domingo, 16 de janeiro de 2022

Pateta e a vida frugal

 

Não gosto de glamourização da miséria porque residi toda a minha vida em regiões pobres e viajei por outras trocentas igualmente miseráveis. Não é bonito o que fazem por aí, postando casebre de taipa no meio do mato como algo fofo. A vida na roça é difícil. Tudo é inacessível, plantios se perdem por qualquer bobagem e bichos morrem por causas inexplicáveis. Não há beleza em bairros urbanos paupérrimos. Mas, para os adeptos da vida simples em apartamentos milionários e com a delicatessen embaixo do edifício, sempre indico que isso não passa de hipocrisia e que minimalista mesmo é o Chico Bento. Falei sobre isso em Minimalismo de Boutique e não me estenderei mais a respeito.

Como nem tudo na vida é preto no branco, às vezes a área cinzenta me leva a pensar como é bom deixar o mundo físico ruir à nossa volta e apenas aproveitarmos a vidinha besta sem neuras. Explico: sua casa se deteriora, estofados se rasgam, móveis mais vagabundos se estragam. Quanto a móveis, todos os meus são de madeira de lei e nunca se estragarão - exceto os planejados. Nunca gostei de comprar merda para casa, pois, como dizia vovó, o barato sai caro. Mas é necessário falar sobre tudo isso também, até sobre os móveis que se consomem e nos consomem. O que fazemos quase sempre é reformar o barraco, refazer estofamentos e trocar móveis. E isso nos escraviza. Não é tanto pela grana - embora, claro, dinheiro sobrando sempre é bom. É mais pelo estresse, mesmo, de não se conseguir viver em paz com essas coisas velhas, quando nos mesmo estamos ficando velhos, enrugados e doentes.

Esses dias finalizei o gibi 365 Histórias em Quadrinhos da era Disney Culturama. É um gibi fraco, com uma historinha por página, mas com seleção pobre. Mas reconheço ser difícil realizar algo muito bom em apenas uma página. De qualquer forma, ler este gibi aos pouquinhos foi divertido e me alegrou. E, em um dado momento, percebi como Pateta vive bem em seu cafofo, mobiliado com cacarecos e móveis velhos. Pateta sempre foi o personagem mais feliz Disney. Por ter pouco e esperar pouco do mundo, sempre ficou satisfeito com frugalidades, como uma comida boa ou um dia de clima bacana.

Pateta não buscou pelo minimalismo nem dourou a pílula da pobreza. Apenas vive de bem com o que tem à sua disposição da melhor forma possível. Claro que o fato de ser louco também ajuda em sua constante alegria, mas isso é outra história. E algumas historinhas deste gibi, percebi o Pateta sempre com aquele sorriso manso no rosto, quando em sua casinha paupérrima.

Beleza é essencial e coisas bonitas à nossa volta nos fazem bem. Mas a que custo? E o envelhecimento de nossa casa e dos bens que a guarnecem seria assim tão "feio" ou haveria certa beleza nesse processo natural de deterioração? Andei pensando a respeito e concluí deixar minhas coisas envelhecerem sem demais zelos e cuidados. Tomarei cuidados mínimos porque minha filha precisa de conforto e segurança. Então irei com calma nisso. Mas, realmente, não quero mais ficar cuidando de tanta alvenaria, madeira e metal. Cuidar de mim já exige tempo, grana e energia. E mal venho dando conta disso tudo. Ser um pouco Pateta na vida, creio, nos faz bem.

Goofy in Flowery Expectations, ou Pateta em Flores pra Mim?. Roteiro de Gorm Transgaard e arte de  Joaquín Cañizares Sanchez. Código D 2014-090.

8 comentários:

  1. ainda acho que o pateta tem algum disturbio mental grave e inoperável, hehe;

    curiosamente, o pateta do desenho animado dos anos 90 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Goof_Troop) vivia em um padrão de classe média e parecia ser outro personangem.

    abs!

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    1. Fala, Scant.
      É como em Raul Seixas: os doidinhos são felizes. Ou ao menos alguns deles. Os legítimos.
      Sim, nos desenhos ele vivia bem. Acho que pegaria mal uma vida fodida nas animações. Os pais não gostariam de ver algo assim.
      Abç

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  2. Olá, Neófito.

    Boa reflexão, essa do Pateta. Também acho que ele era meio doido. Ser doido ajuda muito, doido e com pouco discernimento, pois aí não têm parâmetro de comparação, qualquer coisa serve. Na maioria das vezes ficamos tristes por nos compararmos com os outros e com nossos “eu”s ideais, me parece.

    Entendo sua reflexão sobre os móveis. No seu caso, por serem feitos de madeira de verdade, duram uma eternidade. Além disso, a maioria das vezes, temos muita coisa pra cuidar pois acumulamos muita tralha. Uma casa simples não precisa de espaço demais, nem móveis em demasia. Só o suficiente. O problema é que queremos sempre mais e caímos na tentação de comprar outra prateleira, outro sofá, outra mesinha e etc. Ou mesmo de fazer uma casa gigantesca para morar 3 pessoas.

    Ainda existe o efeito internet, com gente querendo criar a falsa ilusão de que é simples e fácil viver em mansões ou mesmo em fazendas, sem mostrar todo o trabalho que dá, tanto para ter o dinheiro necessário para adiquirir quanto para zelar.

    Em tempo, viver no campo para os youtubers é viver em condomínio fechado com tudo por perto. Acredito que de todos esses indivíduos que pregam morar no campo não aguentariam 15 dias com o mercado mais próximo ficando a 11km de distância e precisando enforcar galinha pra ter carne.

    Abraços!!

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    1. Fala, Matheus!

      Minha casa acabou ficando grande por acaso. Ao lado havia um espaço pequeno, usando por meu cunhado. Ele não queria mais e o único comprador seria eu, pois qualquer outra pessoa estranha seria bem invasivo. Então "emendei" a "minicasa" dele à minha.

      O que gosto mesmo é de terreno sobrando, de área externa. Dá um trabalho para manter, claro. Mas nada de outro mundo. E é prazeroso cuidar de terreno. Mas cuidar de casa nunca o é. Só gasto e estresse.

      O móveis bons são um belo gasto. Nunca mais precisamos recomprar nada. E madeira boa dura várias vidas. É bom vc olhar para aquela poltrona que possui há anos e verificar que está do mesmo jeito que antes, mesmo sem cuidado algum. Além da beleza da madeira boa (gosto bastante de ipê, por exemplo).

      Tenho algumas coisas vagabundas, como nichos e prateleiras para colocar bobagem, a exemplo de gibis. Mas só.

      Acaso eu viva o suficiente, pretendo me mudar para uma casa pequena e com bastante terra nua em volta. Já construí casa e quero fazer isso novamente.

      Os caras da "vida simples" são uma comédia.

      Abraços!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Opa, Pateta!
      Você é um especialista em Pateta. Não à toa seu avatar.
      Desconheço essa história, mas fiquei curioso. Vou correr atrás.
      Já tive um problema sério com sifão de cozinha quando uma visita pateta jogou gordura quente na pia, desmanchando o sifão e arruinando todo o fundo do armário onde ele estava embutido, além da sujeira.
      Nunca usei seguro residencial. Acho que nem cobrem casas velhas como a minha. Já me incomoda pagar seguro automotivo!
      Hoje, estamos mais para trouxões!
      Abraços!!!

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  4. O Pateta (o da Disney) é quem está certo. Eu gosto de ver as coisas envelhecendo junto comigo, desde que se mantenham funcionais. Claro que uma torneira pingando, eu vou arrumar, que um chuveiro queimado, vou trocar a resistência etc, mas não vejo motivo, por exemplo, para pintar a casa toda, conviver durante dias com sujeira, desarrumação, atraso do pintor, simplesmente, porque as paredes estão um pouco encardidas, ou porque enjoou da cor; não vejo motivo em trocar o piso do banheiro, cozinha se ele ainda está de acordo. Sou igual a gato, não gosto de mudanças, nem de gente estranha transitando pela casa.
    Morei num apartamento durante 16 anos, pensei que seria a minha penúltima morada (a última, o crematório), mas a esposa encasquetou que queria mudar para um prédio mais novo etc. Lutei contra durante uns três anos, mas acabei capitulando. Mudamos para o novo apartamento em maio de 2020, apartamento novo, somos os primeiros moradores. E não é que agora ela resolveu pintar todo o apartamento? As paredes estão novinhas, limpas, mas ela quis mudar a cor, tirar o branco das paredes. E sabe para que cor? Um tom de bege. Pãããããta... mudou de branco pra bege!!!
    E o serviço está sendo feito justamente nessa semana, desde segunda-feira e provavelmente só acabará na segunda que vem. Minha última semana de férias foi pro saco.
    Sou como o Pateta, mas não consigo viver com ele. Morro de inveja.

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    1. Olá, Marreta!

      Ótimo comentário. E isso resume tudo: "desde que se mantenham funcionais".

      Eu até poderia tentar viver como ele mais rapidamente. Mas, como vc, tenho mulher e cria. Mas a gente resiste como pode. Final do ano passado, a esposa andou falando em mudar algo na casa. Bati logo o pé e disse não. Faço as manutenções necessárias, claro. Tenho um monte de ferramenta e gosto de usá-las.

      Em resumo: manter a casa limpa, segura e funcional. Isso basta.

      Abraços!

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