sábado, 5 de setembro de 2020

Encadernados brazucas de Alan Moore


A imagem acima é de meu acervo pessoal. Este é o nicho batizado de "muriano". Ainda possuo outras publicações do barbudão, como A Saga do Monstro do Pântano (volumes Panini e Brainstore), os dois volumes de Promethea (Panini, embora eu também tenha algo da Pixel) e outros bagulhos que agora não recordo e não catarei no meio da tralha.

Analisando postagens disponíveis no blogue anterior, me deparei com a transcrita abaixo, onde comentei brevemente acerca de minha biblioteca alan-muriana. Faz anos que a escrevi (acho que mais de sete). Até então havia, editado por aqui, pouco material do escritor. Felizmente, isso mudou. O que há de novos/velhos títulos publicados por nossas editoras não é pouco. Me assombra, no entanto, o fato de espremerem o bagaço até o final para extrair o máximo do nome do barbudão. São títulos como, v.g.Bojeffries: A SagaHistórias BrilhantesMaxwell: O Gato MágicoCinema PurgatórioChoques Futuristas. E a tendência é que continuem assim: raspando o tacho em busca de obras obscuras e insignificantes e republicando em vários formatos os "clássicos".

Ah, essencialmente, acho positivo tudo isso. Quem quiser, deixe de comprar supérfluos como comida, roupas e produtos de higiene e aloquem tudo em gibis. Não estou comprando tudo o que é porqueira. Aliás, este ano praticamente não comprei quase nada impresso. E a tendência será essa. Falei antes e ratifico: darei mais ênfase ao material digital gratuito, tanto para livros quanto quadrinhos. Mas isso é algo realmente bem pessoal. Acho válido que o cidadão compre livros e quadrinhos impressos, às toneladas, se possuir grana e local para guardar tudo. E, claro, se for realmente ler. Se bem que, muitas vezes, a "montagem" de uma biblioteca não exige a leitura de tudo. Se eu fosse rico, por exemplo, teria uma biblioteca como aquelas de filmes, com pé direito ad astra et ultra, escadas, mezanino e poltronas Charles Eames e Chaise Le Corbusier até mesmo para convidados. Faria uma curadoria de tudo o que acho significativo e pagaria até mesmo bibliotecário para catalogar e higienizar tudo. Mas não é esta minha realidade. E estou bem assim do mesmo jeito.

A partir dos próximos parágrafos, segue a postagem original então disponível em meu blogue anterior. Não tive saco para atualizá-la e os links mencionados, obviamente, não existem mais, pois remetiam ao site anterior. É uma postagem com valor de curiosidade, enfim.

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Em complemento à postagem anterior, resolvi elaborar uma lista de encadernados escritos por Alan Moore disponíveis em português por editoras nacionais. Acima, imagem de minha "biblioteca Mú". O único volume em inglês é A Small Killing, com arte incomum do ilustrador argentino Oscar Zarate (belas aquarelas). Prefiro comprar edições nacionais, especialmente em razão de meu inglês pobre. Recomendo todos os gibis aqui listados, inclusive o livro caprichado da Mythos com a biobibliografia do Senhor do Caos. Quanto ao encadernado com lombada de couro e nervuras - da imagem acima - foi feito por mim. Já falei sobre esses encadernados "caseiros" anteriormente. Nele, inseri as séries fraquinhas do escriba para Spawn pela Abril: Feudo de Sangue (mini em duas edições) e Violador (mini em três edições) e os cinco números do famoso título Tomorrow Stories, do selo America's Best Comics (ABC), lançados pela extinta Pandora Books e distribuídos pelo então selo HQ Club.

👉Lost Girls, em três volumes lançados no decorrer do ano de 2007 pela Devir. Mais detalhes acerca dessa obra poética conhecida como "a pornografia elegante de Alan Moore", você confere neste link. Essa ode aos quadrinhos eróticos levou em torno de dezesseis anos para ser concluída. Infelizmente, os encadernados suprimiram várias das capas bem boladas pintadas por Melinda.

👉Skizz - Contato Imediato, lançado aqui pela Pandora Books em 2003. Álbum brochura em P&B, no formato 21,0  x 27,5 cm, com 100 páginas. Arte de Jim Baikie. Pouca gente conhece esse gibi, o que é uma pena. Quando ainda desconhecido no mainstream americano, o ermitão mostrou sua genialidade na mítica publicação britânica 2000AD. O título era notadamente uma paródia ao sucesso do filme E.T., O Extraterrestre.

👉D.R. & Quinch. Outra ótima HQ da 2000AD, editada em 2003 pela Pandora Books, com papel de qualidade, tipo cuchê, e colorida. Em especial, destaco a arte sempre minuciosa de Alan Davis, artista que já trabalhou com Moore em títulos inovadores como Capitão Britânia e Marvelman (Miracleman). Infelizmente, em razão de problemas envolvendo a Marvel e direitos autorais, a amizade entre os dois Alans foi abalada, deixando-os inclusive sem se falar até hoje. Coisa de egos inflados.

👉A Liga Extraordinária, com edições lançadas pela Pandora Books, Panini e Devir. Atualmente, encontramos os volumes Um, Dois e Três (este, dividido em três livros-capítulos). Aqui no blogue, há espaço destinado a longas resenhas acerca de obras de Mú, incluindo anotações sobre A Liga. São resenhas extremamente minuciosas que recomendo.

👉A Balada de Halo Jones, reunindo a série icônica da 2000AD, lançada aqui pela Pandora Books em 2003. Arte de Ian Gibson. Livro no formato 13,5 x 20,5 cm, com 204 páginas em P&B. Já foi anunciada pela Mythos o relançamento de A Balada Completa de Halo Jones. Aguardemos! Para as garotas: traz a primeira heroína feminista dos quadrinhos. Mas feminista de ficção, obviamente, que arregaça as mangas para carregar sacos de cimento ou ir à guerra.

👉Encadernados Devir de Supremo, lançados entre maio de 2007 e julho de 2008, em brochuras com miolo cuchê. Os quatro volumes homenageiam as Eras de Ouro, Prata, Bronze e Moderna dos quadrinhos. A série contou com a participação de vários artistas, destacando-se Rick Veitch por sua "arte nostálgica", emulando o traço comum de cada época abordada nos roteiros de Moore. É tudo o que poderiam ter escrito acerca de meio século de Superman; mas, no lugar do filho de Krypton, o plágio de Rob Liefeld e Brian Murray.

👉Do Monstro do Pântano, possuo apenas os três primeiros encadernados da Saga. O primeiro volume da Pixel e os demais da Brainstore. Continuarei o Gótico Americano pela Panini. Mais sobre esta obra embrionária, que deu origem ao selo Vertigo da DC Comics, neste link.

👉Por que não lançar encadernados compendiando histórias curtas do mago? Isso foi feito em Grandes Clássicos DC Alan Moore e O Universo Wildstorm por Alan Moore, editados pela Panini em 2006 e 2010, respectivamente. Do encadernado Grandes Clássico - edição apenas com obras-primas como A Piada MortalO Que Aconteceu ao Homem-de-Aço etc. - destaco duas curtíssimas, discretas e belas histórias para o título The Omega Men, que mostra a maestria do escritor em fazer histórias curtas interessantes com um final surpreendente. No livro com histórias do agora selo Wildstorm destaco o conto pós-apocalíptico Majestic, O Último Inverno.

👉Watchmen em quatro volumes pela Via Lettera. Para mim, ainda a melhor edição nacional. Embora sejam brochuras, o papel grossinho tipo offset permite uma melhor leitura e impressão, superior ao cuchê, e sem cansar a visão ou prejudicar a leitura com reflexos. Esta série foi lançada de setembro de 2005 a agosto de 2006. O preço de capa de cada volume foi R$ 42,00, evidenciando como, atualmente, os preços de HQs da Panini são até "em conta".

👉A Wildstorm colocou muito lixo na praça: HQs visualmente sedutoras e pobres em conteúdo. Até que convidou Alan Mú para melhorar o nível da coisa. Para a superequipe WildC.A.T.s, foram escritas histórias curtas e alguns arcos. A Pixel compilou as séries De Volta Para Casa e Guerra de Gangues em duas brochuras com papel cuchê, em 2007 e 2008. Emboras os preços fossem salgados para época, comprei os dois gibis numa gôndola de supermercado por uma mixaria, no mesmo ano em que a Pixel perdeu os direitos da publicação de praticamente tudo o que vinha editando. Fazia tempo que eu não sentia tanto prazer em ler histórias de superequipes, até topar com essas revistas. Assim como fez em Supremo, o autor apenas ratificou não haver personagem ruim; o que há é mau escritor.

👉Do Inferno é o melhor gibi que já li. Já o tivemos pela Via Lettera em quatro volumes, com capa cartona e miolo em offset. A arte em P&B de Eddie Campbell dá corpo a um dos roteiros mais densos já realizados pelo escritor. Embora o tema central sejam os assassinatos a prostitutas de Whitechapel por Jack The Ripper, nos deparamos com uma trama mais complexa, com várias camadas e a abordagem maciça da psicogeografia. Há boatos de que a editora Veneta editará, numa edição definitiva, esta obra, que aguardou quase dez anos para se concluída. Um gibi nascido a fórceps, semelhante a Lost Girls.

👉Temos dois encadernados Top Ten publicados pela Devir: Contra o Crime (2005) e Assuntos Internos (2006). Em uma cidade onde todos possuem superpoderes, como seria o policiamento? Essa é a premissa desta insólita HQ de super-heróis. As brochuras com orelhas e papel cuchê possuem em torno de 200 páginas. A arte de Gene Ha é competente, diferenciada e cheia de detalhes; alia-se a isso uma colorização forte, que dá vivacidade aos personagens. Mais um título do selo ABC.

👉Também com o selo [de ótima procedência e extrema qualidade] America's Best Comics nos chegaram as histórias de Tom Strong, a maior homenagem quadrinística à literatura pulp que já li. Este conhecido "herói da ciência" (na verdade, um Tarzan pós-cibernético) nos dá ótimas aventuras. Além de um encadernado da Pandora Book reunindo uma mini-série em três edições (o qual não tenho na coleção), destaco os seguintes lançamentos: Um Século de Aventuras (Devir, 2005), No Final dos Tempos (Devir, 2006) e A Invasão das Formigas Gigantes (Pixel, 2008). O trabalho editorial e gráfico da Devir, como sempre, foi esmerado. O "encalhernado" Pixel é fraquinho, em termo de acabamento, o que não impediu a editora de cobrar mais de R$ 30,00 em aproximadamente 130 páginas.

👉Não falarei muito de Promethea em razão de temos no Brasil, até agora, apenas um encadernado, o que é inexplicável. Ainda cito os dois títulos já lançados pelo selo independente Avatar Press em terras auriverdes: Neonomicon (2012) e Fashion Beast (2014), em TPs pela Panini. Noutra oportunidade, quem sabe, os resenhe.

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Sempre me deparei com informações esparsar sobre o trabalho embrionário e desconhecido de Alan Moore. Mas foi lendo O Mago das Histórias (obra completíssima escrita por Gary Spencer Milldge) que pude ver, em ordem cronológica, um pouco sobre tudo o que foi realizado pelo autor antes de se tornar conhecido no mainstream. Acho interessante mostrar um pouco dessa fase anônima.

Bem antes de começar a escrever histórias para a 2000AD ou Warrior, quando ainda não sabia bem o que fazer da vida e precisando arranjar grana para sustentar esposa e a primeira filha (desde que isso não importasse em se trancar num escritório chato), Alan tentava ser o que costumei chamar de quadrinista puro: o cara que escreve, desenha, arte-finaliza e faz até mesmo o letreiramento de suas HQs. Embora já tivesse empreendido energia em fanzines e raras ilustrações para revistas de grande e pequeno portes, foi na publicação Sounds e no jornal Northants Post que ele se profissionalizou, cumprindo prazo, recebendo salários semanais e procurando esforçar-se ao máximo para fornecer quadrinhos sob demanda.

Em Sounds, publicava a tira Roscoe Moscow, uma parodia dos romances de Raymond Chandler, cujos assuntos abordados variavam de acordo com o que Moore estivesse lendo na semana, mas sempre procurando inserir algum assunto voltado ao cenário musical da época. Não durou muito, sendo substituída por The Stars My Degradation, onde parodiava filmes como Alien e HQs como X-men. Nesta empreitada, a evolução no traço do autor é auferida a olhos nus, especialmente nos cenários detalhadíssimos. Mesmo assim, o escritor não conseguia elaborar suas páginas rapidamente. Como ele mesmo afirma, não sabia desenhar; e, para um resultado razoavelmente bom, precisava de mais tempo do que dispunha.

Paralelamente às tiras para Sounds (e estendida por muito mais tempo), eram realizadas as histórias de Maxwell, The Magic Cat, no periódico Northants Post. Inicialmente, destinavam-se às crianças. Com o tempo, devido à temática quase sempre “mais estranha”, passou à sessão de entretenimento geral. Como disse o autor, essas tirinhas de cinco quadros eram um “antídoto para Garfield”. Maxweel foi publicada durante sete anos, até o momento em que Alan começou a escrever Watchmen. E a HQ teria continuado. Mas o jornal publicou um texto editorial considerado extremamente homofóbico por Moore, de maneira que optou por cortar definitivamente o vínculo com a empresa e nunca retomou mais nada com o personagem, exceto por uma páginas publicada num suplemento especial, anos à frente. Coisas da cabeça às vezes confusa do autor.

Nas tiras, Alan Mú optava por pseudônimos: Curt Vile na Sounds e Jill de Ray no jornal do condado. Perguntado acerca da publicação desse material, de forma antológica para os dias de hoje, ele declina a ideia, destacando – com razão, penso – que os leitores não encontrariam, ali, o autor que conhecem.

Abraços xamânicos e até a próxima.