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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Miracleman: há algo de podre no reino editorial


Fonte da imagem: Google Street View

Acima, parte da Avenida Rio Branco, onde eu caminhava todos os dias ao retornar da escola, durante anos a fio. Nela, se encontravam as duas principais bancas de revistas da cidade, abarrotadas de gibis, revistas e muitos livros, especialmente de best seller (Paulo Coelho, Sidney Sheldon e John Grisham). Nos cantos da imagem dá para ver a traseira de ambas, funcionando ainda hoje. Mudaram bastante, claro, dedicando-se à venda de produtos vagabundos para tabacaria (seda, carvão, essências, Gudang Garam e Djarum Black etc.). Também há acessórios para telefonia celular e um monte de tranqueiras. Afinal, revista não vende muito atualmente. O mundo mudou.

Recordo como era gostoso sair da escola com dinheiro no bolso (passando fome sem lanchar por alguns dias) para comprar algum formatinho da Abril. Aquela época era boa para o leitor imberbe? Não. Formatinhos impressos em papel jornal, cheios de cortes e mal editados, custavam caro. As editoras nunca estiveram nem aí para nós, mesmo quando a Globo e a Abril bancavam todas as suas despesas editoriais apenas com gibizinhos. E a coisa não mudou nada, desde então. Benditos sejam a internet em banda larga, scans e tablets.

Após um imbróglio judicial envolvendo Miracleman - plágio de Capitão Marvel numa época onde tudo se plagiava - a família de seu criador Mick Anglo chegou a passar necessidades financeiras sérias e Alan Moore se manifestou a respeito, destilando ainda mais seu ódio contra as corporações de quadrinhos. Resolvida a querela, a Marvel finalmente pode editar o título, sob o nome definitivo "Miracleman". Todos aguardavam por isso, especialmente eu, apaixonado que sou pelas fases Alan Moore e Neil Gaiman. Então o que a Panini fez em terras brasilis? No auge dos encadernados, optou por formato canoa com grampos, em 16 números. Assim, o primeiro número teve capa variante, com a opção de uma metalizada custando R$ 13,90. Depois, o preço foi de R$ 7,50 a R$ 7,90. Não vou olhar preço a preço de cada número, mas daria uma média de R$ 129,00 toda a coleção, à época, para quem teve paciência de comprar em pedações, interrompendo a leitura com aquele continua na próxima edição quando poderia ter tudo isso num baita encadernado caprichado ou em dois, a preços similares. Sem contar que a versão HC é mais fácil de guardar do que várias revistinhas avulsas e mantem o estado geral da publicação mais conservado, mesmo com bastante manuseio, do que revistas fininhas grampeadas de capa mole sem orelhas.

Agora, seis anos depois (e olha que temos inflação vista a olhos nus e sentida na conta bancária que se esvazia fácil), a editora lança o material em encadernados. O primeiro está à venda por R$ 80,00. Quando vi aquele formato canoa à venda, pensei logo que seria para pegar trouxa. Pessoas, na ânsia de ler este gibi incrível, aceitariam tudo. São como Manuel Bandeira em sua ânsia pela Estrela da Manhã: "Digam que sou um homem sem orgulho / Um homem que aceita tudo / Que me importa?". Já conhecia esse "Shazam" de Anglo há alguns anos, devido a scans. Se a história tivesse saído em encadernados, teria adquirido. Repito: é um gibi notável.

Quando escrevi Eastrail 177 Trilogy e o Übermensch possível, resumi um pouco da genialidade de Moore ao aplicar seus princípios alquímicos (solve et coagula) neste personagem bobinho conhecido por Miracleman. Seguem alguns trechos:

"Vede; eu anuncio-vos o Super-homem: "É ele esse raio! É ele esse delírio!"

De Assim falou Zaratustra, por Friedrich Nietzsche

Em 1982, Alan Moore nos contou uma grande história de super-heróis. Nela, Micky Moran - homem de meia idade fora de forma que faz bico de repórter para sobreviver - descobre ser Miracleman, líder do time de "supers" cujas aventuras passadas ninguém recorda. Suas aventuras envolviam o que há de mais ingênuo no gênero. Para começar, recebeu seus poderes de um astrofísico que se tornou deidade e lhe deu a "palavra mágica" para quando precisasse salvar o dia. Não era Shazam, mas sim Kimota (atomik). Ele e seus amigos - incluídos aí Kid Miracleman e Miraclewoman (!) - viviam em luta constante com o maquiavélico Gargunza, gênio científico do mal. Para variar, ninguém se machucava realmente, todos contavam piadinhas em momentos de tensão e, no "número seguinte", o vilão retornava para encher o saco.

Mas como Micky Moran viveu tudo isso e ninguém se recordava da existência de superseres? Simples, as maravilhas existiam apenas em HQs infantis e ele foi cobaia num longo experimento, onde viveu quase oito anos em sono constante, sendo alimentado com aventuras pueris retiradas de gibis. Só que, um dia, ao se recordar de tudo, despertar na plenitude de seus poderes e buscar sua origem, os super-heróis e os megas vilões estarão no mundo real. Entretanto, as histórias não serão mais tão bobas: estupros (masculino e feminino), pedaços de corpos caindo dos céus, orgias celestiais e totalitarismo estarão presentes. E até mesmo suicídio do alter ego de Miracleman, numa das passagens que considero a mais tocante dos quadrinhos. Num dado momento, Micky Moran quer morrer: perdeu esposa e filha e se vê como inútil. Então, sobe uma montanha, retira as roupas e deixa um bilhete. Pronuncia a palavra Kimota e torna-se Miracleman. Este lê seu epitáfio e, desde então, nunca mais voltará ao corpo de Moran. Na mitologia criada por Alan Moore, a "transformação" se dá pela troca de corpos clonados, quando pronunciada a palavra-chave. Mike perecerá no limbo do infra-espaço, para sempre. Seria algo como Clark Kent se matar e deixar apenas Superman vivo.

"Suicídio" de Mike Moran em Miracleman #14

Acredito que não comprarei este gibi porque li e reli todas as fases Moore/Gaiman para o personagem. São obras brilhantes. Quem tenta encontrar pontos negativos nessa "desconstrução" (palavrinha banal, hoje em dia) narrativa possui mau gosto, quer chamar atenção ou apenas não leu direito, precisando empreender releitura. Além de evitar comprar livros e HQs por diversos motivos esmiuçados neste blogue, a nova safadeza editorial vem aí: aparentemente, este primeiro volume contará com quase 1/3 de extras. Sim, aquele monte de bobagem impressa para encher linguiça. O caso d'A Liga Extraordinária Volume I (Panini, 2010) ainda é emblemático, onde mais da metade do livro contou com extras (aproximadamente 200 páginas de material inútil). E Punk Rock Jesus (2018), também da Panini, com 1/3 de extras? Em resumo: a editora não se contentou em lançar Miracleman no formato canoa para ganhar mais, depois relançando tudo em encadernado. Neste, ainda encheu de extras para inviabilizar um volume único.

Como grande fã do ermitão pentelho, gostaria de ter Miracleman em encadernados. Entretanto, dispenso. Dinheiro está difícil, a inflação anda galopante - devido à pandemia de coronavírus e milhões impressos (além da dívida rolada) para custear auxílios e roubalheiras em Estados e Municípios. Não posso me dar ao luxo de comprar "extras" caros quando poderia ter toda a saga num volume único relativamente caprichado, ainda que com capa cartão, a preço justo.

No momento, todo o mercado editorial nacional é, para mim, decepcionante. Obras em domínio público impressas em brochuras vagabundas caríssimas, gibis caros com 1/3 de extras para inflar ganhos e impedir a publicação de algo em volume único, editoras e livraria chorando as pitangas enquanto seus proprietários ostentam vidas de luxo etc. Não dá mesmo para mim. Sequer tenho grana e espaço para comprar tanta coisa, quanto mais para ler e reler tudo o que desejo. Então apenas opto por não fazê-lo. Mas acho natural quem ainda se deslumbre com o acúmulo de publicações caras, pois sei que afaga o ego e dá um certo prazer tátil em relação ao possuir.

Abraços e... Kimota!

P.s.: Tomei conhecimento deste lançamento pelo blogue do Leo, o SubmundoHQ, único espaço que ainda acesso para saber das novidades do mercado.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

As Melhores Histórias de Wolverine de Todos os Tempos

Recordo bem este gibi à venda em bancas de revista, logo um ano após o início da temporada que dei sem ler quadrinhos. Durante uns sete anos, não li nenhum gibi e ainda por cima negligenciei vários que possuía, quase todos formatinhos da Abril. Recordo, por exemplo, que numa mudança esqueci alguns gibis num móvel velho e sequer retornei para pegá-los. Entre eles, havia Desafio Infinito (revistas lindas, em três partes, com lombada quadrada e papel similar ao LWC) e os dois números de Drácula Versus Heróis Marvel. Me arrependi, claro. Mas, na época, nem liguei mesmo. Espero que alguém os tenha achado e lido, ao menos isso.

Gibis sempre foram caros. Os da Abril mais ainda. A editora retirava o couro do leitor de quadrinhos e o tratava como cocô. Basta lembrar que formatinhos em papel jornal pagavam as despesas doutros setores falidos da empresa. Assim, enquanto víamos revistas luxuosas de "casa, jardim e fofoca" nas bancas, nossos gibis só não eram impressos em bosta prensada porque, creio, as autoridades sanitárias proibiriam. E quando havia algo melhorzinho, tacavam lá um "edição de luxo para colecionador" e custaria o supermercado da semana (ou do mês). Durante décadas, aliás, foi comum a expressão "o pato paga" na boca do então chefão Victor Civita. Quando editavam porcarias com luxo e requintes gráficos para nichos, sabendo que seria roubada, o publisher aquietava os ânimos com isso: os gibis Disney cobrirão os prejuízos.

Em 2001, o gibi acima com meu amado/odiado Wolverine custava R$ 23,90. É um encadernado meio vagabundo, com miolo em jornal e impresso em P&B. Numa atualização monetária, desconsiderando fatores como inflação real, custaria em torno de R$ 80,00, hoje. Eu cursava Direito em 2001, e com essa grana comprava algum romance, livro de contos ou poesia. Ou usaria a bufunfa em coisas essenciais, como comer e me locomover.

Sempre achei Logan um personagem subaproveitado. Compreendo que seu aspecto selvagem e "fodam-se todos" cativou jovens leitores e, atualmente, atrai milhões de pessoas que nunca leram um gibi mas estão nos cinemas, com camisetas de super-heróis e se dizendo super fãs de Batman e Homem-Aranha. E que bom. É ao menos um mercado funcionando, pois o dos quadrinhos está no limbo e só colhe as migalhas dos estúdios de cinema. Mas, felizmente, vez ou outra topávamos com histórias mais introspectivas com o carcaju. Eram poucas, mas recordo bem a alegria quando lia, num formatinho de Wolverine, alguma trama sobre ele enquanto um homem que caminha com seus pensamentos e tem a alegria de topar com algum canalha azarado cruzando seu caminho.

O encadernado relido esta semana não reúne as melhores histórias de Wolverine de todos os tempos. Esses títulos eram abobrinhas do marketing Civita. Mas reúne boas histórias com a fase Madripoor, cidade fictícia muita parecida com a Casablanca do cinema, onde Logan transita incógnito, com tapa-olho, sendo reconhecido pela alcunha de Caolho. Em 370 páginas, temos ótimas histórias com roteiros de Chris Claremont e Peter David; e arte magistral do finado John Buscema na maior parte dos capítulos. E, para dar aquele gostinho de nostalgia, a letras são de Lilian Mitsunaga. Neste volume, temos um Wolverine que poderia ter dado certo, ser melhor aproveitado sem representar apenas um nanico peludo porra-louca que dá sopapo para todos os lados enquanto mostra os dentes. Destaque para a história 24 Horas, abordando a antiga relação do protagonista com Victor Creed.

Em 2017, a Panini lançou Wolverine: Antologia. Não cheguei a comprar e lhe desconheço o conteúdo. Fiquei tentado em adquirir. Quem sabe até compre um dia. Mas me ressinto mesmo que, até hoje, nenhum grande escritor tenha recebido aval da Marvel para escrever algo mais denso para o velho Logan. É impossível, acho, encher um encadernado de 400 páginas com histórias excelentes de Wolverine.

Snikt!

terça-feira, 10 de novembro de 2020

A mensagem final em David Boring

 


Meu primeiro contato com Daniel Clowes foi em Como Uma Luva de Veludo Moldada em Ferro, há quase uma década e meia. Minha edição é da Conrad e, atualmente, fico feliz em ver que a Nemo a relançou, juntamente com a opus magnum Ghost World. A Nemo, aliás, está nos dado muito de Clowes. Foi por ela, por exemplo, que li Paciência e David Boring. Gosto de tudo realizado pelo autor e não compreendo críticas negativas sobre alguns de seus trabalhos. Por mais que leia e releia os argumentos de quem detrata e destrata algum trabalho, nunca acho plausível. Mas, enfim, questão de gosto. É um dos poucos autores com os quais ainda gasto grana, comprando edições impressas.

A história reúne fatos do insólito cotidiano. Acompanhamos o protagonista homônimo em sua jornada de tocar o barco da vida, enquanto confronta misteriosos homicídios, um obscuro gibi escrito e desenhado por seu pai incógnito, uma quase guerra biológica calcinando a Terra e... bundas, muitas bundas. E quanto maiores as bundas, melhor para o anti-herói. Também sou grande entusiasta de traseiros e por isso o compreendo. Penso, no entanto, que o núcleo da trama é a insatisfação humana e a constante busca pelo ideal. Em David, o ideal é representado por uma mulher idealizada desde a infância, inspirada em sua prima. É simbólico. Essa busca pelo idealizado nunca chega a lugar algum e só traz amargura ao aborrecido (Boring?) e meio apático personagem. E após tanta turbulência, quando tudo deu errado, passa a dar certo. 

Já ao final da HQ, na última página, o próprio David nos diz algo bem simples mas que, devido ao peso das páginas anteriores, consegue nos atingir de uma forma diferente: apenas viva o presente. Então ele está, finalmente, feliz.

Estamos tentando viver em paz, sem arrependimentos ou apreensões, preocupados em viver o presente em vez de um futuro imaginário.
Aceitamos graciosamente este final feliz, o reconhecemos desta forma: um bolsão suspenso de calmaria entre o clímax e o esquecimento.
Depois de tudo, o que mais poderíamos esperar além de algumas semanas perfeitas antes que as cortinas se fechem?
Acredite em mim, sou grato por cada segundo.

É tão simples. Um lugar-comum como o velho chavão "viva o presente" encontrou, neste álbum, grande amplitude e realmente conseguiu nos atingir. É que Clowes soube como contar um mesmo final de resiliência - tantas vezes contado em gibis, livros, filmes e seriados - de uma forma diferente. A mensagem final não vale apenas isolada, mas quando confrontada com tudo o que nos foi mostrado nas 140 páginas anteriores.

Num ponto da história, David diz ao seu tio avô August Brown ser produtor de filmes (uma mentira, de certa forma). O velho lhe responde: "Lembrem-se do que dizem: todas as histórias já foram contadas. Então, se você precisar contar uma, conte direito!". E o quadrinho é exatamente isso: a mesma história de sempre, contada direito.

Ler David Boring me abriu os olhos para retornar a apreciar mais o dia a dia e deixar de lado pensamentos sobre o porvir, totalmente fora de minhas mãos. Eu estava precisando disso.

Abraços aborrecidos e até a próxima.

Títulos de meu acervo pessoal.

Gostou da matéria? Confira vídeos, em meu canal, sobre obras do autor:


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Kombi 95, HQ de Thiago Ossostortos

 

Vai ralando na boquinha da garrafa
É na boca da garrafa
Vai descendo na boquinha da garrafa
É na boca da garrafa

Companhia do Pagode, 1995

Durante a leitura, topamos com imagens do televisor de tubo exibindo programas domingueiros onde mulherões quase peladas agarram homens tentando pegar sabonetes; programas de auditório com a nova sensação Mamonas Assassinas; programas da TV Cultura em sua época áurea, como X-Tudo, Glub Glub, Mundo da Lua ou os importados de peso a exemplo de O Mundo de Beakman ou Doug (fase Nickelodeon). Brinquedos da Estrela também estão por vários lugares, assim como jogos do Super Nintendo e arcades de Street Fighter. Mas calma, no pesado televisor também vemos cenas de Família Dinossauro, Sai de Baixo, TV Colosso, Anos Dourados, Capitão Planeta e Barrados no Baile. Os intermináveis comerciais não podem faltar, com um garotinho dizendo para sua mãe comprar Baton, a Arapuã ligadona em você e bebês fofinhos bebendo Parmalat (tomou?). Ah, uma formiga é arremessada por um poderoso sistema de som e o mordomo ranzinza não suporta mais o guri pedindo Tang.

Acima, falo do que encontramos durante a leitura de Kombi 95, quadrinho de Thiago Ossostortos cuja trama nuclear envolve amigos em busca de um guri desaparecido, o boato verídico e chancelado pela mídia marrom sobre roubos de órgãos por palhaços numa Kombi branca, o ápice do pagode mequetrefe com SPC, Molejo, Negritude Júnior, Katinguelê e pessoas descendo até a boquinha da garrafa etc. Mal sabíamos como tudo ficaria pior e que o poço não tem fundo. No início de cada parte do álbum, pacotes despejam Fandangos, Bancozitos, Pingo d'Ouro e Stiksy. Eu comprava alguns desses quando meu pai me levava à banca de revistas, quase sempre acompanhado de Taffman-E, também lembrado nas entrelinhas. Junto com os salgadinhos, Tazos! E, falando em banca de revistas, ela está presente, com prateleiras onde encontramos Adriane Galisteu na Playboy, VHS de minha eterna Silvia Saint, a revista Veja afirmando que você ainda se plugará na internet, A Morte do Super-Homem em formatinho pela Abril (comprei este gibi no lançamento), a Herói (comprei a número um, também, no lançamento), CD-ROM e Teclado e tantas e tantas outras finadas publicações.

O autor esclarece, no posfácio, que algumas referência foram anacrônicas, não sendo realmente dos anos 95/96, mas que tomou a liberdade porque são elementos que ilustram bem a época. E, colegas, que época! Costumo dizer que foi a melhor para pessoas de minha idade, pois, já adolescente, colhi todo o refugo cultural americano da década passada justamente neste período, enquanto tomava contato com tantas coisas novas, especialmente em relação à tecnologia.

Ah, mas nem tudo nos quadrinhos é fofo. Há espaço para a violência juvenil, a erotização precoce e o consumo de drogas pesadas se espalhando entre moleques, independentemente de classe social. Recordei, aliás, de colegas que, mais ou menos nesses mesmos anos, começaram a usar psicotrópicos variados e assim arruinaram suas vidas. Sueldo, Bruno e Beto, não sei onde vocês andam hoje, mas acredito que não estejam bem. Torço ao menos que Deus os proteja.

O gibi é caprichado: capa cartonada com orelhas (evitando desgastes similares a "orelhas de burro"), miolo com 128 páginas coloridas em papel similar ao couché, em boa gramatura e meio poroso e opaco, ajudando na leitura devido a menos reflexo; e tamanho 17,0 x 24,5 cm. Editora: Plot! Editorial, por mim até então desconhecida.

Aos jovens mancebos criados com biscoito recheado e água, à frente da TV durante a Sessão da Tarde em plena metade da década de 90', recomendo bastante. Como éramos felizes e não sabíamos. Eu, ao menos, fui feliz naquela época e me encantei com cada referência pescada durante a leitura de Kombi 95.

As referências musicais são essenciais e estão novamente presentes, assim como em trabalhos anteriores do artista. Dessa vez, você pode acessar a playlist Kombi 95, no Spotify, por meio de QR Code.

O autor, neste momento, está com financiamento coletivo aberto para sua próxima HQ, no Catarse. recomendo bastante. Escolhi a recompensa para R$ 55,00, pois assim ganho a publicação Eloiza Aterroriza, a qual não possuo, enquanto possuo (felizmente) quase toda a demais bibliografia do autor. Quem quiser participar, acesse: Dois Mil e Um Chopes. Há recompensas generosas para quem ainda não possui nada do quadrinista, com vários álbuns a uma bagatela.

Fico por aqui, sugerindo a gratificante leitura deste excelente gibi e que apoiem o projeto de Dois Mil e Um Chopes. Também indico o acesso às resenhas Mjadra e Os Últimos Dias do Xerife, as quais, para mim, foram as melhores leituras do ano.

Grato, Thiago Ossostortos, por me proporcionar este agradável momento em Kombi 95.

Abraços tortos e até a próxima.





sábado, 24 de outubro de 2020

Turma do Chiquinho

 

Caneca da linha promocional, sempre surgindo durante o ano.

Eram comuns ações publicitárias no formato quadrinhos, quando eu era guri. Marcas grandes elaboravam sequências de histórias em quadrinho para divulgação de seus produtos. Isso era feito encartado dentro de publicações variadas, de forma totalmente independente ou, então, como página publicitária, quase sempre na quarta capa. Recordo bastante, por exemplo, da Turma do Guaraná Brahma, cujo mundo era quase bizarro.

Haviam as grandes campanhas utilizando personagens consolidados, apenas com patrocínio da marca. Assim, por exemplo, foi a coleção de cinco revistas Turma da Mônica Especial Coca-Cola. Na época, você trocava tampinhas de garrafa por gibis. Mas meu foco, aqui, são mesmo aqueles gibizinhos elaborados especificamente para divulgação de marcas. E, levando minha filha para tomar sorvete, vi a distribuição gratuita da revista Turma do Chiquinho. No primeiro número, somos apresentados a toda a turma, com ênfase no Chiquinho e seu avô sorveteiro. Em tempos onde a Magali faz regime e Mônica não pode ser chamada de gorducha, o protagonista nos é apresentado como um garoto comilão, voraz consumidor de porcarias como balas, jujubas e chicletes. Além disso, ele é gordinho, o que, penso, ajuda até mesmo na concepção de que haver crianças gordas é normal (em vários casos, evitável) e, com isso, ajudamos até mesmo o trabalho contra o tal do bullying.

Achei bacana a iniciativa da rede brasileira de franquia. Fazia tempo que não via isso e, em tempos de mídias 100% animadas e digitais, editar algo assim possui ares nostálgicos. Para a criançada, chega a ser algo novo, diferente, vez que os gibis infantis em formatinhos estão encolhendo no mercado e, percebo, são adultos os que mais compram.

Parece meio bobo compartilhar, aqui, gibi promocional da Chiquinho Sorvetes. Mas, como antigo leitor de quadrinhos (e olha que eu lia até gibis do Faustão e de Leandro & Leonardo), interessado nos aspectos semiológicos dessa forma de arte e, claro, fornido consumidor de sorvete juntamente com minha pimpolha, não poderia deixar esta curiosidade passar em branco.

Ficha técnica (Notas de Expediente). Nome original: Turma do Chiquinho. Propriedade: CHQ - Gestão Empresarial e Franchising LTDA. Ano de Produção: 2019. Gênero: Infantil. Redação: Gustavo Azevedo. Ilustrações: Pedro Candolo. Diagramação: Higor Gimenes. Revisão: Jéssica Neves. Cores: Pedro Candolo, Higor Gimenes, Fernanda Alves e Pablo Maduro.

Doces abraços e até a próxima.






sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O Beijo no Asfalto em Quadrinhos

O dinheiro compra até amor verdadeiro.
- Nelson Rodrigues

Tive contato com a obra de Nelson Rodrigues aos meus catorze anos de idade, quando pequenas adaptações eram exibidas no Fantástico (o show da vida!). Era o que tinha para ver: a televisão e o que ela queria nos dar e como queria nos dar. Não sinto saudades daquela época, embora sempre me recorde com carinho. Depois, houve reapresentações do seriado em outros anos e noutras grades. Em pesquisa na Wikipédia, descobri que "O nome da série é uma referência direta à coluna de Nelson no jornal Última Hora, onde o autor escreveu grande parte de suas histórias." E, cara, como era legal ver putaria na TV, naquela época. Também eram o que tínhamos: TV, poucos VHSs e revistas para dar vazão à tara adolescente que saía pelo ladrão.

Com catorze anos de idade eu já era leitor contumaz não apenas de quadrinhos, mas também de literatura variada. E logo fui à cata de conhecer mais sobre o dramaturgo e suas realizações, bem como de sua vida fodida e repleta de azares e tragédias. E, mais à frente, o vi sumir do mapa junto a autores como Monteiro Lobato e outros "cancelados" pela hegemonia progressista que realmente manda na porra toda. Embora sempre mostrando que, por trás da tradicional família brasileira, havia desvãos sinistros, Nelson Rodrigues foi árduo opositor ao progressismo e voz poderosa em prol do conservadorismo político. E, por isso, sua obra hoje está no ostracismo; ou melhor: sepultada sob pás de cal.

À toa numa banca de revistas, acho que no ano de 2012, vi a adaptação para quadrinhos de Beijo no Asfalto, por Arnaldo Branco (roteiro) e Gabriel Góes (desenhos). Custava uma mixaria e era o que valia, diante do formato diminuto (pocket da Ediouro, 12 x 18 cm) e acabamento vagabundo. Comprei e achei bem legal a adaptação, em traços duros e sombrios, sem arroubos e floreios. Descobri que a primeira versão do gibi saiu em formato americano, em 2007, com selo Nova Fronteira (empresa do grupo Ediouro). Certamente, a versão diminuta tolheu bastante da fruição estética.

A trama de O Beijo... é muito simples. Um homem casado, no horário de pico em meio à Praça da Bandeira, se ajoelha e beija a boca de outro homem prestes a morrer após atropelamento. A imprensa marrom logo se apropria da história para, junto à polícia corrupta, dissecar a vida do cidadão, arruinar sua existência familiar e profissional e, levando tudo às últimas consequências, lhe dar o famoso desfecho trágico e aparentemente insólito, típico da narrativa deste grande autor.

Esses dias, vasculhando meus gibis, reencontrei este quadrinho e o reli. E não sei porque razão achei interessante compartilhar aqui. Para quem quiser ler sem meter a mão no bolso, recomendo o blogue Caverna Nerd.

Abraços rodriguianos e até a próxima.




segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Eu sou o marinheiro Popeye


Imagem de meu acervo pessoal.

Vagando só, no mar ardido,
até pensei: estou perdido!
Senti coceiras na pança
e esvair-se a esperança.

Mas os deuses - é o segredo
- só testavam o meu medo.
Quando a fé já era parca
enviaram-se uma barca.

E, quem sabe, nessa nau
eu até não me dê mal:
minha fama não conheçam
e comida me ofereçam

Dudu J. Pimpão, em Na Terra dos Jeeps

Como a maioria dos semi-velhotes de hoje, tive contato com Popeye por meio dos desenhos animados - os quais tiveram vários estúdios no decorrer das décadas - e do filme duvidoso de Robert Altman, estrelado por Robin Williams e Shelley Duvall (atriz que adoro). Só bem tardiamente tomei conhecimento das tiras e dos quadrinhos mais longos. Aí descobri o trabalho do criador E. C. Segar (cigar?) e das pessoas gabaritadas que deram continuidade à sua obra, como o saudoso Bud Sagendorf. Pesquisando mais sobre o assunto, descobri que os primeiros quadrinhos do personagem "foram publicados pela primeira vez em 1932 no jornal Diário de Notícias. Nessa época Popeye e Olívia tiveram os seus nomes traduzidos nas primeiras publicações, Popeye se chamava "Brocoió", Olívia "Serafina". Porém os nomes não fizeram sucesso, e acabaram mudando para os que são conhecidos até hoje em dia" (v. Wikipédia). Os últimos gibis surgidos por aqui foram Super Popeye (2014) e Popeye Clássico (2016), pela Pixel (pertencente ao grupo Ediouro, responsável por uma longa época de quadrinhos variados no Brasil, antes da expansão da Panini). E foi justamente esse Super Popeye que reli esses dias, embora tenha alguns formatinhos também da Pixel com tiras clássicas encartadas.

Super Popeye reúne cinco números do gibi escrito por Roger Langridge e ilustrados por diversos artistas. Não entendi porque a Pixel não publicou logo tudo em um baita encadernado, pois a série totaliza doze número. E o pior: quando lançaram o segundo volume, mudaram o nome para Popeye Clássico e não deram continuidade a nada de Langridge. Coisa do mercado editorial brasileiro, sempre caótico e cagando para nós, leitores. É uma pena, pois as HQs são maravilhosas e sempre pedem uma releitura em momentos de ócio.

Aparentemente, Roger Langridge tentou manter-se fiel à ideia primeva de Segar. O mundo de Popeye é rico e às vezes esdrúxulo. Nas animação, tudo é muito fofo e linear: Brutus (Bluto, originalmente) é o vilão temido pela delicada Olívia. O velho marujo sempre vem ao seu socorro e todos acabam bem, exceto o vilão. Mas, nos quadrinhos, a magricela é uma baita safadinha que não pode ver homens fortes sem ficar ávida para dar, despertando ciúmes no caolho. Ah, e ela trata mal à beça o velho lobo do mar, chamando-o de panaca, entre outros epítetos. Está sempre de mau humor e rangendo os dentes, numa eterna TPM. No meio de tudo isso, temos o Dudu que, além de comilão, é um tremendo escroto, Interesseiro com "I" maiúsculo e amigo da onça, caloteiro, punguista e ardiloso. E a fauna esquisita está presente e sem demais explicações, como o "jeep" Eugene e a "goon" Alice, baba do bebê Gugu (filho adotivo de Popeye, que mora numa casa-barco com o velho papai-Popeye).

O mais bacana dessa leitura é constatar que, felizmente, não houve espaço para o insosso politicamente correto nesses quadrinhos. E olha que Langridge é bem moderninho e "engajado" com pautas desmioladas. Se algum dia topar com essa publicação em sebos, compre. Valerá a pena.

Abraços a bombordo e até a próxima.

A jogatina rola solta.

Os benefícios do tabaco em terras (e mares) tropicais.

Sem espaço para vegan power.

Porque bicho foi feito pacumê.

Mulheres histéricas.

Sacrossanto direito de infernizar o marido.

Palito dá pra todo mundo.

sábado, 5 de setembro de 2020

Encadernados brazucas de Alan Moore


A imagem acima é de meu acervo pessoal. Este é o nicho batizado de "muriano". Ainda possuo outras publicações do barbudão, como A Saga do Monstro do Pântano (volumes Panini e Brainstore), os dois volumes de Promethea (Panini, embora eu também tenha algo da Pixel) e outros bagulhos que agora não recordo e não catarei no meio da tralha.

Analisando postagens disponíveis no blogue anterior, me deparei com a transcrita abaixo, onde comentei brevemente acerca de minha biblioteca alan-muriana. Faz anos que a escrevi (acho que mais de sete). Até então havia, editado por aqui, pouco material do escritor. Felizmente, isso mudou. O que há de novos/velhos títulos publicados por nossas editoras não é pouco. Me assombra, no entanto, o fato de espremerem o bagaço até o final para extrair o máximo do nome do barbudão. São títulos como, v.g.Bojeffries: A SagaHistórias BrilhantesMaxwell: O Gato MágicoCinema PurgatórioChoques Futuristas. E a tendência é que continuem assim: raspando o tacho em busca de obras obscuras e insignificantes e republicando em vários formatos os "clássicos".

Ah, essencialmente, acho positivo tudo isso. Quem quiser, deixe de comprar supérfluos como comida, roupas e produtos de higiene e aloquem tudo em gibis. Não estou comprando tudo o que é porqueira. Aliás, este ano praticamente não comprei quase nada impresso. E a tendência será essa. Falei antes e ratifico: darei mais ênfase ao material digital gratuito, tanto para livros quanto quadrinhos. Mas isso é algo realmente bem pessoal. Acho válido que o cidadão compre livros e quadrinhos impressos, às toneladas, se possuir grana e local para guardar tudo. E, claro, se for realmente ler. Se bem que, muitas vezes, a "montagem" de uma biblioteca não exige a leitura de tudo. Se eu fosse rico, por exemplo, teria uma biblioteca como aquelas de filmes, com pé direito ad astra et ultra, escadas, mezanino e poltronas Charles Eames e Chaise Le Corbusier até mesmo para convidados. Faria uma curadoria de tudo o que acho significativo e pagaria até mesmo bibliotecário para catalogar e higienizar tudo. Mas não é esta minha realidade. E estou bem assim do mesmo jeito.

A partir dos próximos parágrafos, segue a postagem original então disponível em meu blogue anterior. Não tive saco para atualizá-la e os links mencionados, obviamente, não existem mais, pois remetiam ao site anterior. É uma postagem com valor de curiosidade, enfim.

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Em complemento à postagem anterior, resolvi elaborar uma lista de encadernados escritos por Alan Moore disponíveis em português por editoras nacionais. Acima, imagem de minha "biblioteca Mú". O único volume em inglês é A Small Killing, com arte incomum do ilustrador argentino Oscar Zarate (belas aquarelas). Prefiro comprar edições nacionais, especialmente em razão de meu inglês pobre. Recomendo todos os gibis aqui listados, inclusive o livro caprichado da Mythos com a biobibliografia do Senhor do Caos. Quanto ao encadernado com lombada de couro e nervuras - da imagem acima - foi feito por mim. Já falei sobre esses encadernados "caseiros" anteriormente. Nele, inseri as séries fraquinhas do escriba para Spawn pela Abril: Feudo de Sangue (mini em duas edições) e Violador (mini em três edições) e os cinco números do famoso título Tomorrow Stories, do selo America's Best Comics (ABC), lançados pela extinta Pandora Books e distribuídos pelo então selo HQ Club.

👉Lost Girls, em três volumes lançados no decorrer do ano de 2007 pela Devir. Mais detalhes acerca dessa obra poética conhecida como "a pornografia elegante de Alan Moore", você confere neste link. Essa ode aos quadrinhos eróticos levou em torno de dezesseis anos para ser concluída. Infelizmente, os encadernados suprimiram várias das capas bem boladas pintadas por Melinda.

👉Skizz - Contato Imediato, lançado aqui pela Pandora Books em 2003. Álbum brochura em P&B, no formato 21,0  x 27,5 cm, com 100 páginas. Arte de Jim Baikie. Pouca gente conhece esse gibi, o que é uma pena. Quando ainda desconhecido no mainstream americano, o ermitão mostrou sua genialidade na mítica publicação britânica 2000AD. O título era notadamente uma paródia ao sucesso do filme E.T., O Extraterrestre.

👉D.R. & Quinch. Outra ótima HQ da 2000AD, editada em 2003 pela Pandora Books, com papel de qualidade, tipo cuchê, e colorida. Em especial, destaco a arte sempre minuciosa de Alan Davis, artista que já trabalhou com Moore em títulos inovadores como Capitão Britânia e Marvelman (Miracleman). Infelizmente, em razão de problemas envolvendo a Marvel e direitos autorais, a amizade entre os dois Alans foi abalada, deixando-os inclusive sem se falar até hoje. Coisa de egos inflados.

👉A Liga Extraordinária, com edições lançadas pela Pandora Books, Panini e Devir. Atualmente, encontramos os volumes Um, Dois e Três (este, dividido em três livros-capítulos). Aqui no blogue, há espaço destinado a longas resenhas acerca de obras de Mú, incluindo anotações sobre A Liga. São resenhas extremamente minuciosas que recomendo.

👉A Balada de Halo Jones, reunindo a série icônica da 2000AD, lançada aqui pela Pandora Books em 2003. Arte de Ian Gibson. Livro no formato 13,5 x 20,5 cm, com 204 páginas em P&B. Já foi anunciada pela Mythos o relançamento de A Balada Completa de Halo Jones. Aguardemos! Para as garotas: traz a primeira heroína feminista dos quadrinhos. Mas feminista de ficção, obviamente, que arregaça as mangas para carregar sacos de cimento ou ir à guerra.

👉Encadernados Devir de Supremo, lançados entre maio de 2007 e julho de 2008, em brochuras com miolo cuchê. Os quatro volumes homenageiam as Eras de Ouro, Prata, Bronze e Moderna dos quadrinhos. A série contou com a participação de vários artistas, destacando-se Rick Veitch por sua "arte nostálgica", emulando o traço comum de cada época abordada nos roteiros de Moore. É tudo o que poderiam ter escrito acerca de meio século de Superman; mas, no lugar do filho de Krypton, o plágio de Rob Liefeld e Brian Murray.

👉Do Monstro do Pântano, possuo apenas os três primeiros encadernados da Saga. O primeiro volume da Pixel e os demais da Brainstore. Continuarei o Gótico Americano pela Panini. Mais sobre esta obra embrionária, que deu origem ao selo Vertigo da DC Comics, neste link.

👉Por que não lançar encadernados compendiando histórias curtas do mago? Isso foi feito em Grandes Clássicos DC Alan Moore e O Universo Wildstorm por Alan Moore, editados pela Panini em 2006 e 2010, respectivamente. Do encadernado Grandes Clássico - edição apenas com obras-primas como A Piada MortalO Que Aconteceu ao Homem-de-Aço etc. - destaco duas curtíssimas, discretas e belas histórias para o título The Omega Men, que mostra a maestria do escritor em fazer histórias curtas interessantes com um final surpreendente. No livro com histórias do agora selo Wildstorm destaco o conto pós-apocalíptico Majestic, O Último Inverno.

👉Watchmen em quatro volumes pela Via Lettera. Para mim, ainda a melhor edição nacional. Embora sejam brochuras, o papel grossinho tipo offset permite uma melhor leitura e impressão, superior ao cuchê, e sem cansar a visão ou prejudicar a leitura com reflexos. Esta série foi lançada de setembro de 2005 a agosto de 2006. O preço de capa de cada volume foi R$ 42,00, evidenciando como, atualmente, os preços de HQs da Panini são até "em conta".

👉A Wildstorm colocou muito lixo na praça: HQs visualmente sedutoras e pobres em conteúdo. Até que convidou Alan Mú para melhorar o nível da coisa. Para a superequipe WildC.A.T.s, foram escritas histórias curtas e alguns arcos. A Pixel compilou as séries De Volta Para Casa e Guerra de Gangues em duas brochuras com papel cuchê, em 2007 e 2008. Emboras os preços fossem salgados para época, comprei os dois gibis numa gôndola de supermercado por uma mixaria, no mesmo ano em que a Pixel perdeu os direitos da publicação de praticamente tudo o que vinha editando. Fazia tempo que eu não sentia tanto prazer em ler histórias de superequipes, até topar com essas revistas. Assim como fez em Supremo, o autor apenas ratificou não haver personagem ruim; o que há é mau escritor.

👉Do Inferno é o melhor gibi que já li. Já o tivemos pela Via Lettera em quatro volumes, com capa cartona e miolo em offset. A arte em P&B de Eddie Campbell dá corpo a um dos roteiros mais densos já realizados pelo escritor. Embora o tema central sejam os assassinatos a prostitutas de Whitechapel por Jack The Ripper, nos deparamos com uma trama mais complexa, com várias camadas e a abordagem maciça da psicogeografia. Há boatos de que a editora Veneta editará, numa edição definitiva, esta obra, que aguardou quase dez anos para se concluída. Um gibi nascido a fórceps, semelhante a Lost Girls.

👉Temos dois encadernados Top Ten publicados pela Devir: Contra o Crime (2005) e Assuntos Internos (2006). Em uma cidade onde todos possuem superpoderes, como seria o policiamento? Essa é a premissa desta insólita HQ de super-heróis. As brochuras com orelhas e papel cuchê possuem em torno de 200 páginas. A arte de Gene Ha é competente, diferenciada e cheia de detalhes; alia-se a isso uma colorização forte, que dá vivacidade aos personagens. Mais um título do selo ABC.

👉Também com o selo [de ótima procedência e extrema qualidade] America's Best Comics nos chegaram as histórias de Tom Strong, a maior homenagem quadrinística à literatura pulp que já li. Este conhecido "herói da ciência" (na verdade, um Tarzan pós-cibernético) nos dá ótimas aventuras. Além de um encadernado da Pandora Book reunindo uma mini-série em três edições (o qual não tenho na coleção), destaco os seguintes lançamentos: Um Século de Aventuras (Devir, 2005), No Final dos Tempos (Devir, 2006) e A Invasão das Formigas Gigantes (Pixel, 2008). O trabalho editorial e gráfico da Devir, como sempre, foi esmerado. O "encalhernado" Pixel é fraquinho, em termo de acabamento, o que não impediu a editora de cobrar mais de R$ 30,00 em aproximadamente 130 páginas.

👉Não falarei muito de Promethea em razão de temos no Brasil, até agora, apenas um encadernado, o que é inexplicável. Ainda cito os dois títulos já lançados pelo selo independente Avatar Press em terras auriverdes: Neonomicon (2012) e Fashion Beast (2014), em TPs pela Panini. Noutra oportunidade, quem sabe, os resenhe.

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Sempre me deparei com informações esparsar sobre o trabalho embrionário e desconhecido de Alan Moore. Mas foi lendo O Mago das Histórias (obra completíssima escrita por Gary Spencer Milldge) que pude ver, em ordem cronológica, um pouco sobre tudo o que foi realizado pelo autor antes de se tornar conhecido no mainstream. Acho interessante mostrar um pouco dessa fase anônima.

Bem antes de começar a escrever histórias para a 2000AD ou Warrior, quando ainda não sabia bem o que fazer da vida e precisando arranjar grana para sustentar esposa e a primeira filha (desde que isso não importasse em se trancar num escritório chato), Alan tentava ser o que costumei chamar de quadrinista puro: o cara que escreve, desenha, arte-finaliza e faz até mesmo o letreiramento de suas HQs. Embora já tivesse empreendido energia em fanzines e raras ilustrações para revistas de grande e pequeno portes, foi na publicação Sounds e no jornal Northants Post que ele se profissionalizou, cumprindo prazo, recebendo salários semanais e procurando esforçar-se ao máximo para fornecer quadrinhos sob demanda.

Em Sounds, publicava a tira Roscoe Moscow, uma parodia dos romances de Raymond Chandler, cujos assuntos abordados variavam de acordo com o que Moore estivesse lendo na semana, mas sempre procurando inserir algum assunto voltado ao cenário musical da época. Não durou muito, sendo substituída por The Stars My Degradation, onde parodiava filmes como Alien e HQs como X-men. Nesta empreitada, a evolução no traço do autor é auferida a olhos nus, especialmente nos cenários detalhadíssimos. Mesmo assim, o escritor não conseguia elaborar suas páginas rapidamente. Como ele mesmo afirma, não sabia desenhar; e, para um resultado razoavelmente bom, precisava de mais tempo do que dispunha.

Paralelamente às tiras para Sounds (e estendida por muito mais tempo), eram realizadas as histórias de Maxwell, The Magic Cat, no periódico Northants Post. Inicialmente, destinavam-se às crianças. Com o tempo, devido à temática quase sempre “mais estranha”, passou à sessão de entretenimento geral. Como disse o autor, essas tirinhas de cinco quadros eram um “antídoto para Garfield”. Maxweel foi publicada durante sete anos, até o momento em que Alan começou a escrever Watchmen. E a HQ teria continuado. Mas o jornal publicou um texto editorial considerado extremamente homofóbico por Moore, de maneira que optou por cortar definitivamente o vínculo com a empresa e nunca retomou mais nada com o personagem, exceto por uma páginas publicada num suplemento especial, anos à frente. Coisas da cabeça às vezes confusa do autor.

Nas tiras, Alan Mú optava por pseudônimos: Curt Vile na Sounds e Jill de Ray no jornal do condado. Perguntado acerca da publicação desse material, de forma antológica para os dias de hoje, ele declina a ideia, destacando – com razão, penso – que os leitores não encontrariam, ali, o autor que conhecem.

Abraços xamânicos e até a próxima.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Enfim, O Fim [ A Liga Extraordinária: A Tempestade ]

Imagem de meu acervo pessoal.

"Edward, vamos dançar?"
- Mina

Meu primeiro contato com As Aventuras da Liga Extraordinária se deu graças à finada Pandora Books. No caso, era uma edição integral, reunindo todos os capítulos da primeira parte da saga, quando o grupo liderado por Mina Harker é formado e, ao final, eles conseguem desmontar a quadrilha do vilanesco Professor Moriarty, o então “M” à frente da inteligência britânica. Destaco que aquele encadernado foi considerado “ilegal” à época, pois, dizem, a Pandora não teria mais direitos de publicação e, mesmo assim, colocou novo material à venda, alegando ter refilado excedente antigo e o reunido em nova capa. Obviamente, isso não colou, pois perceberíamos artifício assim até mesmo devido à numeração de páginas. Mas tanto faz. O próprio Moore é o primeiro a criticar os ganhos das grandes editoras e gritar aos quatro cantos acerca da necessidade em se repartir riquezas. Mas, claro, na cabeça de Mú, a riqueza estaria nos bolsos da classe média que rala todos os dias para quitar carro, financiamentos, planos de saúde e escola particular dos pimpolhos. Mas essa é outra história… Sempre tive um carinho pela Pandora Books e agradeço por cada momento de alegria que ela me deu, inclusive quando publicou seus fascículos, em acabamento canoa com grampos, de Alan Moore's Tomorrow Stories.

Foi inovador ler algo como a Liga: personagens da literatura vitoriana unindo-se contra o arqui-inimigo de Sherlock Holmes. E, no meio de tudo isso, transitamos pelos meandros do serviço de inteligência britânica e um sem número de referências culturais. Isso há dezesseis anos, quando comprei mencionada revista na gibiteria Fênix, em Recife. Hoje, acho que seu nome é mais pomposo: Fênix Geek House. Ao menos, foi esta última a única loja Fênix que encontrei, em Recife, após pesquisas aleatórias.

O segundo volume da saga - quando a ficção marciana começa a se imiscuir na trama com os marcianos de H. G. Wells e o John Carter de Edgar Rice Burroughs - foi igualmente magnífico. Logo, os dois primeiros livros, reunidos tardiamente no Brasil, pela Devir, no mega álbum 1898, representam a melhor fase da saga. O que veio depois não é ruim. Mas passa longe da qualidade das primeiras tramas. Os próprios criadores reconhecem que o caldo desandou nos outros títulos, de certa forma. Assim, ao final de A Tempestade, Moore e O'Neil são os protagonistas do epílogo, onde se veem sem saber o que fazer com a quantidade de entulho acumulada num grande depósito de referências literárias, quadrinísticas, televisivas e cinematográficas durante os últimos vinte anos de produção d’A Liga. Ali, Moore nos diz: “E nós sempre levamos em conta as preocupações dos leitores: quando perceberam que Século tinha um ritmo lento e literário, fizemos a Trilogia Nemo. “Rápida demais e muito leve”, disseram.”. Já  O'Neil concluíra: “Ainda assim, reconheço que deixamos o melhor pro final. A Tempestade foi o proverbial samba do crioulo doido!”. Sim, a A Tempestade é isso: o sumo de duas décadas d’A Liga, inserido a pontapés na saga, para sua necessária conclusão. Contudo, não deixa de ser um bom gibi. Particularmente, gostei de todos. Acompanhei a conta-gotas cada lançamento e não me arrependo. Foi um ótimo tempo empregado. Em A Tempestade, a cultura atinge a entropia e desmorona. Ao menos esta foi minha conclusão pessoal.

Na imagem acima, de meu acervo, só falta o segundo volume do que veio a ser a fase 1898, com a invasão da Terra pelos tripods de H.G. Wells. Não comprei o volumão da Devir e acabei lendo esta história, há anos, em scans. A própria Devir, em 2004, havia lançado esta HQ isoladamente. No entanto, acho que sua tiragem foi tão pequena que sumiu do mapa rapidamente. Então ficará este buraco em minha coleção impressa. Mas tanto faz. Deixei de ligar para isso há algum tempo e me condiciono para, cada vez mais, dar menos atenção ao “ter papel” em minha vida.

Acho curioso que A Tempestade - possivelmente a última obra escrita por William Shakespeare - permeia A Liga desde o início de Século, devido a menções a Próspero, duque milanês. E tudo é concluído com a tempestade trazida ao nosso sistema solar, onde tudo desmoronará. Na dramaturgia, Próspero - figura enganosa, ardilosa e dissimulada - também invoca tormentas para atingir seus fins. N'A Liga, essas tormentas são culturais, onde todas as mais temíveis criações intelectuais esfacelarão nossa História. Outra grande saga dos quadrinhos também encontrou n'A Tempestade sua conclusão: refiro-me a Sandman de Neil Gaiman. Basicamente é isso: nada é novo. Sandman misturou mitologias, religiões, erudições e cultura pop até seu clímax, onde tudo seria repetição, no final das contas. E Alan Moore fez o mesmo.

No blogue anterior havia muitas resenhas sobre esta magnífica obra. Acho que não recuperei nenhuma. E tanto faz. Apenas recomendo que leiam esta saga. Valerá a pena.

Abraços miríficos e até a próxima.