Quando eu era guri, meu pai estacionava em frente de nossa casa, buzinava e saíamos para um passeio — quase sempre aos sábados, pela tarde. Ele, em regra, nos levava à banca de gibis do terminal rodoviário, a maior da cidade, onde comprávamos quadrinhos variados (meu irmão escolhia os de heróis; eu, os da Mônica, Recruta Zero produzido nos estúdios da Globo, Turma do Arrepio etc., com raras edições da Disney). Também podíamos pegar um salgadinho Elma Chips e alguma bebida. Nesse ponto, minha mão ia direto para um frasco de Taffman-EX, o hidromel da criançada.
Meu pai não podia entrar na casa que ele mesmo comprou com o suor do rosto, porque havia sido esfaqueado por minha mãe e, desde então, não falava mais com ela — uma senhora narcisista e borderline que nos apresentou o Quinto dos Infernos desde que nascemos. No máximo, ele se sentava na calçada e jogava alguma conversa fora. Ainda hoje está vivo, com 82 anos e bastante saudável — exceto pela perna direita, que nunca mais foi a mesma desde que a fraturou em um tombo. Trata-se de um homem admirável, que passou fome na infância, dormiu nas ruas e, já jovem adulto, edificou o que chamam de império. Mas o decurso do tempo e as circunstâncias acabaram por nos transformar, com o passar dos anos, em quase dois estranhos.
O Taffman-EX é uma bebida dita funcional — seja lá o que isso signifique — criada no Japão pela Taisho Pharmaceutical, com o objetivo de aumentar a energia e o bem-estar. Contém ingredientes como ginseng, cafeína e vitaminas do complexo B. Chegou ao Brasil por meio da Yakult, do mesmo grupo empresarial. Seria uma alternativa leve aos energéticos tradicionais, numa época em que ninguém ligava para energéticos e eu só via Red Bull em comerciais da TV - Red Bull te dá asas... Ganhou público entre a molecada que fazia das tripas coração para comprar um reles vidrinho daquele néctar azedinho que descia tão gostoso e era degustado molhando a língua aos pouquinhos.
Fazia meses que eu não comprava Taffman-EX. Não chegou a completar um ano, mas passou perto disso. E, para minha surpresa, a Yakult mudou a embalagem de vidro para plástico. Ficou estranho, parecendo bem menor (algo que já era pequeno, com seus míseros 110 ml), e o rótulo parece deslocado e enrugado. Foi ao pegar aquele frasco empobrecido, sem o charme do vidro — material destinado a uma “bebida de verdade, nobre” — que percebi como elementos da minha infância realmente se tornaram pó. Pelo menos, o sabor continua o mesmo.
Mas a passagem do tempo também nos traz bons frutos. A Yakult nos maltratava bastante, com seu mini frasco caríssimo de leite fermentado com lactobacilos vivos. No Orkut, quando eu já era adulto, havia até uma comunidade pedindo por Yakult de dois litros. E isso nunca surgiu. No entanto, hoje, temos várias marcas com litrões de leite fermentado de boa qualidade, como a Betânia e a Flamboyant. Chupa, Taisho Pharmaceutical! Agora é só esperar o plágio do Taffman-EX em galões de cinco litros e, finalmente, podermos dormir de alma lavada.
Abraços vitaminados e até a próxima.

