sábado, 7 de setembro de 2019

Viva Vaia de Augusto de Campos / Outros livros da Ateliê Editorial / Livro-objeto


é que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
da dura poesia concreta de tuas esquinas
(...)
da feia fumaça que sobe apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços
tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Sampa de Caetano Veloso

Acredito que Augusto de Campos é o escritor brasileiro mais culto ainda vivo. Notei isso após lê-lo, ter contato com suas ideias e projetos e, especialmente, em entrevistas (raras) que concede por aí. Sou apaixonado por sua poesia desde meu ensino médio. Passava horas admirando o estudo tipográfico e estético aplicado pelos irmãos campos e Décio Pignatari. Poesia esta inspiradora do melhor de nossa música popular, de Caetano e Adriana Calcanhoto ao genial Arnaldo Antunes. É por algo iniciado há décadas no Brasil (com inspiração em malucos lá de fora) que, hoje, o sucesso de livros como Pó de Lua e Eu Me Chamo Antônio são possíveis. Autores mais jovens de "poemas visuais e gráficos" foram beber nesses caras, mesmo que inconscientemente. Certamente, de uma forma mais popular (ou simplória), que nem de longe "cheira" à erudição da produção de Augusto de Campos. O que tanto faz, já que o que vale é a Arte, ainda mais neste mundo cada vez mais empobrecido culturalmente.

Eu sempre quis o livro Viva Vaia em meu acervo. Mas era uma obra esgotada há bastante tempo e a edição da Duas Cidades era vendida por até R$ 300,00. Então constantemente declinava da compra. Só que a Ateliê Editorial nos trouxe uma nova edição caprichadíssima, acompanhada do CD Poesia é Risco, contendo quinze poemas musicados por Cid Campos, filho do autor e do poema-objeto “Linguaviagem”, em forma de encarte. Coisa linda, mesmo. Livro para ler, beijar, cheirar, abraçar e manter uma relação afetiva, íntima e sexual, tomando-se cuidado para não esporrar sobre as páginas e estragar tudo.

Uma curiosidade: como bom revolucionário, sempre progressista, o autor não perdeu a oportunidade de estampar, na orelha da edição, um comentário infeliz sobre um dos poemas que "denunciava" o Golpe  Militar, onde a direita seria livre; mas a esquerda, não. O que, certamente, não corresponde à História, já que as atividades intelectuais de esquerda se mantiveram em ebulição, desde que não incitassem ações de violência, especialmente de guerrilha. Enfim: revolucionário nunca perde a pencha de ser assim visto entre seus pares. E este é o mesmo Augusto de Campos que rotulou a turma da vaia contra Dilma Rousseff na abertura da Copa de 2014 de "VIPs", "gente abastada e conservadora", concluindo com um "Viva Dilma, vaia aos VIPs". Curiosamente, o poeta é aposentado do Governo do Estado de São Paulo, onde embolsa, dos cofres públicos, mais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por mês. Duvida? É só consultar no Portal da Transparência paulista pelo nome "Augusto Luís Browne de Campos". Se isso, para ele, não é ser VIP e abastado, o que mais podemos dizer? Já desisti de tentar compreender essa turma militante, onde alguém pode ser proprietário de um triplex no Guarujá, navegar de iate particular, viver de recurso público e, mesmo assim, xingar o outro de "coxinha burguês".

Junto com Viva Vaia, aproveitei para comprar o belíssimo exemplar de Clichês Brasileiros do maluco saudável Gustavo Piqueira, proprietário da famosa Casa Rex. O livro traz histórias brasileiras contadas por meio de imagens constantes no Catálogo de clichés D. Salles Monteiro. O resultado foi divertido. E a confecção do livro, enquanto objeto, peculiar. O volume tem capa com lâmina de madeira impressa em serigrafia, fixada manualmente com fita adesiva, miolo em papel macio de excelente gramatura (pólen bold 90gr) e costura da lombada aparente. A tiragem única é de mil exemplares numerados. E tudo isso por R$ 49,00. É, sem dúvidas, um dos trabalhos gráficos, em livro, mais bonito que já me caiu em mãos recentemente. O projeto gráfico e a diagramação ficaram a cargo da "casa" de design do autor.
"Os clichês tipográficos eram matrizes gravadas em madeira ou metal utilizadas no processo tipográfico de impressão. Sistema que, se hoje é peça de museu, foi o método dominante na produção de impressos durante quase cinco séculos, desde que seus princípios foram estabelecidos pela Bíblia de Gutenberg."
D. Salles Monteiro foi uma gráfica carioca do começo do século XX. Seu catálogo foi publicado pela Ateliê em 2003 em edição fac-similar. Atualmente, o livro encontra-se esgotado e é vendido em sebos por uma média de R$ 200,00. Logo, merece reimpressão. Gustavo Piqueira dedica as primeiras páginas de seu livro para comentar brevemente acerca do catálogo (como no trecho acima reproduzido), isolar imagens "curiosas" e, logo após, contar a História do Brasil com a aplicação do agrupamento desses "clichês". Tenho que admitir: ele foi bem sucedido nisso. Assim, começamos com a chegada dos portugas, seus escambos com índios, amancebos com as indígenas e trazida de negros africanos. Após, a miscigenação aumenta com a vinda de imigrantes europeus. Das lavouras passamos à indústria. Dos casarões isolados na extensa zona rural, nos aglomeramos em cidades e nos trancamos em residências (gaiolas) para nos proteger. Entramos num capitalismo insipiente por meio do consumo que começa a despontar. Surgem carros, engarrafamentos, boemias, nichos sociais e entropia de toda a ordem. Tudo começa, passa e termina (?) numa bela manhã de sol à beira mar.

E, por falar em trabalho gráfico, foi justamente por meu interesse em arte gráfica que a Ateliê Editorial se fez presente no meu cotidiano de colecionador. Assim, há alguns anos, mantenho para consulta regular as edições: Desculpe a letra, de Guto Lacaz; 530 gramas de ilustrações de Marcelo Cipis; Beauty & Fashion de Mário Cafiero e Pincelagens & Debuxos de Hélio Cabral.

Essa pegada de livro-objeto, do citado "amor táctil" de Caetano Veloso em sua música Livros me chama atenção desde que percebi como o livro impresso está sendo extinto gradativamente e dando lugar à supremacia do formato digital. Acredito que apenas o investimento no livro enquanto objeto cultural poderá lhe dar fôlego e despertar o interesse de novos leitores ou de pessoas que, com o cotidiano cada vez mais corrido, tenham abandonado o maravilhoso hábil de ler no papel. Editoras como a Ateliê, DarkSide Books, Cosac Naify e Lote 42 notaram isso e já estão se esforçando para [re]conquistar leitores de... livros. Abaixo, antes das imagens com edições da Ateliê Editoral aqui comentadas, aproveito para compartilhar vídeo onde o grupo da Casa Rex cola areia nas capas de Seu Azul (também do designer Gustavo Piqueira) antes de comercializá-lo. Trabalho lindo, sem dúvidas. E que dá aquele aspecto ainda mais humano ao volume, pelo viés artesanal de sua confecção.

Fico por aqui. Curtam o vídeo abaixo logo após as imagens (é legal ver o engajamento das pessoas dando o toque final aos volumes) e confiram as fotografias a seguir, retiradas de meu acervo. Abraços, amiguinhos!






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