domingo, 11 de abril de 2021

Uma balada para o Mancha Negra

 

Imagem de meu acervo particular.

O hoje é distante da infância, mas aqui e ali, pelas colinas, aperto bem sua mão, que encurta distância.

Emily Patinson, em Poemas

Pateta Repórter é uma série de histórias publicada originalmente, na Itália, entre 2009 e 2015. Com roteiro de Teresa Radice e arte de Stefano Turconi, as tramas envolvem o protagonista atrapalhado realizando reportagens para o poderio midiático A Mancha Matinal, de propriedade de ninguém menos que Basil Blackspot (um dos vários nomes do arqui-inimigo disneyano Mancha Negra). Sempre sem querer, totalmente por acaso, Pateta consegue grandes furos jornalísticos, vai-se consolidando como maior repórter da cidade e, igualmente sem querer, constantemente mela os planos maquiavélicos de seu empregador e da gangue coordenada por Bafo-de-Onça, seu braço direito no mundo do crime.

Além dos ótimos roteiros, as quinze histórias contam com arte primorosa, merecedora do formato grande (16,5 x 24 cm), papel couché e capa dura. Foi um daqueles álbuns "de luxo" publicados pela Abril antes de sua falência. Pela própria editora, o título havia saído três anos antes (2013), em formatinho vagabundo e com cinco histórias a menos, excluída aí a que considero a melhor: Verão na Lagoa Verde, um conto que aborda de maneira poética parte da infância do vilão Mancha Negra. Certamente, por ainda estar inconclusa na Itália, o formatinho brasileiro não teria como ser a edição definitiva. Isto foi obtido nas 484 páginas da publicação de 2016.

Nesta história, o magnata das comunicações despacha Pateta por três meses para que ele escreva algum livro, visto todas suas matérias venderem a rodo. Além de embolsar grana com a publicação, Mr. Blackspot pretende se livrar de Pateta para que este não arruíne seu mais novo golpe: levar agricultores de um pequeno povoado à falência, comprar-lhes as terras e, assim, edificar grandes centros urbanos no local. Típico clichê de quadrinho infantil, claro.

Enquanto Pateta, de férias forçadas, aluga a pequena casa do lago, pertencente à família de Candy Mousengulp, a gangue de Bafo-de-Onça vai tocando o terror com os habitantes do vilarejo, usando pequenas tramoias: cupins, ursos e outros "acidentes". Assim, em pouco tempo comprariam as terras por ninharia. Mas, certa tarde, Pateta encontra uma caixa de biscoito embaixo do degrau falso da escada. Nela, achamos: o livro da poetisa Emily Patinson (brincadeira óbvia com o nome da poetisa americana Emily Dickinson), um diário sem nome de proprietário e uma pena para escrita, além de bolas de gude. Pateta mostra o achado a Candy. Ela diz se lembrar de quem era: quando criança, um menino alugava a residência da Lagoa Verde com os pais, para temporada. Então ela recorda como se divertiam e como ela lhe apresentou a poesia, inclusive emprestando o livro de Emily Patinson. Mas, de acordo com ela, de repente, aquela família sumiu sem aviso e jamais retornou. Como vemos nas reminiscências de Basil Blackspot, seus pais fugiram para o Paraguai após bem sucedido assalto a banco. Saindo assim às pressas, ele nunca pode devolver o livro a Candy, sua amada amiga.

Durante a história, conhecemos bastante do pensamento de Manchinha, à época, lendo-lhe o diário. Ele se apaixonou pelo vilarejo, a natureza, o belo céu cheio de estrelas, a poesia de Candy e, claro, pela própria Candy. Num dado momento, ele confessa que até seus pais ficavam mais felizes, quando no campo. E que na cidade apenas havia amargura, em meio a tanto concreto e asfalto.

Então chega o dia de Pateta retornar à cidade grande. Candy ainda não se recorda do nome do menino, mas recorda de seu sobrenome. Assim, manda Pateta levar a caixa pois, como está num grande jornal, talvez consiga devolvê-la ao dono, pesquisando sobre a família. Dentro da caixa, ainda encontra-se o livro de poemas. Já n'A Mancha Matinal, no escritório do magnata, Pateta diz não ter escrito livro nenhum mas que trouxe algo interessante, dispondo a lata sobre a mesa do patrão, o qual fica atônito. Nosso Pateta não é tão pateta assim e, sagaz, ainda avisa ao chefe que esqueceu de devolver a chave da casa na lagoa, praticamente esfregando-a no focinho do poderoso Mancha. Este diz possuir assuntos a resolver na região e poderia fazer o favor de entregá-la. Aí o restante é mais do que previsível: ele revisita a casa da Lagoa Verde, onde sentia-se realmente feliz, e depois bate à porta de Candy, agora casada e mãe de dois filhos. Assim que ela o vê, relembra seu nome e demonstra bastante alegria. Não sabemos se eles chegaram a conversar muito. A história dá um salto e mostra Candy com o livro de Emily Patinson em mãos. Basil Blackspot foi apenas devolvê-lo, após tantos anos de atraso. E, de dentro do volume, cai um cheque recheado de zeros - para que as famílias locais se recomponham dos prejuízos causados por suas ações mesquinhas, penso.

Num dado momento - e certamente não por acaso - é citada a família Thoreau. Henry David Thoreau foi o escritor naturalista que, preocupado com o êxodo rural excessivo e a dependência das grandes cidades e suas tecnologias, refugiou-se por alguns anos às margens do lago Walden, onde construiu sua própria habitação, plantou e produziu tudo o que consumia. Não há como dissociar isto dos anseios do então mancebo Mancha Negra. Ele queria apenas viver naquela casa velha, à margem da Lagoa Verde, plantando, colhendo e amando sua Candy.

É uma bela história e vale a pena conhecê-la.

Abraços líricos e até a próxima.







10 comentários:

  1. me afastei dos quadrinhos disney assim como da mavel/dc regulares pela previsibilidade do roteiro

    gosto de postagens assim, pois me poupa o tempo de pesquisar entre milhares de estórias repetidas.

    muito legal a parte sentimental da estória, saudosismo puro

    abs!

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    1. Quadrinhos Disney, Turma da Mônica e assemelhados ainda podem se dar a esse luxo por serem "infantis", penso. Mesmo assim, no caso da Turma da Mônica, pulei fora porque a coisa saiu do pueril para o oligofrênico. Realmente, não dá mais.
      Ainda podemos encontrar bastante diversão em hqs italianas Disney!.
      Quanto ao universo marvel/dc, estou fora há anos e anos. Francamente, não sei quem ainda acompanha toda aquela bobageira insossa de onde umazinha coisa boa parece não sair. Quando falo "coisa boa", seria algum arco ou saga que ficaria para a posteridade. Até a linha Vertigo ficou um lixo. Preferi deixar de acompanhar em busca de algo bom, pois é bastante tempo perdido.
      Abraços!

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  2. Lembro vagamente do personagem Mancha Negra, li pouco os quadrinhos Disney. Muito boa a postagem e toda a lírica exposta nela. Deu vontade de ler.
    Sobre o Pateta, havia uma série de histórias em que ele encarnava alguma personalidade da História. Cheguei a ter um dele na pele do Cristóvão Colombo.
    Aliás, tem um personagem da Disney com o qual sempre simpatizei muito, um personagem bem "lado B", o Esquálido. Você tem alguma coisa dele?

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    1. Sim, é o Pateta Faz História mencionado por Pateta logo abaixo. E você pode comprar essas histórias todas, como bem dito por ele. Na Amazon há todos os volumes por preços acessível! E são gibis EXCELENTES! Servirão até mesmo para seu garoto.
      O Esquálido aparece em apenas UMA história desse Pateta Repórter. Trata-de de um ET. Sempre o vi esporadicamente. Nunca vi um almanaque dedicado a ele, apenas.
      Abraços!!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Acho que ainda hoje há boas histórias italianas. Na maioria das vezes, me divirto. Nunca parece tempo de leitura perdido. Mas, claro, se compararmos ao passado, deixa a desejar. E mais ainda se compararmos à produção brasileira.
      Cheguei a comprar os dois primeiros números, em formatinho mediano (2011) da coleção PFH. Vinham juntos num pacote promocional. Aí não continuei a coleção. E por aí, como vc bem disse, a coleção em apenas quatro volumes está com bons preços!
      Abraços!

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  4. Você recomendou Mancha Neural há algum tempo, para mim. E cheguei a olhar por cima, mas ainda não li. Mas sabe que fiquei curioso? Percebi que o Daniel possui talento literário e o desperdiçou escrevendo algo que pode render até processo, isso considerando que ele já foi até mesmo notificado extrajudicialmente devido a direitos autorais por outras coisas. Ele deveria investir o talento, a energia, em algo integralmente autoral, como vc faz com bastante sucesso dentro do nicho de ficção hot.

    Ainda encontro muito material bom dentro da italianada. As pessoas torcem o nariz por aí. Mas acho que é puro fricote. São hqs, em sua maioria, divertidas, com boa arte. E que até conseguem momentos de boa introspecção.

    Quanto ao vídeo, não sou bom para narrar. Minha voz não é agradável e meu sotaque destoa do acesso amplo. Mantenho aquele canal mais para bobagens diversas (aliás, este blogue tb é para isso, sem tema específico) e para dar suporte aqui, quando quero gravar vídeo de um produto, ao invés de fotos. Vc leva jeito em vídeos tipo "dark". Se algum dia alguém quiser gravar postagens minha e postar por aí, não ligarei. Mas eu mesmo não dou certo nisso.

    Abraços!!!

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  5. Já vi vídeos rodando com essa BBB, ela tem o sotaque bem carregado do interior paraibano, onde morei. Morei na mesma cidade de onde ela é: Campina Grande. Achei-a uma mulher muito bonita, embora não saiba nada sobre suas ideias porque realmente não assisto ao BBB. Só vejo os vídeos que às vezes circulam por aí, como o mais recente do marmanjo chorando devido aos seu cabelos. São pessoas explosivas, com crises de humor. Juntam todo mundo que não presta e põem ali.

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  6. "São pessoas explosivas, com crises de humor. Juntam todo mundo que não presta e põem ali." drogados devem ter prioridade, he he

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