terça-feira, 10 de novembro de 2020

A mensagem final em David Boring

 


Meu primeiro contato com Daniel Clowes foi em Como Uma Luva de Veludo Moldada em Ferro, há quase uma década e meia. Minha edição é da Conrad e, atualmente, fico feliz em ver que a Nemo a relançou, juntamente com a opus magnum Ghost World. A Nemo, aliás, está nos dado muito de Clowes. Foi por ela, por exemplo, que li Paciência e David Boring. Gosto de tudo realizado pelo autor e não compreendo críticas negativas sobre alguns de seus trabalhos. Por mais que leia e releia os argumentos de quem detrata e destrata algum trabalho, nunca acho plausível. Mas, enfim, questão de gosto. É um dos poucos autores com os quais ainda gasto grana, comprando edições impressas.

A história reúne fatos do insólito cotidiano. Acompanhamos o protagonista homônimo em sua jornada de tocar o barco da vida, enquanto confronta misteriosos homicídios, um obscuro gibi escrito e desenhado por seu pai incógnito, uma quase guerra biológica calcinando a Terra e... bundas, muitas bundas. E quanto maiores as bundas, melhor para o anti-herói. Também sou grande entusiasta de traseiros e por isso o compreendo. Penso, no entanto, que o núcleo da trama é a insatisfação humana e a constante busca pelo ideal. Em David, o ideal é representado por uma mulher idealizada desde a infância, inspirada em sua prima. É simbólico. Essa busca pelo idealizado nunca chega a lugar algum e só traz amargura ao aborrecido (Boring?) e meio apático personagem. E após tanta turbulência, quando tudo deu errado, passa a dar certo. 

Já ao final da HQ, na última página, o próprio David nos diz algo bem simples mas que, devido ao peso das páginas anteriores, consegue nos atingir de uma forma diferente: apenas viva o presente. Então ele está, finalmente, feliz.

Estamos tentando viver em paz, sem arrependimentos ou apreensões, preocupados em viver o presente em vez de um futuro imaginário.
Aceitamos graciosamente este final feliz, o reconhecemos desta forma: um bolsão suspenso de calmaria entre o clímax e o esquecimento.
Depois de tudo, o que mais poderíamos esperar além de algumas semanas perfeitas antes que as cortinas se fechem?
Acredite em mim, sou grato por cada segundo.

É tão simples. Um lugar-comum como o velho chavão "viva o presente" encontrou, neste álbum, grande amplitude e realmente conseguiu nos atingir. É que Clowes soube como contar um mesmo final de resiliência - tantas vezes contado em gibis, livros, filmes e seriados - de uma forma diferente. A mensagem final não vale apenas isolada, mas quando confrontada com tudo o que nos foi mostrado nas 140 páginas anteriores.

Num ponto da história, David diz ao seu tio avô August Brown ser produtor de filmes (uma mentira, de certa forma). O velho lhe responde: "Lembrem-se do que dizem: todas as histórias já foram contadas. Então, se você precisar contar uma, conte direito!". E o quadrinho é exatamente isso: a mesma história de sempre, contada direito.

Ler David Boring me abriu os olhos para retornar a apreciar mais o dia a dia e deixar de lado pensamentos sobre o porvir, totalmente fora de minhas mãos. Eu estava precisando disso.

Abraços aborrecidos e até a próxima.

Títulos de meu acervo pessoal.

Gostou da matéria? Confira vídeos, em meu canal, sobre obras do autor:


2 comentários:

  1. desse livros só li a metade
    agora com seu post acho que vai dar um ânimo de voltar a ler
    ótima mensagem

    abs!

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    Respostas
    1. Se parou há bastante tempo, releia do começo.
      Olha, acho Clowes muito bom. Não consigo parar uma leitura dele.

      Abraços, Scant!

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