terça-feira, 26 de outubro de 2021

A vida de Julia


Jovens oprimidos pelo sistema pequeno burguês.

Imagem por Vincent Rosenblatt

Julia me divertiu há alguns anos. Ela foi personagem de campanha de Barack Obama. Quem quiser, pode pesquisar a respeito. Basicamente, tratava-se de uma garota aparentemente nascida do nada (geração espontânea?). Era uma espécie de história em quadrinhos com infográficos onde a personagem teve o Estado ao seu lado em todas as fases de sua vida. Julia não tinha pais, avós, ninguém: somente Obama. Ela quis estudar e, sob o Governo Obama, conseguiu. Ela procurou emprego e Obama lhe deu. Ela quis ter filhos: Obama foi lá e créu. Se quisesse abortar, o governo também ajudaria na matança. Ela queria coisas grátis e espaços em cargos, empregos e universidade. Obama estava ali para isso.

Poderia haver alguma propaganda política similar por aqui. Júlia teria cinco irmãos de pais diferentes. Alguns de seus irmãos, a mãe de Júlia não saberia sequer quem é o pai. O pai de Júlia, por sua vez, seria bebum, pai de mais dez filhos por aí, com diversas mulheres diferentes. Seus dias seriam à mesa de bar, coçando o saco, tomando uma, falando merda e pegando putas quando os auxílios públicos caem na conta. Júlia é filha de procriadores irresponsáveis, que entopem o planeta de gente para proliferar a miséria em troca de benefícios sociais e discursos vitimistas.

Júlia recebe tudo em sua escola: "lápis, caneta, borracha, cadernos, livros, uniforme (se provar que não pode comprar), passe de ônibus grátis" etc., seus "pais ficam desobrigados de trabalhar para pagar pelos materiais do filho" (v. A Marreta do Azarão). Mas ela nunca abriu um livro sequer na vida e estudar lhe causa sono. Em sua casa, todos passam os dias coçando as beiradas e vendo TV (gato de energia elétrica e internet comunitária). À noite, ganham o mundo: baile na comunidade, beques, pinos de pó com os parças e trepadinhas sob as estrelas, irresponsavelmente, procriando ainda mais (mesmo que a unidade de saúde local tenha preservativos e anticoncepcionais gratuitos). Todos andam "bem" vestidos, com roupas de marca e iPhone. Até porque uma calça para uma jovem de dezesseis anos é mais de trezentos reais.

Júlia teria ótima recepção em propagandas políticas. Seria uma aguerrida garota da favela: parda, bissexual, vítima de todo o sistema opressor que lhe tolhe os sonhos mais belos e não permitiu que ela se tornasse médica. Julia não é feliz porque você, pequeno burguês (leia-se: um merda de assalariado que rala todos os dias da semana para pagar impostos), não permitiu. E se você for homem e branco, sua dívida é maior.

Estou cansado de ser responsável por Julia. Nunca lhe comi a mãe e preciso trabalhar para custear minhas contas.

Andei pensando bastante em Julia (e nas Júlias) estes dias.

Abraços.

6 comentários:


  1. "..aparentemente nascida do nada" O papel aceita tudo, e a maioria das histórias desses caras são pura ilusão artística.

    Lembro que no sertão muita gente recebia esses auxílios de bolsa isso, bolsa aquilo, e se acomodava. Nas últimas vezes que fui lá ninguém plantava nada (muitas vezes nem queria trabalhar ou estudar), pois caia o dinheirinho todo mês na conta.
    Além disso, temos outras bizarrices que só acontecem no Brasil. Lembro que, durante o governo Lula, muita gente falar que pegava empréstimo do Banco do Nordeste e, na cara dura, não pagava para renegociar pagando metade do valor ou menos. Isso era corrente. A maioria das pessoas dizia que isso era obra do 9 dedos, a raposa Hokage do sertão. Mas, aposto, ou o banco (público) ficava no limbo, angariando dívidas e mais dívidas e fazendo algum rolo interno para segurar as pontas, ou aumentava as taxas daqueles que a análise de crédito afirmava terem condições passíveis de pagar. Enquanto isso, nossos "empreendedores do sertão" compravam hilux importada e motos a rodo, como é possível de ver hoje ao passar pelas vilas mais remotas do meio do deserto nordestino.

    No final, sempre serão os trabalhadores a carregar a cruz, pois dificilmente esse tipo de política vai deixar de existir. O povo, em sua grande maioria, não quer mudar de vida, estudar e aprender um ofício para trabalhar, empreender gastando grande parte do parco dinheiro que ajuntou durante a vida numa aventura. A maioria quer melhores condições, mas já, agora, numa canetada. E como os político só pegam o deles sendo eleitos, a forma mais fácil é prometendo por a mão na caneta.

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    1. Olá, Matheus!

      Testemunhei a prática do crédito a fundo perdido pelo BN. Na época, muitos engenheiros agrônomos se deram bem realizando projetos para fins de obtenção de crédito. Os interessados queriam apenas os projetos. Nunca colocavam em prática. Dizem as más-línguas que diversos gerentes bancários também ficaram bem de vida nessa onda, auxiliando na aprovação do pedido a troco de uma comissão módica. Em resumo: o sujeito catava 500 mil de nosso bolso para um projeto que nunca sairia do papel. Como garantia, oferecia glebas de terra avaliadas em 40 mil. Muita gente fez a vida assim.

      Sobre os “auxílios”, acredito que devam existir para pessoas em situação de risco alimentar. Olhando à minha volta, percebo que quase todos que os recebem não se encontram nesta situação. A grana é usada para comprar supérfluos e calças de 300 reais. E, graças aos auxílios, muita gente da casa que poderia estar trabalhando acaba por se acomodar.

      Recordo de uma mulher forte e na for da idade dizendo que não precisava mais “se humilhar” trabalhando como zeladora porque agora tinha o bolsa família cumulado com outro auxílio estadual. E era uma gaúcha! O pensamento é esse. Tratava-se de uma ex-Julia, que se acha merecedora de todos os mimos e agrados terrenos.

      Povo “sofrido” gosta de ajudinha pública. E políticos adoram isso. Mais programas, mais Estado, mais postos, mais cargos em comissão, mais grana pública rolando por aí e mais favores e dividendos politiqueiros.

      Estudar cansa; trabalhar, idem. É a lei do menor esforço e depois o mesmo discurso vitimista de sempre.

      Abraços!

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  2. ótima reflexão
    se você autorizar, republico a texto no meu blog
    a realidade é sempre um lixo

    abs!

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    1. Olá, Scant. Como sempre, sirva-se à vontade. Eu q fico grato. Abç!

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  3. "Estou cansado de ser responsável por Julia. Nunca lhe comi a mãe e preciso trabalhar para custear minhas contas."
    Bom pra caralho, esse texto! Darei-me a liberdade de também republicá-lo.

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    1. Olá, Marreta. Esteja sempre à vontade.
      Júlia agora quer absorventes grátis.
      Abraços!

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