- Êpa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez! ...
E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecida à fumaça dos tiros, com os cabras saltando e miando de maracajás, e Nhô Augusto gritando qual um demônio preso e pulando como dez demônios soltos.
- O gostosura de fim-de-mundo!...
Guimarães Rosa, em A Hora e Vez de Augusto Matraga
Ando tão por fora do mundo televisivo que nem sabia da existência do remake de Renascer. Para mim, esta foi a obra-prima de Benedito Ruy Barbosa e talvez a segunda melhor realização da teledramaturgia brasileira, logo atrás de Roque Santeiro. Acompanhei a jornada de José Inocêncio, no sul baiano, do primeiro ao último capítulo, de quando fechou seu corpo com o facão na raiz do pé de jequitibá até sua morte e o legado ao filho enjeitado, João Pedro.
Quantos personagens instigantes foram ali construídos, dentre jagunços, fazendeiros, políticos, ralé e até mesmo playboys que residiam soberbamente na "capitar" graças à grana do cacau. Tião Galinha que queria um pedacinho de terra pra mode de plantar; a nem homem nem mulher Buba, interpretada pela então belíssima Maria Luísa Mendonça; Jacutinga, dona do cabaré local; Damião, pistoleiro que gostava de pão com mortadela mais do que a massa de manobra lulopetista etc.
A trilha sonora foi escolhida a dedo, tanto a nacional quanto a internacional, onde destaco:
- "Confins" - Ivan Lins Com Participação Especial de Batacotô (tema de abertura)
- "Lua Soberana" - Sérgio Mendes (tema dos extratores de cacau)
- "Me Diz" - Fagner (tema geral)
- "Parabolicamará" - Gilberto Gil (tema de locução Bahia)
- "Ai Que Saudade De Ocê" - Fabio Jr
- "Essa Tal Felicidade" - Tim Maia (tema de Zé Augusto)
- "Sete Desejos" - Alceu Valença (tema de Eliana e Damião)
- "Joaninha" - Ithamara Koorax (tema de Joaninha)
- "Mentiras" - Adriana Calcanhotto (tema de Mariana)
- "Palavra Acesa" - Quinteto Violado (tema de Tião Galinha)
Renascer tinha cheiro de suor e sangue. Acho que borrifavam óleo no elenco e depois lhe jogavam massapé, de tão encardidos que ficavam os atores e figurantes. O mundo, ali, era duro e cruel, com direito à redenção apenas no finalzinho. Tocaias sempre iminentes e encantos de proteção contra morte matada e morte morrida. É realmente curioso como levarão uma história tão crua e densa para a TV pasteurizada atual. Provavelmente, o jagunço Damião - que comia Eliana, interpretada por Patrícia Pillar no auge da sensualidade - será não-binárie e dirá que palavras machucam mais que balas; João Pedro será um jovem revolucionário pretendendo repartir o latifúndio do pai entre o MST; e Jacutinga não terá mais um brega cheio de quengas, mas, sim, venderá conteúdos no OnlyFans.
Acho que Renascer foi a novela que deu projeção definitiva a Adriana Esteves, interpretando Mariana, neta do antigo desafeto de José Inocêncio - o temido coronel Belarmino. E o momento em que ela surge na novela, descoberta por João Pedro, foi bastante marcante e ainda o é para os dias de hoje, tudo embalado por Mentiras de Adriana Calcanhotto: eu vou mergulhar sua guia...
Certamente não verei esta nova versão, pois não tenho saco nem disposição. E, como falei em postagem anterior, abandonei as novelas em 2004, com Da Cor do Pecado e Celebridade. Há algum tempo, aliás, ando cansado até de seriados, quem dirá acompanhar uma novela inteirinha. Acho até estranho quem faz isso nos dias de hoje. Mas gosto é gosto!
Abraços saudosos e até a próxima.