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Imagem de meu exemplar. |
James Bond, Ethan Hunt ou Jason Bourne? Nenhum desses encontra respaldo nas tramas de John Le Carré. Inteligência - enquanto atividade de análise de dados, pessoas, circunstâncias e produção de boa e má informação - é algo chato, extremamente enfadonho, burocrático e que não remunera seus Oficias à altura, além de poder matá-los ao menor descuido e pelas mais irrelevantes razões. No mundo da espionagem, dificilmente você encontrará mulheres fatais e misteriosas – além de serem verdadeiras top models – pela frente, no seu encalço. E quanto às aventuras recheadas de adrenalinas? Elas não existem. Nem mesmo uma modesta perseguição de carros numa autoestrada ou numa elegante cidade europeia. E mais: tudo é confuso. Nada – absolutamente nada – é claro. Você pode gastar anos de sua vida funcional caçando fantasmas, dando socos no ar, contando orvalho. O resultado de muito esforço pode ser ínfimo ou, apenas, gerar mais dúvidas e incertezas do que antes. É mais ou menos isso que o ótimo filme O Espião que Sabia Demais, baseado no romance homônimo de Le Carré, nos diz. Penso que toda a história pode ser sintetizada na boa colocação do espião George Smiley (interpretado soberbamente por Gary Oldman), quando recordando seu encontro com um emblemático agente soviético conhecido por Karla: “Nós não somos tão diferentes, você e eu. Ambos passamos nossas vidas procurando as fraquezas um do outro. Não acha que chegou a hora de perceber que o seu lado e o meu estavam errados?”. Sem dúvidas, um grande momento do cinema. Karla não aceita seu convite para viver na democracia ocidental, com sua família, em segurança. Retorna à inteligência soviética e continua na ativa no decorrer da trama, conquanto nunca dê as caras à luz. Isso evidencia o poder ideológico dos personagens. No comunismo, há a elite burocrática, o povo vitimado pelo medo, a massa desmiolada de manobra e há, também, Karla: homem de ferro que, como tantos, mantiveram o regime em pé.
Fisicamente, Gary Oldman é bem diferente do personagem construído por Le Carré. Este descreve o spymaster da seguinte forma: "De baixa estatura, atarracado e, na melhor das hipóteses, já de meia idade, tinha a aparência de um londrino acomodado, desses que não herdam a Terra. Suas pernas eram curtas, seu jeito de andar seria tudo, menos ágil; suas roupas eram caras, mas assentavam-lhe mal (...)". Além desse péssimo quadro estético, Smiley é um tremendo corno manso, sempre ansioso pelo retorno da esposa Ann, que o chifrava com o Diabo e o mundo, além de ser amante regular de Bill Haydon - primo dela e colega dele no Circus (unidade do Serviço de Inteligência britânico).
Podemos resumir essa trama de espionagem "noir" e pacata da seguinte forma: após o fracasso da Operação Testemunho, na República Theca, que pretendia obter de uma forte militar informações sobre a existência de um traidor no seio do Circus, tanto Smiley quanto Control - seu Chefe - são convidados a aposentar-se. Passado pouco mais de um ano e com Control já falecido, o político Lacon procura Smiley com a informação da existência, realmente, de uma "toupeira"; assim, extraoficialmente, ele passa a analisar várias ações do Circus, em especial na operação mencionada, além de outra denominada "Bruxaria", no afã de descobrir que é o agente britânico recrutado por Karla.
No romance, Le Carré soterra toda a trama em um labirinto de informações despejadas ao léu. Acompanhamos Smiley e seus colaboradores num vai e vem aparentemente inútil, sem chegarmos à conclusão satisfatória alguma. Apenas nos quatro últimos capítulos da obra o gênio do velho espião começa a amarrar todas as pontas, formando um quadro, para nós, mais nítido. A toupeira é descoberta e o Circus começa a ser reorganizado.
Em razão do ano de seu lançamento original (1974), a sugestão à relação "gay" entre os espiões Bill Haydon e Jim Prideaux chama atenção. Na adaptação cinematográfica, ademais, levaram o homossexualismo a outro personagem, de forma desnecessária. Assim, no filme, vemos uma suave indicação de que Peter Guillam manteria uma relação homoafetiva; conquanto, na obra escrita, ele seja heterossexual e conviva com sua namorada, Camila. Por que essa insistência da mídia atual em torna tudo mais gay, hein?
O título original da obra (Tinker, tailor, soldier, spy, ou seja: Desajeitado, alfaiate, soldado, espião) evoca versos infantis conhecidos na cultura anglófona, escolhidos por Control, quando vivo, como código de identificação dos espiões do Serviço de Inteligência, especialmente para a Operação Testemunho. No filme, não vemos demais explicações sobre esses versos, apenas menção aos seus personagens logo nas cenas iniciais. E essa falta de mais informações, por parte do diretor sueco Tomas Alfredson é a razão da péssima recepção do filme pelo grande público que desconhece o livro. Aliada a essa ausência de informações importantes, a péssima edição do filme - justamente sobre uma história, em si, já confusa - só agravou tudo. Esse excesso de supressão, aliás, também é verificado em seu filme anterior: Deixe-a Entrar, que abandona os espectadores à própria sorte, para encontrarem, no romance escrito ou em notas na internet, elementos essenciais à trama.
É impossível, apenas pelo filme, compreender a linha de raciocínio desenvolvida por George, bem como a compreensão de como se dava, efetivamente, a infiltração de agente duplo na unidade, durante uma aparente vantajosa troca de informações com provável fonte russa. No romance, apenas a partir do Capítulo 34 tais informações são reveladas, dando amarração a tudo o que fomos colhendo durante a leitura. No cinema, esses elementos não existem. Não podemos desmerecer, claro, a excelente qualidade técnica da produção e sua força em nos levar àquela atmosfera de espionagem. As atuações são excelentes, no elenco de peso que possui. A fotografia está impecável (v. imagens abaixo). Com um pouco de esforço durante o filme, bem como após umas consultas na internet, dá para compreendê-lo bem. Enfim, uma película exigente. O livro, por seu turno, é altamente recomendável: história empolgante e bem contada, boa tradução e tratamento decente por parte da Editora Record. A capa do livro (acima) reproduz o pôster do cinema em tudo, inclusive nos créditos reproduzidos nas costas do volume - prática esta cada vez mais comum em publicações adaptadas para as telas. A obra custa R$ 44,00, possui 420 páginas em papel off-white 80 g/m² (o mais utilizando pela Record) e 16 x 23 cm (dimensões). E, antes de finalizar, destaco que o personagem George Smiley já foi interpretado pelo ator Rupert Davies, no cinema, na adaptação do terceiro romance de Le Carré, O espião que saiu do frio, em filme homônimo de 1965. Na televisão, a BBC deu vida ao agente na atuação elogiada de Alec Guinness quando da adaptação para a série em sete capítulos de O espião que sabia demais.
Fisicamente, Gary Oldman é bem diferente do personagem construído por Le Carré. Este descreve o spymaster da seguinte forma: "De baixa estatura, atarracado e, na melhor das hipóteses, já de meia idade, tinha a aparência de um londrino acomodado, desses que não herdam a Terra. Suas pernas eram curtas, seu jeito de andar seria tudo, menos ágil; suas roupas eram caras, mas assentavam-lhe mal (...)". Além desse péssimo quadro estético, Smiley é um tremendo corno manso, sempre ansioso pelo retorno da esposa Ann, que o chifrava com o Diabo e o mundo, além de ser amante regular de Bill Haydon - primo dela e colega dele no Circus (unidade do Serviço de Inteligência britânico).
Podemos resumir essa trama de espionagem "noir" e pacata da seguinte forma: após o fracasso da Operação Testemunho, na República Theca, que pretendia obter de uma forte militar informações sobre a existência de um traidor no seio do Circus, tanto Smiley quanto Control - seu Chefe - são convidados a aposentar-se. Passado pouco mais de um ano e com Control já falecido, o político Lacon procura Smiley com a informação da existência, realmente, de uma "toupeira"; assim, extraoficialmente, ele passa a analisar várias ações do Circus, em especial na operação mencionada, além de outra denominada "Bruxaria", no afã de descobrir que é o agente britânico recrutado por Karla.
No romance, Le Carré soterra toda a trama em um labirinto de informações despejadas ao léu. Acompanhamos Smiley e seus colaboradores num vai e vem aparentemente inútil, sem chegarmos à conclusão satisfatória alguma. Apenas nos quatro últimos capítulos da obra o gênio do velho espião começa a amarrar todas as pontas, formando um quadro, para nós, mais nítido. A toupeira é descoberta e o Circus começa a ser reorganizado.
Em razão do ano de seu lançamento original (1974), a sugestão à relação "gay" entre os espiões Bill Haydon e Jim Prideaux chama atenção. Na adaptação cinematográfica, ademais, levaram o homossexualismo a outro personagem, de forma desnecessária. Assim, no filme, vemos uma suave indicação de que Peter Guillam manteria uma relação homoafetiva; conquanto, na obra escrita, ele seja heterossexual e conviva com sua namorada, Camila. Por que essa insistência da mídia atual em torna tudo mais gay, hein?
O título original da obra (Tinker, tailor, soldier, spy, ou seja: Desajeitado, alfaiate, soldado, espião) evoca versos infantis conhecidos na cultura anglófona, escolhidos por Control, quando vivo, como código de identificação dos espiões do Serviço de Inteligência, especialmente para a Operação Testemunho. No filme, não vemos demais explicações sobre esses versos, apenas menção aos seus personagens logo nas cenas iniciais. E essa falta de mais informações, por parte do diretor sueco Tomas Alfredson é a razão da péssima recepção do filme pelo grande público que desconhece o livro. Aliada a essa ausência de informações importantes, a péssima edição do filme - justamente sobre uma história, em si, já confusa - só agravou tudo. Esse excesso de supressão, aliás, também é verificado em seu filme anterior: Deixe-a Entrar, que abandona os espectadores à própria sorte, para encontrarem, no romance escrito ou em notas na internet, elementos essenciais à trama.
É impossível, apenas pelo filme, compreender a linha de raciocínio desenvolvida por George, bem como a compreensão de como se dava, efetivamente, a infiltração de agente duplo na unidade, durante uma aparente vantajosa troca de informações com provável fonte russa. No romance, apenas a partir do Capítulo 34 tais informações são reveladas, dando amarração a tudo o que fomos colhendo durante a leitura. No cinema, esses elementos não existem. Não podemos desmerecer, claro, a excelente qualidade técnica da produção e sua força em nos levar àquela atmosfera de espionagem. As atuações são excelentes, no elenco de peso que possui. A fotografia está impecável (v. imagens abaixo). Com um pouco de esforço durante o filme, bem como após umas consultas na internet, dá para compreendê-lo bem. Enfim, uma película exigente. O livro, por seu turno, é altamente recomendável: história empolgante e bem contada, boa tradução e tratamento decente por parte da Editora Record. A capa do livro (acima) reproduz o pôster do cinema em tudo, inclusive nos créditos reproduzidos nas costas do volume - prática esta cada vez mais comum em publicações adaptadas para as telas. A obra custa R$ 44,00, possui 420 páginas em papel off-white 80 g/m² (o mais utilizando pela Record) e 16 x 23 cm (dimensões). E, antes de finalizar, destaco que o personagem George Smiley já foi interpretado pelo ator Rupert Davies, no cinema, na adaptação do terceiro romance de Le Carré, O espião que saiu do frio, em filme homônimo de 1965. Na televisão, a BBC deu vida ao agente na atuação elogiada de Alec Guinness quando da adaptação para a série em sete capítulos de O espião que sabia demais.
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