sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Os clubes de correspondência


Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Manuel Bandeira

Como faço em alguns meses do ano (um loop ou repeteco sem fim), andei relendo quadrinhos de Recruta Zero, Os Trapalhões, Turma da Mônica (das fases Abril e Globo) e outros títulos infantis semelhantes. E algo sempre me chama atenção: a enorme quantidade de cartas enviadas à redação, muitas delas dedicadas à divulgação de clubes de correspondência. Na era pré-internet, quando o bairro — por maior que fosse — já não bastava para encontrar pessoas com interesses comuns, esses pequenos “grupelhos” surgiam como uma alternativa criativa. Não creio que fossem fruto de carência, como tantas interações nas redes sociais atuais o são; eram, antes, uma forma de preservar o encanto de enviar e receber cartas, além de ampliar horizontes de um jeito genuíno e humano. Aliás, eram as únicas maneiras que possuíamos: físicas, humanas e reais, vez que não havia a opção do meio digital para isso.

Esses grupos eram necessários, penso. Vejamos. Mesmo nos bairros mais populosos — que para nós, então crianças, pareciam verdadeiros mundos — era difícil encontrar quem compartilhasse paixões específicas - como filatelia, colecionismo de gibis raros, aeromodelismo e outras bobageiras fascinantes. Nas revistas Calafrio e Mestre do Terror, por exemplo, era comum ver leitores escrevendo apenas para trocar, vender ou comprar edições de terror que não se encontravam nem nos sebos locais. Era uma época mais simples e tranquila, em que a vida fluía mansamente e não tínhamos a ansiedade de sermos encontrados o tempo todo. Quando eu era guri, mal contávamos com telefonia fixa; era outro ritmo, outro mundo. Então, para ampliar nossos horizontes, a rua e o bairro não serviam. Felizmente, em meu bairro e na escola onde por mais tempo estudei, havia muito garoto com os mesmos interesses. Mas, às vezes, eu ia às casas de minhas tias e a gurizada por lá não gostava de quadrinhos nem tampouco de falar sobre o filme exibido na última Tela Quente da Globo, “exibido pela primeira vez na televisão”. Para suprir lacunas assim, esses clubes de correspondência deviam ser algo maravilhoso.

Em resumo, é isso: me vi pensando nessas pessoas que trocavam cartas com estranhos quando a ideia de acesso à internet (ainda que discada em um modem de 56 kbps) nem sequer existia para nós. E a ideia é encantadora. Eu mesmo troquei cartas com um colega durante bastante tempo, quando me mudei pela primeira vez de Estado, aos 15 anos de idade. Era satisfatório receber aquela correspondência, abri-la e descobrir as novidades que meu nobre amigo Alex tinha a trazer. Em regra, as cartas manuscritas do Alex tinham entre três e cinco laudas, sempre com ideias interessantes sobre teologia, literatura e, às vezes, quadrinhos. Como minha letra é ininteligível, optava por enviá-las, de início, datilografadas; depois, quando comprei meu primeiro PC e uma impressora Canon, iam impressas. Mas, mesmo impressas, eu as assinava ao final.

Reler gibis no "loop infinito" acima mencionado hoje é gratificante em todos os sentidos possíveis. Mas, curiosamente, são as propagandas e as seções de cartas que se revelam o ponto mais saboroso dessa experiência. Claro: na época, aquilo era também uma forma de nos lesar. Pagávamos caro por gibis em formatinho, impressos em papel ordinário, com qualidade gráfica pífia, e no meio de poucas histórias éramos brindados com toneladas de publicidade e enchimento de linguiça. No exemplar que revisitei — Recruta Zero n.º 02, da Editora Globo, de agosto de 1989 — há apenas 38 páginas, das quais oito são ocupadas pela capa e quarta capa, anúncios, seção de cartas e uma tirinha final, com meia página destinada ao expediente. Hoje, é evidente que esses gibizinhos não apenas se pagavam pelas vendas, mas ajudavam a compensar prejuízos de outros setores das editoras.

Ainda assim, revisitar esses “extras” acabou se tornando, na posteridade, um prazer inesperado. Eles funcionam como cápsulas do tempo, capazes de nos transportar de volta a um período que, felizmente, não voltará mais — mas que permanece vivo nessas lembranças impressas em papel barato e tinta falha, carregadas de charme, ingenuidade e história. Falei “felizmente” porque adoro a internet e tudo o que ela proporciona. Adoro, sobretudo, o fato de poder ter acesso gratuitamente a esses scans. Outrora, era tudo caríssimo e quase inacessível: música, filmes, séries, livros, quadrinhos etc. Deus - ou Diabo - salve a banda larga, no final das contas.

É isso. Achei interessante falar sobre os antigos clubes de correspondência, divulgados em praticamente todas as publicações do passado.

Abraços nostálgicos (até certo ponto) e até a próxima.










quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Um ícone da cultura pop: o canivete stiletto

Trecho de minha gameplay de The Last of Us - Primeira Parte, onde dou uma conferida no canivete stiletto da Ellie

O stiletto não nasceu pra ser bonitinho. Aparentemente, surgiu na Itália do século XV como uma mini-espada para gente chique - uma mini adaga macérrima e com a ponta que faria inveja a um alfinete. Seu trabalho? Perfuração de armaduras, dizem. Com o tempo, os cabulosos da noite perceberam que essa elegância toda não podia ficar só nas adagas e ele ganhou uma versão dobrável, virando um canivete discreto (e estiloso) no século XIX, com a cidade de Maniago se tornando o berço dessa bela lâmina portátil.

A evolução veio no início do século XX, quando inventaram a versão automática - ou switchblade. Era só apertar um botão e VRuuuM! A lâmina saltava com aquele barulhinho que virou trilha sonora de filme de máfia, algo tão icônico quanto a abertura de um isqueiro Zippo. Depois da Segunda Guerra, o stiletto aportou nos Estados Unidos junto com os soldados e virou celebridade entre o bad boy ianque. Graças a Hollywood e à cultura urbana, ele se tornou símbolo de rebelde sem causa, de moço revoltado com jaqueta de couro e cabelos oleosos. Hoje, o stiletto se aposentou do papel de vilão e é mais uma lenda da cutelaria, objeto de design clássico que carrega todo o charme e o prestígio da sua origem italiana, provando que dá para ter uma história turbulenta e ainda assim terminar a vida como ícone vintage.

A fama de "arma da máfia" não veio à toa, nem só dos filmes. O canivete stiletto italiano ficou tão associado à criminalidade e à briga de rua nos EUA que, em 1958, o governo americano baixou a lei federal "Switchblade Knife Act", uma jogada que transformou o canivete de peça de souvenir de guerra em um artigo quase subversivo. Curiosamente, apesar de toda a repressão legal, o design elegante da lâmina no formato "baioneta" influenciou até a moda (descobri isso hoje!): o termo "salto stiletto" foi adotado para descrever saltos altos finíssimos. As mulheres que conheço chamam de "salto agulha".

E por que falar sobre este canivete aqui? Não sei bem. Recordo que o Scant havia comentado a respeito de um estilo de canivete automático muito comum no cinema de nossa infância - certamente o stiletto, creio. Desde então, fiquei pensando a respeito se escreveria algo e, hoje, limpando minhas capturas de jogatinas eletrônicas do console, me deparei com o trecho acima da Ellie exibindo o seu canivete. A título de curiosidade, é uma bela peça para coleção. Mas não gosto de canivetes automáticos. Essas molas e pequenas peças dão problemas e podem nos deixar na mão (ou melhor: apenas na mão!). O melhor tipo de canivete é o com abertura assistida, como falo no vídeo abaixo: abertura rápida aliada à robustez.

Então é isso. Finalmente está aí uma postagem sobre canivete stiletto desde que o Scant tocou no assunto. Aproveitei para compartilhar os vídeos abaixo, onde falo de abertura assistida, adaga e canivetes em geral. Tenho uma playlist sobre o tema em meu canal, aliás.

Vou ficando por aqui. Abraços afiados e até a próxima.