sábado, 18 de fevereiro de 2017

Balada para Satã [ terror magistral de Fred Mustard Stewart ]

Imagem de meu exemplar com última folha solta.

              Comprei Balada para Satã, escrito por Fred Mustard Stewart, em um sebo. Não encontrei reedições recentes à venda. Mesmo que encontrasse, não compraria, pois prefiro adquirir livros em sebos, usados, em bom estado e a preços módicos. É quando podemos dar uma banana às editoras, às vezes bem sacanas conosco, leitores. Além disso, dá um certo prazer ler algo que já foi lido por outra pessoa, que já pertenceu a outro leitor. A edição deste livro é de 1973, da editora Mundo Musical (a qual, creio, nem mais existe), traduzida por Affonso Blacheyre. A versão original, norte-americana, é de 1969.

Gostei bastante do romance, curto (pouco mais de duzentas páginas), sem embromação, e, principalmente, sem sensacionalismos e fórmulas mágicas para vender mais. São poucos os autores que conseguem sugerir mais do que dizer. Durante toda a leitura, desconfiamos de tudo. Ficamos entre os aparentes delírios da protagonista e um possível complô oculto que pode ter levado à morte seu marido e filha.

Na trama, Paula Clarkson é esposa de Myles, antigo músico fracassado e esforçado jornalista freelancer tentando fazer a vida, também, como escritor de novelas. Ambos tem uma pequena filha, Abby, e dão duro para pagar as contas de cada dia. Até que surge uma oportunidade para Myles entrevistar Duncan Ely - renomado pianista, avesso a entrevistas e à exposição. No primeiro contato com este prestigioso músico, Myles se torna seu amigo, bem como de sua filha única, Roxanne. Paula, por sua vez, nunca gostou dessa proximidade. Poucos meses após a amizade, Duncan falece de leucemia e, nos momentos final da vida, participa de um possível culto religioso. De herança para Myles, deixa um grande piano Steinway e cinquenta mil dólares (para a época, dinheirão; para mim, ainda hoje o é). Imediatamente, Paula nota mudanças em seu marido – ele se tornara mais “refinado” e volta a tocar piano de uma maneira impecável, informando que ganhará a vida, agora, como músico. Abby falece de uma maneira repentina, após anunciação em sonho sua mãe (ou seria mera coincidência tal "aviso"?). Paula se convence de que Duncan Ely não morreu, mas apenas transmigrou sua alma para o corpo de Myles e, a partir daí, seu estado de paranoia apenas cresce e dá corpo à história, lembrando bastante o ritmo narrativo de O Bebê de Rosemary de Ira Levin, adaptado para o cinema por Roman Polansky.

O grande mérito de Fred Mustard Stewart é nos deixar, durante quase as duzentas páginas, em estado de tensão, sem saber em que acreditar. Por mais que as pistas pareçam claras, outros elementos são espalhados no romance para demover o que pareceu, inicialmente, óbvio. Apenas nos momentos finais do romance as pontas são amarradas e o quadro “parece” mais ou menos nítido. Mesmo assim, ainda após o último parágrafo da obra, ficamos com aquela de sensação de “será?”, aliada à satisfação de ter lido um ótimo romance, daqueles que nos prendem do início ao fim, de forma dinâmica - sem ser desleixada - e com personagens que ficarão vivos em nossa memória por muito tempo.

Gostaria de falar mais sobre o livro. No entanto, estragaria a leitura para quem pensa em adquiri-lo. Podemos, ao menos, comentar alguns elementos da obra. Acerca da escolha do título (The Mephisto Waltz) pelo autor, parece outra ambiguidade. Aparentemente, se deve em razão das Valsas Mefisto de Franz Liszt, executadas diversas vezes no decorrer do romance. Mas, por outro lado, também alude ao estado de paranoia de Paula, certa de que lida com pessoas que se submeteram a Satã como forma de obter fama e longevidade. Deparamo-nos, em cada capítulo (quatro “Partes” com subdivisões), com referências culturais da época: telas de Andrew Wyeth (cujo trabalho conheci lendo a HQ Preacher de Garth Ennis), as esculturas estúpidas e caríssima de Giacometti, a “voga” do surrealismo em geral, hippies e práticas “religiosas” excêntricas entre os ricos. A indicação da bibliografia satânica é bem interessante. O autor ao menos se deu ao trabalho de pesquisar. Dela, o volume mais destacado é O Livro dos Chamamentos, “compilação de fórmulas místicas e palavras antigas, feita por Matthew Hopkins, no ano de Nosso Senhor, 1647. Editado por Lord Cheatham. Londres, 1835”.

Foi neste romance que, pela primeira vez, vi colocações interessantes sobre o crescimento de seitas secretas contrárias ao cristianismo a partir da Idade Média, da maneira que transcrevo abaixo os argumentos do personagem Bill de Lancre: “A igreja medieval se tornara tão opressora que milhares de pessoas passaram a encará-la como uma espécie de mal, enquanto a imagem invertida do cristianismo, o satanismo, adquiria a reputação de ser uma alegre glorificação das coisas da natureza e naturais, em confronto com a condenação à natureza, implícita nos ensinamentos da igreja”.

Um ótimo livro que recomendo. Leitura rápida, porém inteligente. Já foi adaptado para o cinema em 1971 com a belíssima Jacqueline Bisset no elenco. Entretanto, ainda não o assisti.


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