Como faço em alguns meses do ano (um loop ou repeteco sem fim), andei relendo quadrinhos de Recruta Zero, Os Trapalhões, Turma da Mônica (das fases Abril e Globo) e outros títulos infantis semelhantes. E algo sempre me chama atenção: a enorme quantidade de cartas enviadas à redação, muitas delas dedicadas à divulgação de clubes de correspondência. Na era pré-internet, quando o bairro — por maior que fosse — já não bastava para encontrar pessoas com interesses comuns, esses pequenos “grupelhos” surgiam como uma alternativa criativa. Não creio que fossem fruto de carência, como tantas interações nas redes sociais atuais o são; eram, antes, uma forma de preservar o encanto de enviar e receber cartas, além de ampliar horizontes de um jeito genuíno e humano. Aliás, eram as únicas maneiras que possuíamos: físicas, humanas e reais, vez que não havia a opção do meio digital para isso.
Esses grupos eram necessários, penso. Vejamos. Mesmo nos bairros mais populosos — que para nós, então crianças, pareciam verdadeiros mundos — era difícil encontrar quem compartilhasse paixões específicas - como filatelia, colecionismo de gibis raros, aeromodelismo e outras bobageiras fascinantes. Nas revistas Calafrio e Mestre do Terror, por exemplo, era comum ver leitores escrevendo apenas para trocar, vender ou comprar edições de terror que não se encontravam nem nos sebos locais. Era uma época mais simples e tranquila, em que a vida fluía mansamente e não tínhamos a ansiedade de sermos encontrados o tempo todo. Quando eu era guri, mal contávamos com telefonia fixa; era outro ritmo, outro mundo. Então, para ampliar nossos horizontes, a rua e o bairro não serviam. Felizmente, em meu bairro e na escola onde por mais tempo estudei, havia muito garoto com os mesmos interesses. Mas, às vezes, eu ia às casas de minhas tias e a gurizada por lá não gostava de quadrinhos nem tampouco de falar sobre o filme exibido na última Tela Quente da Globo, “exibido pela primeira vez na televisão”. Para suprir lacunas assim, esses clubes de correspondência deviam ser algo maravilhoso.
Em resumo, é isso: me vi pensando nessas pessoas que trocavam cartas com estranhos quando a ideia de acesso à internet (ainda que discada em um modem de 56 kbps) nem sequer existia para nós. E a ideia é encantadora. Eu mesmo troquei cartas com um colega durante bastante tempo, quando me mudei pela primeira vez de Estado, aos 15 anos de idade. Era satisfatório receber aquela correspondência, abri-la e descobrir as novidades que meu nobre amigo Alex tinha a trazer. Em regra, as cartas manuscritas do Alex tinham entre três e cinco laudas, sempre com ideias interessantes sobre teologia, literatura e, às vezes, quadrinhos. Como minha letra é ininteligível, optava por enviá-las, de início, datilografadas; depois, quando comprei meu primeiro PC e uma impressora Canon, iam impressas. Mas, mesmo impressas, eu as assinava ao final.
Reler gibis no "loop infinito" acima mencionado hoje é gratificante em todos os sentidos possíveis. Mas, curiosamente, são as propagandas e as seções de cartas que se revelam o ponto mais saboroso dessa experiência. Claro: na época, aquilo era também uma forma de nos lesar. Pagávamos caro por gibis em formatinho, impressos em papel ordinário, com qualidade gráfica pífia, e no meio de poucas histórias éramos brindados com toneladas de publicidade e enchimento de linguiça. No exemplar que revisitei — Recruta Zero n.º 02, da Editora Globo, de agosto de 1989 — há apenas 38 páginas, das quais oito são ocupadas pela capa e quarta capa, anúncios, seção de cartas e uma tirinha final, com meia página destinada ao expediente. Hoje, é evidente que esses gibizinhos não apenas se pagavam pelas vendas, mas ajudavam a compensar prejuízos de outros setores das editoras.
Ainda assim, revisitar esses “extras” acabou se tornando, na posteridade, um prazer inesperado. Eles funcionam como cápsulas do tempo, capazes de nos transportar de volta a um período que, felizmente, não voltará mais — mas que permanece vivo nessas lembranças impressas em papel barato e tinta falha, carregadas de charme, ingenuidade e história. Falei “felizmente” porque adoro a internet e tudo o que ela proporciona. Adoro, sobretudo, o fato de poder ter acesso gratuitamente a esses scans. Outrora, era tudo caríssimo e quase inacessível: música, filmes, séries, livros, quadrinhos etc. Deus - ou Diabo - salve a banda larga, no final das contas.
É isso. Achei interessante falar sobre os antigos clubes de correspondência, divulgados em praticamente todas as publicações do passado.
Abraços nostálgicos (até certo ponto) e até a próxima.
A seguir, os extras presentes no gibi, inclusive, claro, a seção de cartas.
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Eu tive essa revista, mas não me lembro de nada, muito menos da seção de correspondência. Aliás, me causou espanto, na época, que esse título tenha ficado tão fino. Na era em que e Globo era chamada de Rio Gráfica, a revista era mais encorpada e divertida.
ResponderExcluirSempre me perguntei se essas seções funcionavam mesmo. Se havia quem escrevia para alguém, agora você me trouxe a resposta, tantos anos depois.
Minhas cartas também eram longas. Eu mandava para uma garota que morava aqui e se mudou para o Paraná. Ela me escrevia uma simples folha de papel. Eu escrevia 2 ou 3, tranquilamente.
Não cheguei a participar de nenhum clube assim. Mas creio que funcionavam, caso contrário não veríamos tantos anúncios com endereços. E tb devido à necessidade das pessoas em conhecerem outras além de seus círculos triviais, penso. Acho que as revista da RGE era mais volumosas, mesmo. Abraços!
ExcluirOlá, Neófito. Até fiz uma publicação no meu blog sobre a parte das correspondências nos gibis. Confesso que as 1ªs coisas que procuro nos gibis que releio dos anos 80 e 90 são justamente as propagandas. Entendo isso como uma forma de nostalgia mesmo. Até pensei em trazer uma do ano 85 em meu blog. Pois foi justamente a 1ª que conheci no meu 1º gibi. Os clubes eu sempre me questionei tmb. Igual ao Fabiano no comentário acima. Mas como vc bem redigiu: "Mas creio que funcionavam, caso contrário não veríamos tantos anúncios com endereços". E eram muitos mesmo. Gostei muito da sua postagem. Recruta Zero é bacana demais. E o tema nostálgico é um dos meus favoritos. Abraços!!!
ResponderExcluirTudo que envolve publicidade antiga me chama a atenção. Gosto de encontrar material impresso e de ver propagandas antigas no Youtube, em especial as de minha infância. E não há como negar: eram mais criativas do que as atuais. Acho que houve um salto de qualidade entre o final de '80 e a primeira metade de '90. No auge do acesso à banda larga, praticamente virou um lixo. Tínhamos grandes nomes no mercado publicitário: Laerte Coutinho, Luis Fernando Verissimo, Jaguar, Millor, Ziraldo etc. Hoje, será que se salva alguém? Tudo pasteurizado e insosso. Abraços!
Excluireu achava muito legal na época que tinha uma carta publicada na revista.
ResponderExcluirainda sobre cartas, lembro que tinha gente que trocava cartas com alguém desconhecido de outro país só pelo prazer que isso dava.
abs!
Scant, eu só tive uma carta minha publicada no gibi do Bolinha da Editora Ediouro. Em 2016. Mas era massa mesmo vc enviar uma carta e ser publicada pra "todos" lerem. Fazia você se sentir "importante" no nicho que gostava. Gibis, no caso.
ExcluirRoniere, o escolhido. kkkkkkk
Excluir"só pelo prazer que isso dava"
ExcluirHoje fazem vídeo chamadas e mostram o cu. E monetizam com isso. Enfim...
Abraços!
Isso é que é retrô! Vixi. Bju
ResponderExcluirOi, Rô. Grato por sua presença. Bom que tenha gostado do tema!!! Abraços!
ExcluirEi,
ResponderExcluirAinda não sei exatamente como
devo chamâ-lo, se Neófito ou Roniere,
mas vou entender.
Quanto a matéria é completa
e me fez viajar por caminhos
bem guardados como o tempo
dos Gibis e o Recruta Zero,
mas ps de Faroeste me lembraram
minha mãe, que lia muito tanto
bolsilivros quanto assistia filmes.
Nossa! Fui longe.
Quanto a argumentação que deixou
lá no Espelhando, sim eu tenho
vários Blogs e o que atualizo
com mais frequencia e acompanho
o que leem e comentam é o Espelhando
mesmo. Por conta do período: dezembro,
ando sem separar tempo para ler de fato.
Porque tenho 3 fontes de leiitura:
Livros fisicos, Eboks e Bloguers.
Aprendo sempre com cada um.
Eu deixo sempre como cumprimento.
Vivo no ES, mas vivi minha vida no RJ
onde somos bem afetuosos.
CatiahôAlc.
Bjins, mas se Você não se sentir confortavel
deixo Abraço.
Pode me chamar de Neófito ou Kleiton (meu nome), esteja à vontade.
ExcluirNão conheço o ES, mas já dei umas andanças pelo RJ.
Recebo os bjins e abraços!
Grande abraço!