A epígrafe escolhida por Luís Fernando Veríssimo para seu romance não foi à toa:
“Embora vigies, a morte conspira nas entrelinhas”, Alcides Buss em Segunda Pessoa.
O Jardim do Diabo é o primeiro romance publicado por Veríssimo, em 1988, pela L&PM. Mestre do conto curto, curtíssimo, fast-food e da crônica (sabe-se lá qual a distinção entre ambos os gêneros), o pontapé do gaúcho nesta empreitada foi bem sucedido.
Na trama, o perneta Estevão escreve romances vagabundos distribuídos em bancas de revista. Aquelas brochuras em formato pequeno e papel jornal destinadas a entreter donas de casas e sonhadoras, numa época que ficou perdida. Um dia, ele recebe a visita de outro perneta: Macieira, inspetor de polícia. Estão havendo crimes estranhos na Cidade, possivelmente inspirados no livro Ritual Macabro, o mais recente best-seller de banca de jornal escrito por Estevão. Durante a história que nos é narrada por este escritor de quinta, Macieira o visita esporadicamente, trazendo notícias acerca de novos crimes macabros. Enquanto isso, Estevão relembra momentos importantes – e traumáticos – de sua vida na juventude e escreve a continuação de Ritual Macabro, onde o herói Conrad enfrentará, pela última vez, O Grego, seu grande oponente. Durante a escrita do romance, Conrad descobre mais acerca das pessoas que o cercam, bem como acerca de si mesmo. Durante as recordações de Estevão, este desenvolve uma jornada de autoconhecimento, repaginando fatos do passado. Durante os dias em que escreve e que recebe Macieira em seu apartamento, Estevão descobre mais sobre as pessoas à sua volta, sobre sua família e assuntos obscuros que se desenvolveram em torno de seu pai.
A sacada de Veríssimo foi misturar tudo: vida real e ficção. A história de Conrad mistura-se com a de Estevão dentro de um mesmo parágrafo, dentro de um mesmo período. E o final – confesso que achei um pouco previsível, assim que li sobre os detalhes físicos da amante do pai do protagonista – não deixa brechas para conspirações mirabolantes e crimes sensacionalistas tipo “a vida imita a arte”. Tudo é explicado da maneira mais simples: a maneira mais simples, ora (!). É um bom livro. Ainda mais pela característica de que você tem dois romances em um: a história da vida de Estevão e a história da história escrita por este para seu espião internacional: Conrad.
Como sempre, Veríssimo usa de elementos da literatura dita erudita (ou séria?) para tecer suas tramas bem humoradas. Há algumas referências a Moby Dick de Hermam Melville, por exemplo. Já no primeiro parágrafo do livro, o protagonista assim se apresenta: “Me chame de Ismael e eu não atenderei. Meu nome é Estevão”. Destaco que a primeira linha de Moby Dick é uma das passagens mais famosas da Literatura: “Chamai-me de Ismael”. Quanto ao título do livro, encontramos diversas indicações a jardins: Jardim Paraíso, Jardim Leste, os três jardins do casarão onde cresceu o protagonista e uma citação do padre José: “A mente ociosa é o Jardim do Diabo”.
O livro segue o formato usual da coleção Veríssimo pela editora Objetiva: brochura com orelhas, papel branquinho e fonte e margens generosas. Na capa, um dos bonecos esculpidos pelo competente designer Ricardo Leite. São aproximadamente 180 páginas de bom humor inteligente.
Cara, acho que tem algum problema no seu feed RSS, faz 3 dias que o seu blog não aparece atualizado no meu blogroll.
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