trechos de um romance inacabado ]

Imagem de OpenClipart-Vectors por Pixabay

 I
    - NO CU, NÃO!

   Berrou Maria Valentina, de quatro, olhando para trás e encarando Enzo Gabriel. Como ela era empoderada, como costumava divulgar aos quatro cantos mesmo sem ser consultada, então prevalecia o "meu corpo, minhas regras". Ele ainda tentou: "Vou por só a cabecinha".

     - Garoto, como diz mamãe, rola não tem ombro. Depois da cabeça o restante entra junto.

     Até havia vontade em experimentar. Ela sempre se sentiu inferiorizada por não tomar atrás. Afinal, se homens davam, por que não ela? Mas as colegas que já deram eram uníssonas: "Dói pra caralho". Não importava se até Karl Marx já havia sido cadela de alguém (com aquela barba pentelhuda era difícil imaginar isso; só que não impossível). Nem se toda a Escola de Frankfurt costumava levar na bunda. Por trás, necas! Mas Enzo Gabriel foi mais esperto e alfinetou: “Até Enzo Emanoel da rua de baixo dá. Você é muito molenga”. Para ela, foi o estopim:

       - Mete, porra!

      E o colega de infância atendeu à ordem, para desgosto de Maria Valentina. Além de bem dotado, ele estava longe da ideia de ejaculação precoce. Não era bem essa a maneira que ela imaginava para quando perdesse as pregas. Isso deveria ser feito com alguém especial, talvez um noiado dos bairros menos favorecidos... E não ali, no quartinho da área de serviço, enquanto estava meio grogue em razão de duas Heineken e um beque. E, para quebrar de vez com o encanto da perda de sua segunda virgindade, sua amiga de faculdade Valentina Sofia observando tudo, filmando com o iPhone, enquanto tragava todo um maço de Black ensebado que empesteava o cubículo. Mas nossa garota gostava de desafios. E aquele seria apenas mais um em sua vida.

       Do lado de fora do quartinho, era festa no apê.


II

    O som tocava alto, o suficiente para seu Mathias – porteiro – subir duas vezes as escadas até o terceiro andar, bater forte na porta e gritar: “Abaixa esta merda, seus arrombados”, ao que todos gargalhavam, enquanto ouviam um pot-pourri indecifrável, vindo ora das caixas acústicas ora dos celulares. Havia indícios de bom gosto com Black Sabbath e Os Novos Baianos numa ponta; e sertanejo e funk noutra. O funk mais lixo, mesmo, daquele produzido pelos pseudo-sofridos que desfilam em comunidades dirigindo Pajero e Camaro, sustentando cinco quilogramas de ouro no pescoço e mais dez de pó nos pelinhos das narinas, enquanto cantam as desigualdades sociais que levam os "manos" ao crime.

    As meninas empoderadas detestavam funk, mas valorizam as fanqueiras que faziam o que bem quisessem com seus corpos e suas almas. Não sabiam explicar bem se aquela exposição de bundas e xotas em shorts minúsculos tinha algo a ver com Simone de Beauvoir. Ah, mas à porra com tudo aquilo. O importante é que cada corpo é um templo cheio de santinhas; e, no caso, elas eram iconoclastas.

    Foi esse inferno melódico que impediu as pessoas amontoadas na sala e cozinha de ouvirem os urros de dor de Maria Valentina, enquanto levou em torno de vinte minutos para arrebentar cada uma das preguinhas bem tratadas com talco da mamãe. Valentina Sofia estava ali apenas para gravar, pois nada que tivesse um “macho” envolvido lhe interessava realmente. E, findo o show, enviou a gravação para o grupo “Cabaret Comunicação Social” do Whatsapp. 

       Tudo se espalhou como vírus em menos de um dia.

5 comentários:

  1. "Karl Marx já havia sido cadela" - kkkkkk

    funk é a trilha sonora do inferno

    " Tudo se espalhou como vírus em menos de um dia." - e foi parar nos xvideos

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    Respostas
    1. Há quatro coisas que não voltam atrás:
      a pedra, depois de solta da mão;
      a palavra, depois de proferida;
      a ocasião, depois de perdida;
      e o tempo, depois de passado.
      E O QUE CAIU NA NET!

      Orazio Riminaldo, adaptado para os dias atuais...

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  2. "Ainda saio por aí comendo alguns"

    Vc essa sua tara em pelos. kkkkkkk

    Abraços, Fabiano!

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