terça-feira, 5 de março de 2024

O Fantasma do Riacho Molhado


A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Manuel Bandeira em Velha Chácara


Eta vida besta, meu Deus.

Carlos Drummond de Andrade, em Cidadezinha qualquer

Seriam sincronicidades da vida ou meras coincidências. Há postagem aqui de março de 2021 onde destaquei que os dias andavam chuvosos e que eu estava lendo e relendo trabalhos de Charles Burns. Estes dias novamente andam chuvosos. Chuvas fortes, torrenciais. Aqueles dias onde é melhor nem se arriscar a sair de casa para não ficar ilhado por aí devido a alguma inundação temporária. E, curiosamente, ontem, reli Sem Volta, daquele mesmo autor. Aparentemente, chuva me leva a caras como ele. Há fenômenos que não sabemos explicar.

Dessa vez, além de chuva, li-o ao som de um riacho turbulento. Devido às fortes chuvas, o riacho quase virou um rio de águas violentas e barrentas. Até troncos leves de árvores foram arrastados e um carro. Sim, um carro. Por que alguém deixaria carro estacionado no leito do riacho, nem imagino. Talvez devido ao Q.I. nacional que já está abaixo do dos chimpanzés. Foi um alvoroço. A macacada que habita o matagal ficou gritando bastante, acredito que buscando abrigo ou até mesmo devido a membros das famílias primatas que podem ter sido levados pelas águas.

Quando escolhi este lugar para morar, o atrativo foi a mata ao lado. O apartamento era de uma amiga e a propaganda dela foi justamente a mata e o riacho a poucos metros. Nunca morei ao lado de um riacho. Mas é realmente interessante ouvir o correr das águas ao lado de onde moramos, junto com o canto de pássaros, marrecas e guinchados de macacos. O receio é sempre com jiboias e jacarés. Mas ficamos de olho nisso regularmente. Vale o preço de ter um riacho nas imediações. Deve ser interessante crescer perto de algo assim, tendo o som das águas como elemento de recordação afetiva, como canta Manuel Bandeira, meu poeta preferido, no poema Velha Chácara, acima.

É isso. Assim como em março de 2021, este dias estão chuvosos. Ando relendo algumas coisas, passando o tempo com as alegrias e os problemas familiares, com meus gatos idosos e na santa e graciosa paz de Deus. A vida é muita curta para não tentarmos aproveitar o mero cotidiano, sem remoer águas passadas e possíveis enxurradas que podem nos espreitar no porvir. Sigamos nesta vidinha besta de cada dia.

Abraços lamacentos e até a próxima.

sexta-feira, 1 de março de 2024

Os Cadernos Azuis


As sereias, porém, possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: seu silêncio.

- Kafka

Conheci The Blue Notebooks há quase dois anos, meramente por acaso, quando ouvi uma das faixas como fundo musical de um vídeo qualquer. Trata-se de um belo trabalho de Max Richter lançado há quase vinte anos, cujo título baseia-se nos cadernos azuis de Franz Kafka e, aliás, durante alguns momentos da execução ouvimos Tilda Swinton, a mulher-cotonete, recitando trechos dessas anotações. Algumas leituras também foram feitas de versos esparsos do poeta Czesław Miłosz. Acho que a voz de Tilda Swinton deu um tom cinematográfico às composições, fazendo-nos sentir dentro da trilha sonora de um filme nunca realizado. A máquina de escrever datilografando também deu charme ao bagulho.

De acordo com o próprio Max Richter, The Blue Notebooks seria um libelo contra a Guerra do Iraque e a violência em geral. Para mim, tanto faz. Acho que ele só quis rotular seu trabalho com algo afirmativo quando associou a busca do pacifismo à sua obra. Aliás, concordo com isso: a Guerra do Iraque foi um erro e apenas após anos soubemos disso. Saddam Hussein nunca deveria ter sido deposto de seu "cargo" de Ditador. A "Primavera Árabe" que se seguiu só legou dor de cabeça ao ocidente e o avanço das imigrações em massa.

Amiúdes: é um álbum que voltei a ouvir repetidas vezes, durante este mês passado de fevereiro, especialmente enquanto trabalhava. Achei bacana compartilhar, considerando que já recomendei som ambiental por aqui noutras oportunidades.

A playlist com todas as faixas pode ser acessada aqui: Youtube Music ou Spotify.

Abraços sonoros e até a próxima.