domingo, 22 de janeiro de 2023

Eu vejo tudo que se foi e o que não existe mais


A televisão me deixou burro, muito burro demais
Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais
Titãs

Há quinze anos, acho, não vejo TV aberta. Na verdade, nem fechada. Nenhuma forma de TV. Já quase não via há muito tempo que esse mencionado. Fui me afastando aos poucos, naturalmente. Não me fiz tal imposição tipo "preciso largar a televisão". Mas, desde o advento do acesso à banda larga, um de meus passatempos é assistir a intervalos comerciais (especialmente da Rede Globo). Acho que já falei sobre isso por aqui. É que, sim, a TV foi importante para todos nós. Ela era sacana, nos manipulava, segurava os melhores filmes para o final do ano (anunciados desde o janeiro), estava cagando para o público. Afinal: não tínhamos opção. Estávamos nas mãos das emissoras.

Felizmente, havia bastante criatividade ainda vigente. As agências de publicidade eram criativas. Os comerciais de minha infância se tornaram ícones. Num post anterior, destaquei conseguir reconstruir parte de minha infância com comerciais de Coca-Cola, por exemplo. Na verdade, posso reconstruir com toneladas de comerciais diversos. E também com telenovelas, como mencionei em D'O Berço do Herói a Roque Santeiro. A televisão tinha coisa boa dentre o lixo, e valia a pena, creio.

Penso nisso agora porque estou finalizando a sétima temporada de Fear the Walking Dead (é missão de honra concluir aquela porqueira) e minha esposa estava vendo, hoje, o primeiro episódio de The Last of Us - ela é apaixonada pelo jogo, tendo-o zerado duas vezes. E fiquei pensando como às vezes dá saudade uma vinhetinha. Sim, a vinheta. Antes de cada programa, alguma vinheta, como tínhamos em Tela-Quente, Sessão da Tarde, Vale A Pena Ver de Novo etc. Vinhetas mexem comigo lá no fundo da alma. Me levam a várias épocas ao mesmo tempo (tudo ao mesmo tempo agora, para citar novamente Titãs). Parece estúpido mencionar isso, claro. Qual o sentido de vinhetas em serviços de streaming? Nenhum. Mas às vezes me vejo pensando bobagens assim nas horas mortas.

A vinheta que mais me toca é a do Super Cine, com aquelas películas se desenrolando ao som de algo parecido com jazz, bem suave. Cresci achando se tratar do trecho de alguma peça famosa. Mas depois descobri ser criação de Roger Henri, sob encomenda da Globo. Ou seja: os caras prezavam por qualidade, realmente.

Acho que a TV de minha juventude não me emburreceu. A de hoje, creio, faria isso. E a internet, embora me possibilite o acesso a todos os ângulos de uma mesma história, está me cansando. Falo isso há uns dois anos. Mas me parece que, mais do que nunca, seria bom mesmo dar um tempo no acesso regular à internet e à produção de conteúdo, por mais que isso me dê prazer. Programo fazer isso, creio, este ano, após deixar blogue e canal em relativa ordem e concluir a subida de alguns conteúdos já prontos.

Abraços nostálgicos e até a próxima.

* * *

Barcos de Papel
Guilherme de Almeida

Quando a chuva cessava e um vento fino
Franzia a tarde tímida e lavada,
Eu saía a brincar, pela calçada,
Nos meus tempos felizes de menino

Fazia, de papel, toda uma armada;
E, estendendo o meu braço pequenino,
Eu soltava os barquinhos, sem destino,
Ao longo das sarjetas, na enxurrada…

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
Que não são barcos de ouro os meus ideais:
São feitos de papel, são como aqueles,

Perfeitamente, exatamente iguais…
– Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!