quinta-feira, 2 de março de 2017

A Liga Extraordinária, Século: 2009


Imagem de meus exemplares.

Com esse terceiro volume, a Devir concluiu a terceira parte dessa que é a maior saga dos quadrinhos: complexa, inteligente e bem amarrada. Diferentemente dos outras partes, Alan Moore optou por dividir a terceira em três capítulos, capa um publicado em volume específico. Os capítulos foram: O Que Mantém Viva a Humanidade (Século: 1910); Pintado de Preto (Século: 1969) e Que Venha Abaixo (Século: 2009).

Para variar (!), o título de cada capítulo referencia uma produção cultural do momento onde concentra-se a trama. Assim, "o que mantém viva a humanidade" nos remete à Ópera dos Três Vinténs (Die Dreigroschenoper), do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, e a canções populares nesta peça inspiradas. Sem dúvidas, "pintado de preto" liga-se à canção Paint it Black, da britânica The Rolling Stones (banda com papel de destaque na própria história). Aliás, o segundo capítulo d'A Liga vol. III começa com menção à morte por afogamento do ex-guitarrista Brian Jones. E o famoso concerto no Hyde Park (que lhe homenageou) seria, na verdade, parte de um ritual orquestrado por Oliver Haddo para mudança de corpo. Quanto ao título da terceira parte, ainda tenho minhas dúvidas e prefiro pesquisar mais um pouco antes de escrever bobagem.

Mas, voltando ao terceiro volume, o que dizer? Uma HQ excelente, com referências às criações culturais mais recentes, como filmes clássicos da década de 80': De Volta para O Futuro, Os Garotos Perdidos, Mulher Nota 1000, Os Aventureiros do Bairro Proibido. Além disso, séries de TV também tiveram sua vez, de maneira que encontramos referências ao seriado Lost e até personagens da série Heroes, além de duas versões de Doctor Who. James Bond marcou presença em versões cinematográficas (Roger Moore e Daniel Craig), chamadas por Emma Peel (Os Vingadores) por siglas: J3, J6 etc. De acordo com Emma Peel (que ocupa a posição de "M", cabeça do MI6), James Bond tornou-se uma instituição nacional, de maneira que eles contratam dublês cada vez mais jovens para manter o mito. Todas essas referência mais atuais enriquecem essa mega saga "pop-erudita" que é A Liga. Houve até brecha para cutucar as produções hollywoodianas baseadas nas HQs do próprio Alan Moore, quando Norton (O Prisioneiro de Londres), diz, sobre King's Cross: "Cópia de um antro de ópio para Johnny Deep". E essa menção fica para aqueles que assistiram à lamentável adaptação de Do Inferno para o cinema.

A imagem do próprio Alan Moore, por sua vez, foi a utilizada por Kevin O'Neil para representar o duque Próspero (da peça A Tempestade, de William Shakespeare). É Próspero que lidera, há alguns anos, os remanescentes d'A Liga, preparado-se para a vinda do Anticristo.

Pela TV, conhecemos que o Presidente norte-americano atende pelo sobrenome de Palmer e possui uma equipe que promete acabar com a recessão econômica em vinte quatro horas. Qualquer ligação com a série 24 Horas e o Presidente David Palmer não é mera coincidência.

No entanto, creio que a melhor referência seja ao personagem Harry Potter. Como sabemos, esse "bruxinho" criado por J.K. Rowling e sucesso de vendas e bilheteria é um plágio descarado de Tim Hunter, personagem dos quadrinhos criado por Neil Gaiman para o título Os Livros da Magia. Harry Potter é, notadamente, uma obra de baixo nível literário, o que logo seduziu milhões de "leitores"; a franquia deu fôlego ao mercado de livros ruins escritos para pessoas preguiçosas. Todo um lixo literário surgiu após o estrondoso sucesso do "maguinho". Alan Moore sabia o que queria desde o início. O "Anticristo" concebido desde o "Século: 1910" seria um objeto cultural. E toda a trama de "Século: 2009" gira em torno do declínio espiritual da civilização moderna. Assim, quando Mina desperta de seu entorpecimento de 40 anos num manicômio, ela associa a vida dos londrinos modernos ao da era vitoriana, só que sem esperança. Com Orlando, ela desabafa: "Não é só a miséria. As pessoas eram desesperadamente pobres em 1910. Mas, pelo menos, achavam que as coisas tinham um propósito. Como a cultura desmoronou em cem anos?". E Orlando responde: "Tornando-se irrelevante como sempre".

Se no final de Século: 1969 uma enigmática figura atravessou as paredes de uma estação de metrô, no capítulo seguinte soubemos que, ali, estava a estação oculta para o Expresso Hogwarts, das história de Harry Potter. Mina e Orlando embarcam no Expresso (quase destruído, com várias crianças mortas aderidas às suas paredes, restos de uma chacina executada pelo próprio Potter ao descobrir seu destino de Anticristo). Em Hogwarts, Orlando associa a destruição ali encontrada aos massacres cada vez mais comuns em escolas pelo mundo, onde garotos malucos atiram em volta para matar o máximo possível de coleguinhas. A comparação entre o mundo real e o cultural e inevitável. Mina e Orlando sugerem um debate tipo "o que vem primeiro, o ovo ou a galinha". Assim, a depravação do mundo real teria arruinado o imaginário (a exemplo do estado lamentável de Hogwarts e arredores) ou é justamente o baixo nível da criação cultural que nos dilapida, pouco a pouco? Boa pergunta.

Para enfrentar a ameaça desse anti-Cristo cultural, desce dos céus a Deus ex machinaMary Poppins, que tem por função cuidar das crianças do mundo. Em suas próprias palavras: "Eu tenho muitas responsabilidades. A principal delas, entretanto, é a minha preocupação com as crianças. Eu me preocupo com bem-estar delas e o desenvolvimento saudável de suas imaginações. Eu me preocupo com o comportamento delas". É Mary Poppins que, chamada por Próspero, combate o malefícios da baixa cultura, do lixo literário que abunda nas prateleiras das livrarias e nas salas dos cinemas.

Também foi neste volume que tivemos a conclusão da parte em prosa d'A Liga - a novela Lacaios da Lua, pretensamente escrita por um tal de John Thomas. Em Século: 1910 ficamos meio perdidos sobre essa aventura de Mina no espaço, ao lado do Papão-Fujão e das bonecas holandesas, além da existência de uma Liga especial, formada por superseres, incluindo o Capitão Universo. Essa história meio oculta da Liga (nesta fase, sob a chefia de Próspero) nos é narrada pela mente delirante de Mina, enquanto estava sedada durante quarenta anos num manicômio, procurando organizar suas ideias por meio de colagens e rabiscos.

Posteriormente, os três volumes de Século foram reunidos numa edição integral belíssima, contendo capa dura e sobrecapa, com citação ao meu antigo Blog do Neófito na quarta capa, com trecho da postagem acima.





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