segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Kombi 95, HQ de Thiago Ossostortos

 

Vai ralando na boquinha da garrafa
É na boca da garrafa
Vai descendo na boquinha da garrafa
É na boca da garrafa

Companhia do Pagode, 1995

Durante a leitura, topamos com imagens do televisor de tubo exibindo programas domingueiros onde mulherões quase peladas agarram homens tentando pegar sabonetes; programas de auditório com a nova sensação Mamonas Assassinas; programas da TV Cultura em sua época áurea, como X-Tudo, Glub Glub, Mundo da Lua ou os importados de peso a exemplo de O Mundo de Beakman ou Doug (fase Nickelodeon). Brinquedos da Estrela também estão por vários lugares, assim como jogos do Super Nintendo e arcades de Street Fighter. Mas calma, no pesado televisor também vemos cenas de Família Dinossauro, Sai de Baixo, TV Colosso, Anos Dourados, Capitão Planeta e Barrados no Baile. Os intermináveis comerciais não podem faltar, com um garotinho dizendo para sua mãe comprar Baton, a Arapuã ligadona em você e bebês fofinhos bebendo Parmalat (tomou?). Ah, uma formiga é arremessada por um poderoso sistema de som e o mordomo ranzinza não suporta mais o guri pedindo Tang.

Acima, falo do que encontramos durante a leitura de Kombi 95, quadrinho de Thiago Ossostortos cuja trama nuclear envolve amigos em busca de um guri desaparecido, o boato verídico e chancelado pela mídia marrom sobre roubos de órgãos por palhaços numa Kombi branca, o ápice do pagode mequetrefe com SPC, Molejo, Negritude Júnior, Katinguelê e pessoas descendo até a boquinha da garrafa etc. Mal sabíamos como tudo ficaria pior e que o poço não tem fundo. No início de cada parte do álbum, pacotes despejam Fandangos, Bancozitos, Pingo d'Ouro e Stiksy. Eu comprava alguns desses quando meu pai me levava à banca de revistas, quase sempre acompanhado de Taffman-E, também lembrado nas entrelinhas. Junto com os salgadinhos, Tazos! E, falando em banca de revistas, ela está presente, com prateleiras onde encontramos Adriane Galisteu na Playboy, VHS de minha eterna Silvia Saint, a revista Veja afirmando que você ainda se plugará na internet, A Morte do Super-Homem em formatinho pela Abril (comprei este gibi no lançamento), a Herói (comprei a número um, também, no lançamento), CD-ROM e Teclado e tantas e tantas outras finadas publicações.

O autor esclarece, no posfácio, que algumas referência foram anacrônicas, não sendo realmente dos anos 95/96, mas que tomou a liberdade porque são elementos que ilustram bem a época. E, colegas, que época! Costumo dizer que foi a melhor para pessoas de minha idade, pois, já adolescente, colhi todo o refugo cultural americano da década passada justamente neste período, enquanto tomava contato com tantas coisas novas, especialmente em relação à tecnologia.

Ah, mas nem tudo nos quadrinhos é fofo. Há espaço para a violência juvenil, a erotização precoce e o consumo de drogas pesadas se espalhando entre moleques, independentemente de classe social. Recordei, aliás, de colegas que, mais ou menos nesses mesmos anos, começaram a usar psicotrópicos variados e assim arruinaram suas vidas. Sueldo, Bruno e Beto, não sei onde vocês andam hoje, mas acredito que não estejam bem. Torço ao menos que Deus os proteja.

O gibi é caprichado: capa cartonada com orelhas (evitando desgastes similares a "orelhas de burro"), miolo com 128 páginas coloridas em papel similar ao couché, em boa gramatura e meio poroso e opaco, ajudando na leitura devido a menos reflexo; e tamanho 17,0 x 24,5 cm. Editora: Plot! Editorial, por mim até então desconhecida.

Aos jovens mancebos criados com biscoito recheado e água, à frente da TV durante a Sessão da Tarde em plena metade da década de 90', recomendo bastante. Como éramos felizes e não sabíamos. Eu, ao menos, fui feliz naquela época e me encantei com cada referência pescada durante a leitura de Kombi 95.

As referências musicais são essenciais e estão novamente presentes, assim como em trabalhos anteriores do artista. Dessa vez, você pode acessar a playlist Kombi 95, no Spotify, por meio de QR Code.

O autor, neste momento, está com financiamento coletivo aberto para sua próxima HQ, no Catarse. recomendo bastante. Escolhi a recompensa para R$ 55,00, pois assim ganho a publicação Eloiza Aterroriza, a qual não possuo, enquanto possuo (felizmente) quase toda a demais bibliografia do autor. Quem quiser participar, acesse: Dois Mil e Um Chopes. Há recompensas generosas para quem ainda não possui nada do quadrinista, com vários álbuns a uma bagatela.

Fico por aqui, sugerindo a gratificante leitura deste excelente gibi e que apoiem o projeto de Dois Mil e Um Chopes. Também indico o acesso às resenhas Mjadra e Os Últimos Dias do Xerife, as quais, para mim, foram as melhores leituras do ano.

Grato, Thiago Ossostortos, por me proporcionar este agradável momento em Kombi 95.

Abraços tortos e até a próxima.





4 comentários:

  1. Olá Neófito, tudo joia?
    Também vivi o final dos anos 90, provavelmente não tão intensamente quanto você, pois cheguei na adolescência no final dos anos 2000. Por volta de 2007, digamos, já era um jovem mancebo.
    Acho bastante interessante como as coisas mudaram neste curto espaço de tempo, não só na cidade como na personalidade das pessoas. As vezes tenho a impressão de que fiquei parado no tempo. Antigamente, nós jovens jogávamos bola na rua, utilizando os portões como gol, ou mesmo as sandálias. A cidade, em minha pequena cabeça, se resumia ao pequeno bairro de periferia, e os amigos eram melhores e em menor quantidade. Existia uma irmandade entre aquelas pessoas. Hoje, o vizinho não sabe o seu nome, os amigos estão cada vez mais distantes, interesses próprios sucumbiram os da comunidade, e a irmandade não existe mais, pelo menos não em valores, mas somente em interesses. Quase não vejo mais ninguém brincando na rua, os "jovens" no auge de seus 12 anos já se dirigem aos bailes para se divertir, deixando as ruas vazias.

    Algo que me dá uma certa nostalgia é lembrar das copas do mundo, pois pra mim foi uma das coisas mais bruscas que vi mudar. Antigamente as ruas eram pintadas, existia toda uma preparação para um jogo do Brasil, as crianças viviam numa excitação que dava gosto de ver.
    Nosso cérebro tende a criar estórias de ordem, e no meu tudo acabou com aquele gol da França em 2006, quando o grande Henry subiu para cabecear em direção ao gol, sobre um time cheio de craques nacionais. Na minha cabeça, naquele instante se instalou um silêncio, que nunca mais senti em copas, foi como se sumisse algo, algo se exauriu.
    Hoje é algo banal, tanto que quase todo mundo torce contra o Brasil. Nas ruas onde morava, nunca mais fizeram o que faziam, os enfeites, as pinturas nas ruas e etc.

    O mundo mudou, ou talvez nossa visão de mundo que mude. Independente do que aconteceu ou deixou de acontecer, aquilo que passou sempre deixa esse sentimento, de que era melhor naquele tempo.

    Quanto a Ossostortos,ainda não cheguei a ler nada dele, mas li os dois posts que havia comentado sobre os últimos HQs. Ultimamente, como comentei anteriormente, estou tentando me livrar de coisas paradas, acabando não comprando nada no que se refere a livros.

    Um Abraço!!

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    1. Fala, Matheus. Tudo joinha por aqui e espero que por aí também.

      A primeira Copa que vivi efetivamente foi a de 1994, onde nossa seleção levou o título logo após o pênalti perdido de Roberto Baggio. Acompanhávamos não apenas os jogos da seleção, mas tudo o que era possível. Ficávamos marcando as tabelinhas com placares e íamos acompanhando a evolução de cada fase e apostando quem subiria para quartas, semis etc. Meu irmão já tinha costume de fechar álbuns de figurinhas de futebol, mas a partir de 1994 também passei a me interessar por isso.

      Com 16 anos de idade, igualmente acompanhei toda a Copa seguinte. Recordo bem o "lá vem Petit, Petit bateu e é gol". E acabou. E o sentimento nacional de derrota. Você pode não crer, mas assim que comecei a ver os jogos da oitavas, afirmei que a França seria campeã e que Zidane seria o melhor jogador do evento. Ah se eu tivesse apostado dinheiro naquilo...

      Mas, em resumo: hoje nem sei mais o que é futebol. Acho que nem os jogadores profissionais sabem. Mas aquela lembrança de uma grande Copa e como isso mexia com todos ainda é forte. Penso que ainda deve mexer com muito guri por aí, vai-se saber...

      Acho muito triste quando, hoje, vejo garotos de 12 anos já "maduros" para virar a noite em baladas, bebendo e se comportando como adultos, embora sejam quase todos pamonhas e incapazes de sobreviver e entender o mundo. Tenho pavor da maioria dos adolescentes com quem converso. Eta geração perdida.

      Como vc sabe, limitei minhas compras a quase nada durante tempos. Até andei comprando algumas coisas, mas bem pontuais. E já estou parando novamente. Acumular é mesmo um problema. Se livrar de entulho é bom.

      Abraços!

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  2. leituras sobre os anos 90 são sempre bem vindas - ajudam a mente a navegar em um mar de saudosismo
    tenho muita curiosidade sobre o destino das pessoas que conheci na época, mas é apenas um desejo que nunca será satisfeito
    minha pilha de quadrinhos já tá no limite e resenhas como as sua ajudam a ter contato com material que posso nunca vir a ler

    abs!

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    1. Olá, Scant.

      "ajudam a mente a navegar em um mar de saudosismo"

      Gostei bastante deste autor justamente por isso. Sempre me vejo imerso em um mar de boa recordações, ao lê-lo. E me parece que sua próxima HQ seguirá a mesma fórmula mágica. E, diferente de recordar isso por uma ótica alien, é tudo muito palpável, como realmente era para nós, jovens brazucas criados em bairros que eram um mundo livre.

      "mas é apenas um desejo que nunca será satisfeito"

      Seu voyeur. Compreendo bem isso. É um sentimento comum. Gostaria de rever muita gente, e de saber como estão.

      "minha pilha de quadrinhos já tá no limite"

      Problema comum a todo leitor. O negócio é relaxar e ir lendo o que e como dá. O mais importante é NÃO COMPRAR MAIS. Ao menos por um tempo.

      Abraços!

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