sábado, 7 de setembro de 2019

Ed Mort & Outras Histórias


Sou fã das edições lançadas pela finada editora Círculo do Livro, surgida no mercado no início da década de setenta, pondo à venda volumes com ótimo acabamento (papel grosso, em encadernação capa dura colorida) e a preços acessíveis. As vendas funcionavam pelo sistema de clube. Assim, cada sócio podia indicar alguém, que recebia catálogos da editora com a obrigação de comprar, ao menos, um determinado número de livros em um determinado período. Atualmente, é fácil encontrar publicações dessa editora por preços excelentes, em sebos. Uma de minhas últimas aquisições foi Ed Mort e Outras Histórias, de Luís Fernando Veríssimo. Acho que já conhecia ao menos metade das crônicas ali presentes. Mas alguns dos trabalhos ainda inéditos para mim chamaram atenção.

Vi, em alguns contos e crônicas, o que considero "embriões" de grandes sucessos do autor. Assim, por exemplo, no conto O Clube vi o que se tornaria o excelente romance O Clube dos Anjos, lançado pela Ed. Objetiva na Coleção Plenos Pecados. Em Os Diamantes Chegaram, notei semelhanças com os absurdos que compõem a trama do famoso conto Os Quarenta. Esses são apenas dois exemplos. É legal, para quem é fã de Veríssimo, procurar, em seus trabalhos mais antigos, diversas ideias posteriormente retomadas noutros trabalhos.

Sobre o personagem que dá título à coletânea de contos, já ganhamos programas para TV (um na Globo, com Luís Fernando Guimarães; outro no canal Multishow, com Fernando Caruso), longa metragem com o Paulo Betti e quadrinhos ilustrados por Miguel Paiva, dos quais falei aqui. Para quem não conhece o personagem, Ed Mort é a versão subnutrida para as histórias norte-americanas de detetive, recheadas de clima noir, damas fatais e mistérios quase não solucionáveis. Basicamente, Dashiell Hammett verde-amarelo sol forte sol, maresia, catimbó e trambique.
Eu estava lendo meu jornal favorito ― o JB de 22 de dezembro de 1976 ― encostado na porta, quando a avistei. Custei a acreditar que aquilo que ela estava fazendo com o corpo se chamava caminhar. Tinha os seios como eu gosto, um de cada lado. Os cabelos soltos ondulavam ao vento. O que era estranho, porque não estava ventando. Boca carnuda, e a carne era de primeira. Vinha na minha direção. Despi-a, lentamente, com os olhos. Estava tendo um pouco de dificuldade com o feixe do sutiã quando ela parou na minha frente. - Ed Mort Vai Longe
Foi quando ela entrou na sala. Entrou em etapas. Primeiro a frente. Cinco minutos depois chegou o resto. Ela já tinha começado a falar há meia hora, quando consegui levantar os olhos para o seu rosto. Linda. Tentei acompanhar a sua história. Algo sobre um marido desaparecido. Pensei em perguntar se ela tinha procurado bem dentro da blusa, mas ela podia não entender. Era uma cliente. Ofereci a minha cadeira para ela sentar e sentei na mesa. Primeiro, para poder olhar o decote de cima. Segundo, porque não tinha outra cadeira. - A Armadilha 
Ela estava de luto. Coitada. Pensei em pular da cadeira, beijá-la brutalmente, apertá-la contra mim, esfregar suas costas com ardor e dizer: “Meus pêsames”. Mas resisti. - A Volta de Ed Mort 
Ela sorriu. Compreendi, finalmente, o que Deus queria dizer quando criou os dentes. Convidei-a a sentar. Meus móveis eram escandinavos. Caixotes de bacalhau norueguês. Ela vestia calças tão apertadas que daria para ver as imperfeições de sua pele, se houvesse alguma. - Ed Mort Vai Fundo

4 comentários:

  1. "editora Círculo do Livro" -tive algumas edições dessa editora e sempre gostei dessa encadernação e formato

    "Dashiell Hammett verde-amarelo sol forte sol, maresia, catimbó e trambique." - se é Brasil, tem que ter putaria

    abs!

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    1. "se é Brasil, tem que ter putaria" Oxalá!

      Sobre a Círculo, acredito que deveria ser uma boa época aquela, onde pessoas tinham como diversão ser assinantes de um clube assim, pois eram os meios que haviam para entretenimento. Vida mais simples, com novela da Globo e leitura após o jantar...

      Hoje, a TAG parece fazer um relativo sucesso. Só acho aquelas curadorias uma porqueira sem tamanho. E parece que os títulos são escolhidos por viés ideológico.

      Abraços!

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  2. Não conheço este personagem. Vou pesquisar a respeito.
    Veríssimo é sempre para momentos de puro descompromisso. Os contos são antigos e bons, acho. Mas me fascinei mais pelos quadrinhos!
    Abraços!

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  3. Isso é natural. Muita coisa que me apontam como excelente, quando tenho contato, acho apenas mediano. Vai de gosto e, como vc falou mais acima, empatia...

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